Page 377 - Revista da Armada
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abraço de nevoeiro que quase fazia os
navios precipitarem-se uns contra os ou-
tros, já sentimos só o cair da noite e, na
calma do lusco-fusco, ouvíamos a cidade,
ao longe, segredar-nos as suas ruas, os
seus arranha-céus, as suas gentes... Boston
tem, no seu recorte cosmopolita, a alma
própria de uma cidade antiga que, a todo
o custo, nunca será envelhecida… che-
gando mesmo a ser um autêntico quadro
vivo onde um sublime toque europeu
ressalta da arquitectura Eerie dos edifícios
mais antigos.
Desde a visita do senador Kennedy a
uma recepção calorosa da comunidade
portuguesa, podemos dizer que em Boston
se viveu uma sublime despedida dos
Estados Unidos, quase um “Grand Finale”
na presença da “Sagres” ao longo de um
mês de terras norte-americanas. Dia 20 de
Julho, quando largarmos de Boston, não Cadetes a bordo do “Cisne Branco”.
serão memórias que ficarão para trás mas
sim quadros vivos pintados das cores das académico uma vez que sendo a maior momentos de uma beleza e envolvência
cidades onde aportámos, dos crepúsculos tirada e sendo uma travessia oceânica ela única!
que, qual licor enebriante, envolviam a serve para pôr em prática a navegação – “ Terra à vista, 45º por Bombordo!” –
nossa alma com tudo o que nos rodeou. astronómica. Como especial motivação ouviu-se gritar, entusiasmado, o vigia do
– Espera-nos agora o Mar! – para a navegação astronómica foi desliga- seu posto no castelo. Era a ilha das Flores.
É sempre difícil saber o que é sentir o Mar! do o GPS de bordo e os Astros voltaram Haviamos finalmente chegado aos Aço-
Existem tantos “sentires”... porém o Mar é mais uma vez a ser os preciosos cúmplices res… Continuaríamos para oriente, ruman-
sempre o mesmo, e é denominador da nossa aventura. O conhecimento dos do à ilha do Faial onde tencionávamos
comum entre todos os que, aqui na Barca astros e a arte de navegar projectando o aportar, na cidade da Horta. Chegados ao
dos Sonhos, fazem do Azul o seu próprio Universo nas águas do mar é um impor- nosso destino, no dia 4, foi tempo para
sangue. Na azáfama das fainas de chegada tante legado que nos foi deixado pelos levar a cabo uma “deliciosa” responsabi-
e de largada, nos desfiles, nas recepções, nossos antepassados e que importa nunca lidade académica: o teste escrito... Fin-
etc., sentimos a “Sagres” “vestir” a sua pe- deixar morrer! Os crepúsculos sucede- dado o referido teste era tempo de gozar
le de embaixadora da Alma Portuguesa. ram-se, as noites silentes e deliciosamente em pleno a beleza indizível que a ilha
Boston, como último porto dos Estados estreladas, a Lua sempre cúmplice, o Mar tinha para nos oferecer… uma aura mági-
Unidos é o nosso ponto de largada para sempre nosso, as velas sempre majestosa- ca e contagiante onde tanto as pessoas
aquilo que será não o regresso, mas sim a mente brancas, do branco desse inatingí- como as flores e a terra guardam histórias
partida para um Mar sempre novo e para vel além-de-tudo a que chamamos Paraí- de quando o Mundo era Fogo e Mar…
um Portugal sempre mar... so, as Cruzes de Cristo “tatuadas” no nos- Parece, para muitos, mentira, ou melhor
A tirada entre Boston e os Açores, mais so peito e na nossa força de vontade… uma deliciosa mentira… mas Lisboa é o
precisamente a cidade da Horta, no Faial, tudo é magnífico neste estranho e imenso próximo porto e, independentemente do
apresenta-se não só como um desafio a reino de Neptuno… Foram 14 dias de que isso possa significar para uns ou para
nível humano como também a nível uma travessia calma que proporcionou outros, chega ao fim uma viagem que foi
muito mais do que viagem, chega ao fim
uma viagem que foi acima de tudo vida,
que foi uma nova vida, o nascer de um
compromisso muito especial dentro de
todos nós… um compromisso com o Mar
que queremos que seja, cada vez mais,
nosso, do nosso sangue e alma…
“Talent de bien faire” são as palavras
que deixamos escritas no azul do mar jun-
tamente com alguns versos, uns de
saudade, outros de orgulho e vitória, ou-
tros de amor… e é um pouco de nós que
damos em troca de outro pouco de nós
mesmos.
Azul-imenso, Saudade, praia dos meus amores,
Onde Ulisses adormece, onde ardem mil flores,
Onde guardo ainda o meu navio feito de luar,
Para nunca esquecer que nada mais sou do que mar…
Os cadetes do Curso “VALM Magalhães Corrêa”
3º Ano da E.N.
Chegada a Lisboa.
REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2000 15