Page 70 - Revista da Armada
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BIBLIOGRAFIA
“História da Marinha Portuguesa”
o entusiasmo dos anos 40, quando no nosso mundo lusitano se apurámos foi se não se escreveu mais sobre o assunto, ou se foi algo
Ncomemoravam dois centenários, o da Fundação da Naciona- escrito, mas não editado.
lidade (oito séculos) e o da Restauração da Monarquia Portuguesa Como quer que tenha acontecido a História da Marinha ficou pela
(trezentos anos) – época de certa euforia nacionalista, (quando lá fora, primeira dinastia e, depois de escreve-la, passaram-se mais uns
ao nosso redor, se acabavam de bater espanhóis contra espanhóis, e cinquenta anos.
começavam a destruir-se europeus contra europeus), e nessa euforia Vem agora, louvavelmente como sempre, a Academia de Marinha
celebrávamos a defesa e o culto da nossa paz, dos nossos valores deitar, de novo, mãos ao projecto. Parece que com redobrado fôlego,
tradicionais, de um Portugal pluricontinental e multiétnico, (com valo- com dobrado empenho, com a predisposição de sempre: escrever
res ainda bem cotados na bolsa dos valores nacionalistas), nessa época desde os primórdios a História da nossa Marinha. Vai já no terceiro
iniciou-se – até com certo luxo de formato, ilustração e edição, uma volume publicado, mas não se pode dar dela (História), uma cronolo-
“História da Marinha Portuguesa”. gia definidora do avanço no sentido de concretização do propósito,
O primeiro volume intitulou-se: “Da Nacionalidade a Aljubarrota” pois esta História, agora, assim como não começou (já nenhuma
era edição do Clube Militar Naval, comemorativa do duplo cen- começa, claro) pelas palavras antigas “era uma vez...” também não
tenário, e tinha o alto patrocínio de Suas Excelências o Presidente do obedece (muito) a datas. Os dois primeiros volumes ainda traziam na
Conselho e Ministro da Marinha. Assinavam o pedido de autorização capa – 1139-1414, o primeiro, e 1139-1499, o segundo. Mas isto tam-
de verba Álvaro Freitas Morna, Capitão de Fragata, e Abel Fontoura da bém não adiantava muito. O caso é que esta nova História da Marinha
Costa, Capitão-de-Mar-e-Guerra; Salazar despacharia: “[...] apresenta- está a ser escrita por temas: o primeiro volume versou o tema “Navios,
do trabalho que, dentro do máximo rigor histórico seja digno das nos- Marinheiros e Arte de Navegar”, e dele cuidaram Fernando Gomes
sas tradições marítimas, e integrado no renascimento de Portugal, Pedrosa e José Malhão Pereira, oficiais da Armada e Inácio Guerreiro,
autorizo a oportuna inscrição da verba necessária”. Historiador e Mestre em cartografia. O segundo volume já desenvolvia
O primeiro volume viu a luz do dia com prefácio do Almirante tema bem diferente: “Homens, Doutrinas e Organização”, e, sob a
Jaime Afreixo, que salienta, entre outros factos, ser obra toda da cola- coordenação do Professor Humberto Baquero Moreno, foi escrito por
boração exclusiva de oficiais da Armada, e inserir-se no “desejo há cinco distintas Historiadoras, Doutoras Maria da Luz, Isabel Vaz, Paula
muito latente de fazer desaparecer a lacuna deplorável da falta de uma Maria, Júlia Isabel e Albertina da Conceição.
