Page 27 - Revista da Armada
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CRÓNICA DA RESERVA NAVAL



                     IN MEMORIAM
                     Dr. António Luís Marinho de Castro (1942-2002)


              m 15 de Março de 1968 dirigido  Quantos tiveram o privilégio de com  contra o sentimento do vazio.
              ao Comando Naval de Angola, o  Ele se cruzarem nesta vida, sabem que  Puro engano. É que a idade dá-nos a
         E Chefe do Estado Maior da         Ele próprio foi a personificação da  faculdade de saber apreciar, no grau
         Armada, Vice-Almirante Armando     Amizade; da Amizade que dedicou, da  máximo da nobreza, o valor da amizade
         Júlio de Roboredo e Silva exarava o  Amizade que alimentou, da Amizade  e o simples facto de haver menos um a
         seguinte despacho:                 que defendeu, da Amizade que ensi-  praticá-la, a defendê-la e a ensiná-la,
           “ Considero digno de louvor e de muito  nou.                        deixa-nos tristemente mais sós.
         apreço o relatório elaborado                                                      Fraco testemunho este,
         pelo Sub-tenente FZ da RN                                                       quando o meu desejo seria
         Marinho de Castro, respeitante                                                  o de encontrar palavras
         à sua missão de Comando da                                                      diferentes para um Amigo
         LDP 210, no Rio Cuando e no                                                     diferente.
         período de 29-6 a 5-8-967.                                                        No silêncio da própria
           O relato feito demonstra                                                      intimidade, cada um  dos
         espírito de observação, de ini-                                                 seus amigos encontrará cer-
         ciativa, entusiasmo, devoção e                                                  tamente o texto correcto,
         alta noção do verdadeiro espíri-                                                talvez até por inspiração do
         to de comando e de equipe, que                                                  que aqui deixo escrito. Fico
         muito me apraz aqui registar e                                                  contente perante essa possi-
         que desejo seja levado ao co-                                                   bilidade.
         nhecimento do oficial.                                                            Uma referência especial à
           Creio e espero, que o rela-                                                   devoção do Luís Marinho
         tório tenha sido aproveitado,                                                   de Castro à Marinha de
         não só pelo oficial que o ren-                                                  Guerra e ao que para Ele
         deu na Comissão, como por                                                       significava a Instituição
         todas as autoridades interes-                                                   como máxima defensora do
         sadas no conhecimento das  O STEN FZ Marinho de Castro na “sua” LDP 210 no Rio Cuando.  Mar.
         informações obtidas e su-                                                         Impulsionador e entu-
         gestões formuladas.                  E da Coragem. Quem ao longo de um  siástico fundador da AORN, a As-
           Este relatório excede tudo quanto se pode  ano, o último ano da sua vida, soube  sociação dos Oficiais da Reserva Naval
         esperar de um jovem oficial RN, com uma  transmitir diariamente a todos os seus  a que pertenceu como cidadão civil,
         experiência mínima e conhecimentos limita-  amigos a esperança que ele próprio de-  viveu desde sempre com o orgulho de
         dos da profissão, pelo que é digno, como  sejava ter, assume-se como um vencedor  ter feito parte do corpo activo da
         exemplo, de ser lido e ponderado por todos os  perante a mais cruel das realidades – a  Marinha de Guerra, como Oficial
         que venham a servir no Leste de Angola.  do fim da própria vida.      Fuzileiro.
           Lamento que o atraso na remessa do                                    E no fechar do livro da vida, cum-
         relatório ao EMA só agora me tenha permiti-                           prindo o sentido desta estrada que
         do apreciar este trabalho do ten. Marinho de                          todos percorremos, deixou-nos mais
         Castro, que desejo conhecer quando regressar                          um sinal da sua grandeza de sentimen-
         ao Continente.”                                                       tos.
           Louvado desta forma em 1968, e em                                     É que por vontade própria, interpreta-
         consequência, condecorado mais tarde                                  da fielmente pela sua Família, as suas
         com a Medalha de Mérito Militar, não                                  cinzas foram lançadas ao Mar, como der-
         encontrei melhores adjectivos que                                     radeiro desejo de que a Amizade que a
         definissem as qualidades profissionais                                todos dedicava chegasse a todo o
         do tenente FZ RN Marinho de Castro,                                   Mundo.
         enquanto marinheiro, e acerca de quem                                   E tal como o louvor do Chefe do Es-
         a Revista da Armada me pediu um texto                                 tado Maior da Armada em 1968, tam-
         evocativo da sua memória.                                             bém o Chefe do Estado Maior da
           Já o mesmo não direi quanto às suas                                 Armada em 2002, Almirante José
         qualidades humanas.                                                   Manuel Mendes Cabeçadas, entendeu
           Deixando há pouco mais de um mês o                                  dar publico testemunho do reconheci-
         nosso convívio, Luís Marinho traz-nos a                               mento à sua memória, conferindo à
         dolorosa sensação de vazio, em simul-  Dr. Marinho de Castro.         derradeira cerimónia a máxima di-
         tâneo com um legado de valores difíceis                               gnidade.
         de reproduzir em palavras. Quaisquer  Com o avançar da idade, julgamo-nos  Que Deus te guarde, Luís e, perante
         que elas fossem, seriam sempre um lugar  moralmente capazes de suportar suces-  Ele, obtenhas para os que te seguirão a
         comum, um elogio igual a tantos outros,  sivos desgostos, tão vulgares como a  Sua protecção.
         feito em idênticas circunstâncias. Não  repetida notícia do desaparecimento físi-
         merece que a Ele me refira dessa forma  co dos amigos. Pensamos que os cabelos     José Augusto Pires de Lima
         banal.                             brancos nos conferem alguma protecção                2TEN RN  (4.º CEORN)
                                                                                      REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 2003 25
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