Page 368 - Revista da Armada
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O reequipamento
O reequipamento
da Marinha
da Marinha
ortugal desenvolve há cerca de 10 A crise do Golfo, a necessidade de Por- expressões de poder – capacidades – com
anos um grande esforço para adaptar tugal participar na força multinacional de tipo, dimensão e composição específicos,
Pas Forças Armadas aos desafios do oposição ao Iraque, na força de bloqueio viabiliza a tomada de decisões quanto à
pós Guerra Fria. Esta complexa reforma à Sérvia, de preparar a evacuação dos ci- natureza e à sequência das acções desti-
caracteriza-se por uma profunda renova- dadãos nacionais de Angola, de intervir no nadas a organizar, a edificar e a empregar
ção dos conceitos estratégicos de defesa e conflito da Guiné-Bissau, mediando as ne- os meios que dão corpo ao sistema de
militar, das missões, do sistema de forças gociações de paz, evacuando civis e pres- força naval. Este estudo preconiza, no
e do dispositivo. Desta forma, encerrar-se- tando apoio humanitário, e de contribuir curto prazo, a entrada ao serviço: de
-à definitivamente o ciclo iniciado nos para a imposição e consolidação da paz navios patrulha costeiros destinados à
anos 50 para fazer face às necessidades em Timor-Leste, têm desvalorizado aque- fiscalização da nossa longa fronteira marí-
de actuação no ultramar. No que à Mari- las opiniões. Com efeito, a paz no mundo tima; de novos submarinos, que são deter-
nha diz respeito, a independência das co- depende, em primeiro lugar, da capaci- minantes no desempenho militar do sis-
lónias alterou os requisitos de emprego da dade diplomática para resolver pacifica- tema de força naval; e de um navio poli-
força naval, pelo que, a partir de 1975, mente as disputas de interesses em «fora» valente logístico, essencial para a mobili-
assumiram importância primacial as actua- acreditados e legítimos, como são, por dade dos fuzileiros e das forças terrestres.
ções no âmbito da Aliança Atlântica e as exemplo, a ONU e a OSCE. Quando a ac- Em seguida, aquele estudo prevê: a substi-
tarefas de interesse público (fiscalização, ção diplomática não proporciona soluções tuição progressiva das corvetas das classes
investigação marítima, salvaguarda da aceitáveis e dessas disputas resultam per- “João Coutinho” e “Baptista de Andrade”,
vida humana no mar, assinalamento marí- turbações graves da segurança nacional e dos patrulhas da classe “Cacine” por pa-
timo e preservação ambiental). Este apa- ou internacional, torna-se necessário em- trulhas oceânicos, cuja actuação preferen-
rente desvio das tarefas militares (espe- penhar forças militares. Contudo, para que cial será a fiscalização da ZEE e a salva-
cialmente projecção de força e presença os conflitos armados não se internacionali- guarda da vida humana no mar; a aqui-
naval), que tinham caracterizado de for- zem, esses empenhamentos decorrem, sição de 3 helicópteros destinados a com-
ma tão evidente a actuação da Armada no normalmente, de decisões consensuais e pletar a lotação, em meios aéreos orgâni-
período de 1961-75, facilitou, em meados as forças empregues têm um vincado ca- cos, das fragatas da classe “Vasco da Ga-
dos anos 80, o estabelecimento da polé- rácter multinacional. Nestes casos e, sem- ma”, factor decisivo para a multiplicidade
mica sobre a oportunidade da aquisição pre que possível, Portugal intervém na ma- de missões atribuíveis a estes navios; o
das fragatas da classe “Vasco da Gama”. nutenção da paz no mundo, não só por- reequipamento do Batalhão Ligeiro de
O fim do conflito Leste-Oeste e a eclosão que é do seu interesse que ela se mante- Desembarque dos Fuzileiros, de forma a
dos conflitos regionais na década de 90, a nha, mas também porque as alianças em permitir o seu emprego operacional em
que os aliados têm feito face com grande que o país participa exigem coesão e soli- teatros de superior nível de ameaça; e a
espectacularidade, tirando partido do dariedade entre os parceiros. Por tudo substituição das fragatas da classe “João
poder de fogo dos meios navais de super- isto, é evidente que as necessidades es- Belo” por navios modernos, viabilizando
fície, contribuiu para que, em Portugal, se tratégicas de Portugal requerem da Ma- assim a constituição do núcleo de 6
abrisse campo às discussões sobre a utili- rinha um conjunto de capacidades, que escoltadores de superfície, número míni-
dade de novos submarinos para substitui- não fica satisfeito apenas com navios de mo para o desempenho das funções de
rem a classe “Albacora”. superfície ou com submarinos. Na reali- exercício de soberania e de preservação
As opiniões discordantes são, fundamen- dade, deve dispor de um sistema de força da ordem internacional. Para além destes
talmente, de dois tipos: umas resultam da naval coerente e equilibrado nas suas programas estão planeados outros de
dicotomia entre os pensamentos estraté- principais capacidades combatentes: menor dimensão, relativos às capacidades:
gico terrestre e naval, que dá origem às comando e controlo; oceânica de superfí- de comando e controlo; da componente
tradicionais polémicas sobre as prioridades cie com meios aéreos orgânicos; submari- fixa; do sistema de autoridade marítima;
do reequipamento da Marinha, com base, na; guerra de minas; e anfíbia. Só desta de combate à poluição; de assinalamento
ora na inexistência de ameaças e de inimi- forma se poderão constituir as alternativas marítimo; e de hidro-oceanografia.
gos que ataquem pelo mar, ora no clima de força mais adequadas para lidar com Os programas previstos importam em
de controlo/redução de armamentos e de situações futuras imprevisíveis, tanto do cerca de 700 milhões de contos, parte dos
cooperação mundial, ora nos benefícios da ponto de vista humanitário, como político quais necessitam de ser suportados pelo
integração na Aliança Atlântica e na UEO ou militar. Orçamento do Estado num espaço de
e, sempre, no alto custo dos meios navais; Em matéria de defesa não se pode im- tempo relativamente curto (10 anos), por
outras, porque se esquecem que a evolu- provisar, nem perder de vista que apenas duas ordens de razões: a primeira, em vir-
ção da sociedade assenta em disputas de as capacidades combatentes permitem tude de quase todos os meios existentes
interesses, por vezes levadas ao extremo da desempenhos positivos em situações de terem sido aumentados ao efectivo em
guerra, meio último de fazer prevalecer a paz, crise ou conflito. Por isso, é preciso meados da década de 60, encontrando-se
vontade de um Estado, conferem primazia desenvolver de forma continuada as ac- em fim de vida útil; a segunda, porque a
às políticas de desenvolvimento e bem- ções que visam o fortalecimento e o em- missão da Marinha exige meios tecnologi-
-estar sobre a política de segurança, e pre- prego da força naval. Neste contexto, camente actualizados, o que se traduz em
conizam cortes orçamentais na Defesa, assume relevância o estudo “Contributos elevados custos de aquisição e de susten-
com a consequente redução dos meios para o planeamento de forças da Marinha” tação. Não há uma alternativa credível a
humanos e materiais da Marinha. que, ao traduzir objectivos políticos em meios com esta característica. Com efeito,
6 DEZEMBRO 2000 • REVISTA DA ARMADA