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Viagem a Londres da Caravela “Boa Esperança”
          Viagem a Londres da Caravela “Boa Esperança”



               “Boa Esperança” reprodução das caravelas quinhentistas  Gijon, único porto que na costa asturiana podia dar abrigo à ca-
               de dois mastros, construída segundo projecto do CALM  ravela.
         AECN Rogério d’ Oliveira, nos estaleiros Samuel & Filhos,  Após cerca de trinta e seis horas a correr com o tempo, com o
         em Vila do Conde, foi adquirida à APORVELA e entregue à Região  navio sujeito a fortes balanços bombordo/estibordo, conseguiu-
         de Turismo do Algarve em 16 de Junho de 2001.        -se entrar, aos primeiros alvores do dia 6 de Junho, no porto de
           Da sua utilização, entre outros objectivos, faz parte a divulgação  Gijon.
         do Algarve e de Portugal numa perspectiva histórica da epopeia  Saiu-se de Gijon a 10 de Junho, a navegar para NNE em deman-
         marítima dos portugueses. Neste sentido foi estabelecida, pelo  da da “Ille de Ouessant” no extremo NE da Biscaia, com mar cava-
         armador, a necessidade de se efectuar pelo menos uma viagem  do de WNW e vento moderado a fresco de N.
         anual para além das águas nacionais, tendo-se constituído Londres  As condições de navegabilidade tornavam-se insustentáveis e a
         como um primeiro objectivo a atingir.                previsão a Norte, no coração da Biscaia, indicava uma pioria  com a
           A tripulação, de vinte e dois elementos incluindo o comandante  aproximação de mais uma frente fria associada a um núcleo
         (dezanove voluntários e três contratados, responsáveis pela  depressionário cavado, com ventos entre os 50 e os 60 nós.
         manutenção e conservação do navio), foi sujeita a uma longa  Não podia ser verdade, tínhamos que voltar a arribar a Gijon,
         preparação de quase um ano, em saídas de fim de semana, uma a  onde se entrou às 21.30 do dia 10 de Junho.
         duas vezes por mês, até Maio de 2002.                 No dia 11 de Junho largou-se de Gijon cerca das 2200 navegando
           Pretendendo-se chegar a Londres no dia 10 de Junho, foi marca-  novamente a NNE, o mar estava cavado de NNW mas o vento
         da a largada para o dia 30 de                                                    tinha baixado de intensidade
         Maio de 2002.                                                                    o que permitia navegar,
           Apesar de ser uma época                                                        embora com algum enxo-
         do ano em que previsivel-                                                        valho.
         mente o tempo para Norte                                                           As condições de mar e
         seria favorável à viagem,                                                        vento mantiveram-se du-
         optou-se por efectuar uma                                                        rante todo o dia 12 de Junho
         primeira etapa de Portimão                                                       e com a aproximação à “Ille
         para Lisboa, com saída a 24                                                      de Ouessant” e ao Canal da
         de Maio, no sentido de en-                                                       Mancha o mar começou a
         curtar a distância que se teria                                                  melhorar e o vento rondou
         de percorrer e ganhar algum                                                      para W, moderado a fresco.
         tempo para cobrir eventuais                                                        A sorte parecia finalmente
         percalços.                                                                       ter marcado encontro com a
           Após 48 horas de navega-                                                       caravela.
         ção sob condições menos                                                            Ao nascer do dia 14 de
         boas, com ventos frescos a                                                       Junho a Biscaia tinha pas-
         muito frescos de NW e mar                                                        sado, tinha-se agora pela
         de pequena vaga a cavado                                                         frente o Canal da Mancha e
         do mesmo quadrante, che-                                                         as grandes linhas de nave-
         gou-se a Lisboa, onde nos                                                        gação.
         aguardava a boa notícia de que se conseguiria substituir a verga  Finalmente após uma série de manobras para evitar os vários
         que se havia partido ao largo do Cabo de S. Vicente. Assim seria  navios, em trânsito para Sul e Oeste, conseguiu-se atravessar para
         possível  aprontar o navio até ao dia 31 de Maio.    Norte das linhas de navegação, o nevoeiro abriu e chegou a chuva e
           Finalmente, no dia 31 de Maio, após três dias de intensa activi-  o vento fresco dos quadrantes de W e WNW.
         dade de toda a tripulação no desembarque da verga partida e  No dia 15 de Junho o mar continuava dos quadrantes W
         embarque e preparação da nova verga, largou-se com rumo aos  empurrando a caravela rumo ao seu destino, o vento de WNW,
         mares do Norte.                                      bonançoso a fresco, ia enfunando a vela e ajudando a contrariar a
           No dia 3 de Junho, cerca das 1235, dobrava-se o Cabo Finisterra  corrente que de seis em seis horas nos retardava a marcha, com
         em demanda do porto galego de Camariñas, pequeno porto de  velocidades que chegavam a atingir os quatro nós.
         pesca, 15 milhas a Norte do referido cabo, onde se reabasteceu de  Foi decidido entrar em Dover, para não correr o risco de qual-
         combustível e se fez aguada. O acolhimento da população não  quer percalço com o combustível, e assim no dia 15 de Junho
         podia ser melhor, sobressaindo a admiração pelo tipo de navio e o  arribámos cerca das 1400, já com o vento a refrescar e a rondar para
         carinho no incitamento à continuação da viagem.      os quadrantes N.
           Às 2230 do dia 3 de Junho, após um reconfortante banho em  Largou-se de Dover ainda no dia 15 de Junho às 2200 para se
         terra, nas instalações do Clube Náutico local, largou-se de  poder estar às 0600 do dia 16 de Junho frente a Ramsgate, onde
         Camariñas tendo pela frente o tão afamado Golfo da Biscaia.  seria embarcado o piloto que nos levaria em demanda da foz do
           As cartas de tempo, com o anticiclone dos Açores muito a Sul,  Tamisa e Londres.
         indicavam-nos poder haver uma janela de tempo, entre a passagem  No dia 16 de Junho, cerca das 1630, ali estava o tão desejado des-
         de duas depressões, que nos dava os dois dias e meio necessários  tino, num pontão apinhado de gente que impacientemente aguar-
         para atravessar a Biscaia.                           dava a passagem da prancha e a autorização para entrar a bordo.
           As cartas de tempo começaram entretanto a indicar a deslocação  Contra ventos e marés estava-se atracado, a tripulação maiorita-
         muito rápida para Este de uma frente fria com alguma intensidade  riamente constituída por marinheiros de primeira viagem, tinha-se
         de vento associada. Cerca das 1600 do dia 4 de Junho estava-se  comportado de uma forma exemplar – Brava Tripulação.
         debaixo de um temporal com ventos do quadrante Norte de 40 nós
         e rajadas até aos 50 nós, com mar cavado a grosso.                                          Castro Centeno
           O navio estava a ser muito castigado e foi decidido arribar a                                     CMG

         24 JANEIRO 2003 • REVISTA DA ARMADA
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