História da Marinha em nação de tão gloriosas tradições marítimas”. À saída do 1º volume houve um certo “frou-frou” das (muitas) “gra-
Porque a nossa missão, aqui e agora, é escrever sobre outra História lhas” que o texto continha, e que deixou alguns espíritos ansiosos por
da Marinha Portuguesa, não nos demoraremos nesta primeira publi- (finalmente!) aparecer obra limpa, séria e dignificante, com tanta
cação; deixaremos, contudo, um testemunho pessoal: alguns dos volu- mostra de descuido. Felizmente que um ajuntar de seis páginas como
mes que temos encontrado em unidades nossas estão por abrir. corrigenda, cortadas embora em formato mais reduzido, deixava os
Alguém cumpriu o dever burocrático de apôr carimbos aqui e além, críticos menos alarmados e tudo caiu no esquecimento. (O que não
onde o livro abria naturalmente, mas ninguém se deu ao trabalho de resolvia, nem resolveu os problemas principais).
pôr faca de papel a abrir as dobras dos fólios da impressão para fazer a Os volumes seguintes fizeram passar a águas passadas, o que não
leitura, que talvez tenha ainda muito mérito. passou de todo, e o 3º volume de que foi coordenador o Professor
De concluir, lógica e lamentavelmente, que não houve por edição António José Telo, versou o tema “Homens, Doutrinas e Organização”,
tão louvável e bem intencionada, o interesse correspondente. saiu já no ano de 99 e abrange o período 1824-1974, isto é, arredon-
Presumimos que não existem conotações com o facto, também dando, da independência do Brasil ao fim da campanha Colonial.
lamentável, de não ter sido publicado qualquer outro volume, tendo Como será o resto, isto é, a continuação, é coisa a ver, mas por certo
esta História da Marinha Portuguesa ficado em Aljubarrota. O que não a História da Marinha agora vai.
“Retalhos”
Prefácio
medida que se progride no tempo, progresso que, para as pes- recendo, ao longo de anos, escritos sobre temas por si estudados, ou
Àsoas correntes costuma chamar-se idade, vão-se conhecendo coisas que com ele aconteceram, com vivência de pesquisa, como
espíritos curiosos, inclinados a este ou àquele pendão, com um pecu- no caso de várias âncoras de navios de Colombo achados nos
liar modo de ser, com frequência hereditária. Açores, de simples contos de ocorrências mais ou menos curiosas, e
Conheci, na minha juventude, um comandante extraordinaria- com isso preencheu múltiplas páginas da Revista desde recuados
mente generoso e bom, a ponto de deixar o magro ordenado a anos até praticamente à actualidade.
malévolo marinheiro pedinchão, capaz de “matar” a mãe ou o pai ou Até que a tesoura da Terceira Parca, implacável como sem-
ambos, e sucessivamente o resto dos entes mais queridos, com vista a pre, e sem mais aquelas, cortou o fio de Agostinho, e aí ficámos
obter uma licença quiçá, alguns contitos de reis. Passavam a segundo nós sem ele. Perda sofrida, ficando após, apenas, a saudade de
plano, lá em casa, com explicações mal explicadas, necessidades um bom e generoso amigo, de que nos restam as linhas que nos
correntes de âmbito familiar. Da mesma descendência foi também deixou.
um extraordinário representante de Portugal em França, que con- É, infelizmente, uma homenagem póstuma a que o autor tinha todo
cedeu vistos para fora do espaço nazi a grande número de judeus o direito.
fugitivos de pena de morte em campos de concentração. Foram estes escritos, já ligeiramente antigos, mas sempre actuais,
Ao nível da minha geração, camarada amigo, colaborador, como que o comandante Sousa Mendes (Agostinho) já convidado, antes, a
nós, da Revista da Armada, a quem nunca ouvi dizer mal, fosse de reunir em livro, a que tinha resolvido por o título de “Retalhos ...”
quem fosse, e um dia, a pergunta directa sobre ele conhecer alguma agora nos relega sob a forma de trinta e poucas obras que muita gente
pessoa má a resposta foi, com pequena hesitação, de um “não” posi- vai ler com o mesmo agrado que suscitaram em quem os leu na sua
tivo, este membro mais recente da família Sousa Mendes, foi-nos ofe- primeira publicação na Revista.
32 FEVEREIRO 2000 • REVISTA DA ARMADA