Page 67 - Revista da Armada
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R.A.: E que peripécias envolveram essa representação portuguesa no Realizou-se no passado dia 21 de Dezembro, no Museu de Marinha
Campeonato do Mundo de “SNIPES”? (Pavilhão das Galeotas), uma cerimónia evocativa do aumento ao acervo
museológico de mais uma valiosa embarcação de vela, que desde essa data
C.M.: Bem, embora o Campeonato do Mundo estivesse para ser reali- se mantém em exposição permanente.
zado em breve, oficialmente a Federação ainda não se havia pronun- Trata-se de um “Snipe” que defendeu as cores nacionais no Campeonato
ciado sobre a nossa deslocação que deveria ser custeada por esta do Mundo da modalidade realizado no Mónaco de 5 a 12 de Setembro de
entidade desportiva. A própria Federação não previa no seu orçamen- 1953, tripulado pelo Comandante António José Conde Martins, na altura
to essa despesa, e havia grandes dificuldades financeiras. O Sr. João um jovem de 17 anos e pelo Engenheiro Fernando Lima Belo e que nessa
importante competição ganhou o primeiro título mundial para o nosso país.
da Costa Barata, há 16 anos à frente do Centro de Vela, foi o grande A embarcação pertenceu ao Centro de Vela da antiga Mocidade
impulsionador da nossa deslocação, e através dele, e do outro vele- Portuguesa e ao longo dos anos foi naturalmente sendo relegada para um
jador suplente o Antunes Fernandes cujo pai era proprietário duma plano secundário, tendo mesmo deixado de ser utilizada por obsoleta para
frota de táxis, lá se conseguiu arranjar um táxi disfarçado que com um a competição desportiva. Felizmente foi possível a sua total recuperação
com o apoio do Grupo de Amigos do Museu de Marinha, a ajuda do próprio
berço e reboque nos havia de levar até Mónaco após um longo per- Comandante Conde Martins e de outros antigos velejadores e o apoio me-
curso por estrada de cerca de 2000 Km. Também o meu proa, o cenático do Comandante Gil Correia Figueira. Na cerimónia usaram da pa-
Francisco Lacerda, estava indisponível por motivo de estudos, tendo- lavra o Director do Museu, Comandante Martins e Silva, o Vice-Almirante
-se então decidido pelo Fernando Lima Belo, da classe dos Brito e Abreu, como Presidente da Direcção do Grupo de Amigos do Museu
“Sharpies”, com larga experiência, tendo até estado no ano anterior de Marinha e, por fim, o Comandante Conde Martins, que fez um colorido
resumo dos acontecimentos ocorridos nesse já longínquo ano de 1953 e
em Mónaco por ocasião do “ Torneio da Páscoa” e por isso conhecer que levaram à conquista brilhante do título mundial referido.
bem as águas onde iríamos velejar. O Fernando foi inexcedível, tendo
demonstrado um grande poder de adaptação ao barco.
Merece a pena referir que, pelo facto de termos alcançado esta
R.A.: Relate-nos agora como foram disputadas as regatas e seu grau
de dificuldade até chegar à vitória final. vitória, nos foi oferecida a estadia completa no hotel, sem o que não
teríamos possibilidades financeiras de regressar a Portugal, dada a exi-
C.M.: Pelo regulamento, cada país, nesta modalidade só podia ins- guidade de recursos de que dispunhamos.
crever uma embarcação, o que não acontecia noutras classes. Por R.A.: E depois, a viagem de regresso e a chegada a Lisboa, como
outro lado, os concorrentes em presença, de quinze países, eram decorreu?
equipas de grande valor, designadamente o campeão do mundo, re-
presentante da Argentina, o campeão americano Tom Froster, tam- C.M.: O regresso por estrada foi uma epopeia, o nosso “táxi” lá se foi
bém com 17 anos, o representante da Dinamarca, campeão europeu comportando pelo melhor, mas já nos Pirinéus o motor aqueceu
e os fortíssimos velejadores da Itália, França, Suíça e Cuba. demasiado, e foi com as taças dos troféus que enchemos de água o
A nossa embarcação o “Garrancho”, apesar de possuir o velame radiador...
em algodão, mais pesado do que as velas dos outros concorrentes em Já em Portugal, partiu-se o engate do atrelado onde vinha a embar-
“dracon”, portou-se sempre muito bem. O barco era excelente, muito cação. Tiveram mais tarde que o ir buscar, com novo reboque,
bonito de linhas e andava muito bem. Fizemos boa equipa, eu e o enquanto a equipa regressava a Lisboa.
