Page 93 - Revista da Armada
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embora não haja registo escrito que o demons-  D. João de Castro, Martim Afonso de Sousa e  português recusou. Mais tarde recordará a
         tre. Há quem avance com a hipótese do seu  Estevão da Gama - nascida depois do  D. Luís esses tempos áureos, nos campos
         nascimento ter ocorrido dois anos mais  Descobrimento do Brasil.      africanos,  passados na discussão de várias
         tarde(1502) (3), com base numa carta que o  No ano de 1535, D. João, participa numa  matérias de interesse comum: “(...) apareçendo
         navegador enviou a D. João III por volta de  poderosa armada comandada por António  eu em sua Real tenda, inda com muita parte
         1539, dizendo que estava ao seu serviço havia  Saldanha  – patrocinada pelo Imperador  de suas victoriosas armas uestidas, me não
         vinte anos, tendo-se iniciado nas lides guer-  Carlos V - que engrossa no Mediterrâneo  praticasse qualquer proposição de cosmo-
         reiras com dezoito anos. Nessa mesma carta  com forças espanholas, para dar caça a  grafia, no que se mostraua sua alta e benina
         confessava que seis vezes pas-                                                   condição (...)” (5).
         sara a África, que assim sendo                                                      O Império Turco, principal
         seriam os anos de 1520 e 21,                                                     instigador do corsário “Barbar-
         1522 e 23, 1524 e 25, 1526 e                                                     roxa”, em processo de expan-
         27, 1536 e por fim 1538.                                                         são tanto para Ocidente,
           Filho segundo de Álvaro de                                                     como para em Oriente em
         Castro, vedor da fazenda de                                                      direcção às águas do Índico,
         D. Manuel e D.João III, era sua                                                  esteve presente na maioria dos
         mãe D. Leonor de Noronha.                                                        combates em que D. João de
         D. João pertencia à alta no-                                                     Castro tomou parte. Logo em
         breza portuguesa que alimen-                                                     1539, quando pisa pela
         tava, em meados do século                                                        primeira vez solo indiano
         XVI, a camada superior do                                                        depara com um cerco a Diu,
         aparelho militar e administra-                                                   feito pelas tropas turcas
         tivo do Estado; empenhando-                                                      comandadas por Soleimão
         -se na defesa de um vasto                                                        Paxá; em 1541 participa numa
         império comercial e marítimo,                                                    armada, capitaneada por
         acente em fortalezas, feitorias,                                                 D.Cristovão da Gama, que
         possessões territoriais e domí-                                                  assola as costas do Mar Ver-
         nios estratégicos espalhados  A Índia no tempo de D. João de Castro.             melho em busca da frota de
         um pouco por todo o Mundo                                                        galés turcas; quando regressa
         conhecido. É precisamente no seio deste com-  Kheir-ed-Din, mais conhecido por “Barbar-  da Índia(1542) é nomeado capitão-mor da
         plexo espaço político-económico, de dimen-  roxa”. Líder de um grupo armado, apoiado  Armada de Guarda-Costa, com a tarefa de sal-
         são planetária, que D. João de Castro sobres-  pelos turcos, este corsário semeava o caos nas  vaguardar as praças marroquinas da investida
         sairá pelas suas qualidades de cientista, pelos  costas do Mediterrâneo, destruindo, matando,  turca; em 1546, já no seu consulado como
         seus dotes de comandante militar e pelos car-  estorvando as rotas marítimas, ao mesmo  13º Governador da Índia, trava uma luta herói-
         gos administrativos que exerce.    tempo que desafiava o poder militar e a segu-  ca contra uma força onde predominavam tur-
                                            rança dos reinos e impérios da Europa  cos, que, novamente, cercava a cidade de Diu.
         OS GRANDES FEITOS DE ARMAS         Ocidental.                            Após dura batalha, na qual perdeu um dos
                                                                                          seus filhos (D. Fernando),
           Moço fidalgo de D. Ma-                                                         com uma superioridade técni-
         nuel, abandona o paço real                                                       ca indiscutível, mas frente a
         com dezóito anos, sensivel-                                                      um inimigo em maior nú-
         mente, para se iniciar na arte                                                   mero, acaba por sair vence-
         da guerra em Tânger. Nesse                                                       dor. Conseguia assim preser-
         palco militar permanecerá                                                        var a estratégica fortaleza de
         cerca de nove anos, acabando                                                     Diu à entrada do Golfo de
         por ser armado cavaleiro                                                         Cambaia, e todo o seu ren-
         pelo governador da cidade,                                                       doso comércio.
         D. Duarte de Meneses. Quan-                                                         Tentando reconstruir as
         do regressa a Portugal, por                                                      defesas portuguesas na costa
         volta de 1527, encontra outro                                                    ocidental indiana, com graves
         rei no trono, um jovem da sua                                                    problemas económicos por
         idade, amigo de infância,                                                        resolver no seu governo, faz
         companheiro de juventude –                                                       um pedido de empréstimo à
         D. João III.                                                                     Câmara de Goa; diz a lenda
           “El-Rei mandou logo cha-                                                       que ofereceu como penhora
         mar D. João por uma carta tão                                                    alguns pelos da sua barba.
         honrada, como se lhe não  A região de Goa no tempo de D. João de Castro.            ”Era o governador homem
         quisera fazer outra mercê,                                                       muito magro e comia muito
         com a qual D. João veio à Côrte, onde foi  A expedição, que terminou com a tomada  pouco e muito tarde e muito menos dormia.
         invejado pelas feridas como pelos favores” (4).  de Tunes em 21 de Julho de 1535,  foi impor-  Era grande sofredor de trabalho do espírito e
         Recebe nesse momento sublime comendas,  tante para D. João de Castro. Além de coman-  do corpo, tanto que averiguadamente eles lhe
         honrarias, sendo em seguida recomendado  dar uma caravela, e de ser um dos principais  gastaram substância da natureza e o mata-
         para vários cargos que se desconhecem em  conselheiros do capitão-mor da armada por-  ram” (6). Esgotando a sua saúde no governo
         concreto. As novas funções e benesses, que o  tuguesa, estreitou os seus laços de amizade  da «Índia», pela forma empenhada com que
         jovem Castro passava a auferir, testemunham  com o Infante D. Luís, irmão de D. João III, e  tentou resolver os problemas que cresciam, a
         não só a sua ascensão social, como também  viu o seu papel, na armada, devidamente  olhos vistos, de intensidade e complexidade,
         permitem compreender de que forma o novo  reconhecido, pois o Imperador Carlos V dis-  defendeu com  mão de ferro os interesses por-
         monarca eleva aos mais altos cargos e funções  pôs-se a armá-lo cavaleiro e gratificá-lo com  tugueses  nos portos do Sultanato do Guzarate,
         a sua geração, de moços fidalgos, - entre eles  2000 cruzados, oferendas que o navegador  devastando sem dó nem piedade vários locais
                                                                                      REVISTA DA ARMADA • MARÇO 2003  19
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