Lima Belo, apesar de ter sido a primeira vez que velejava com ele. A recepção em Lisboa foi fantástica, para mim, e para a equipa, até
Durante o campeonato fomos de uma grande regularidade, obtendo nos surgiu um bocado inesperada, pois a Vela não era desporto de
os resultados seguintes: 2ºs nas duas primeiras regatas, 3ºs nas duas apaixonar as multidões. Já na fronteira nos tínhamos impressionado
últimas e 5º na 3ª regata. A nossa actuação, mesmo sem ganhar ne- com um indivíduo que nos felicitava entusiasticamente apontando-
nhuma regata, foi bastante boa, tendo em conta as condições dos -nos a reportagem do jornal “A Bola”. Agora à chegada a Lisboa, fica-
ventos médios e fracos, que não eram os mais favoráveis para nós. mos radiantes com a apoteótica recepção, com imensa gente na bai-
xa lisboeta, principalmente na zona do Rossio e no Palácio da Inde-
R.A.: Descreva-nos alguns aspectos mais marcantes da cerimónia da pendência para onde nos dirigíamos. Aí fomos recebidos com
entrega dos prémios em Mónaco. grandes manifestações de júbilo pelos representantes da Mocidade
Portuguesa e de vários sectores do desporto nacional. Houve uma
C.M.: A cerimónia de entrega dos prémios teve lugar no Hotel Paris, sessão de boas vindas em que estiveram presentes, entre outros, o
presidida pelo representante do Príncipe Rainier, na altura ausente, Comissário Nacional da M.P. e o Presidente da Federação Portuguesa
durante um jantar de gala em que estiveram presentes as mais altas de Vela. Posteriormente, o momento mais saliente foi a imposição da
individualidades do Principado e do desporto da vela. Para além da Medalha de Mérito Desportivo pelo Presidente da República, General
emoção já vivida diariamente, quando a Bandeira Nacional era içada Craveiro Lopes.
após cada regata, com excepção do dia em que ficamos em 5º lugar,
esta cerimónia deixou-nos particularmente felizes e emocionados. R.A.: Mas depois, terminou a sua carreira como velejador, porquê?
C.M.: Eu tinha completado o 6º ano no liceu D. João de Castro, e
após concluir o curso liceal, tencionava candidatar-me à Escola
Naval. Aí, depois, talvez tivesse ainda algum tempo para me treinar
convenientemente.
Durante o 7º ano e o ano de Preparatórios Militares foi pratica-
mente impossível continuar a competir devido aos estudos, mas ia
velejando regularmente. Depois, durante as viagens de instrução de
cadetes da Escola Naval, realizei diversas regatas sagrando-me vence-
dor em 1955, em Inglaterra, aquando da regata “TORBAY – LIS-
BOA”, na Sagres, de dois torneios à vela, sendo proa o cadete Pascoal
Rodrigues, designadamente, em Plymouth na classe “Redwings” e em
Dartmouth na classe “Dinghis”.
Mais tarde, já guarda-marinha, e continuando como proa o Pascoal
Rodrigues, ganhámos o torneio da classe “Vaurien” disputado em
Brest, aquando da regata oceânica “Brest-Canárias” na “Sagres”, ve-
leiro que triunfou nessa competição.
Depois, a minha vida profissional, designadamente, a minha espe-
O Presidente da República, General Craveiro Lopes, condecora os jovens velejadores cialização em navegação submarina e o tempo passado nos submari-
com a Medalha de Mérito Desportivo. nos, não me permitiram continuar a carreira de velejador.
REVISTA DA ARMADA • FEVEREIRO 2000 29