Page 92 - Revista da Armada
P. 92
D. João de Castro, Navegador e Cientista
D. João de Castro, Navegador e Cientista
Uma comemoração que ficou por fazer
ciclo de comemorações, que agora se uma biografia actualizada, arquitectada em Quinhentista do Segundo Cerco de Diu,
encerra, sobre os Descobrimentos moldes científicos, do grande navegador e redigida por Leonardo Nunes; ou ainda a Vida
OPortugueses, constou dum vasto pro- cientista, modelo perfeito de homem re- de D. João de Castro, IV Vizo-Rei da Índia, de
grama de edições, de exposições, de congres- nascentista. A Marinha, através de alguns dos Jacinto Freire de Andrada, escrita em meados
sos e encontros científicos, merecendo tais ini- seus oficiais, tem uma longa tradição, com do Século XVII.
ciativas um aplauso unânime. No entanto, de carácter pioneiro, no estudo da vida e da obra D. João de Castro era um elemento da mais
entre as figuras históricas que deveriam ter sido de D. João de Castro. Brilham com grande alta nobreza, com uma habilidade fora do
alvo de atenção especial, destaca-se pelo intensidade os trabalhos eruditos do comum para o tratamento e estudo das
esquecimento a que foi votada: matérias navais. Dominava bem
D.João de Castro. (1) Se é certo o raciocínio matemático e gozava
que existe alguma discussão de um sentido prático pouco vul-
quanto à data do nascimento gar, no seio do grupo social onde
deste exímio navegador, não é se integrava. No tempo em que
menos verdade que é possível viveu, as exigências técnicas cres-
inferir com um certo grau de ciam, sobretudo para um império
certeza o período em que poderá ultramarino que desejava domi-
ter nascido. nar as fontes de abastecimento e
Damião de Góis, Pedro Nunes distribuição das especiarias orien-
ou o rei D. João de III, entre ou- tais na Europa Ocidental. O
tros vultos insignes foram alvo de pequeno reino de Portugal cen-
atenção especial, e D. João de tralizava em Lisboa todas as estru-
Castro? De facto, passou desper- turas, políticas e económicas, que
cebido um dos maiores génios controlavam o comércio a longa
das navegações portuguesas, o distância, procurando a todo o
que não deixa de ser uma lacuna custo o desenvolvimento tecno-
no ambiente comemorativo que lógico, com o qual esperava ali-
se viveu ao longo de uma década cerçar o seu poder naval e militar.
inteira. A formação da maior parte dos
Para o Professor Vitorino Ma- saberes que circulavam junto dos
galhães Godinho, os aniversários grupos sociais com interesse no
e centenários só podem ser úteis comércio, na administração e na
se constituírem ensejo para estu- navegação, estavam estreitamente
dar problemas, meditar direc- ligados ao mar; é o mar que está
trizes, criticar certezas dogmá- na origem da inovação técnica e
ticas; caso contrário, mumificam da mudança mental na altura ve-
os vivos, sem ressuscitar os mor- rificada, pelas novidades que pro-
tos. Em relação a D.João de porciona, pelas matérias que
Castro desperdiçou-se uma exce- fornece para reflexão, pelo tipo
lente ocasião para reeditar as suas de ensino que exige. É precisa-
obras completas, há muito esgo- mente ao longo do século XVI
tadas, num formato mais fácil de que vultos como Pedro Nunes,
manejar, logo mais acessível; teria João de Barros, Damião de Góis,
sido, igualmente, uma boa inicia- D. João de Castro – Livro de Lisuarte de Abreu. Garcia de Orta, Fernão de
tiva percorrer os locais onde este Oliveira e D. João de Castro se
ilustre humanista português fez as suas expe- Comandante Fontoura da Costa e os estudos debruçam sobre os problemas mais prementes
riências, e com esse propósito reproduzir os do Almirante Teixeira da Mota, hoje em dia que preocupam o meio náutico português.
seus estudos e divulgá-los internacionalmente, peças incontornáveis para qualquer estudioso Quer seja a construção naval, a geografia físi-
afinal D. João de Castro é uma das figuras, dos daquela figura. ca, a farmacopeia ultramarina, a marinharia
Descobrimentos Portugueses, que mais tem As fontes que dispomos para abordar a vida ou a gestão dos espaços de além-mar.
gerado interesse no estrangeiro. Poderia ainda de Castro, além das citadas obras - nomeada-
ter havido um conjunto de incentivos ao estu- mente os célebres roteiros e a inúmera cor- OS PRIMEIROS TEMPOS
do da sua vida e obra, com o intuito de se respondência -, provêm essencialmente de
perceber um dos percursos mais brilhantes do cronistas, que se preocuparam em realçar os Cientista notável, soldado aguerrido, sábio
Renascimento Português. seus feitos militares no Oriente, produzindo navegador, décimo terceiro Governador da
É necessário lembrar que o tratamento críti- assim textos de feição apologética, não se Índia e seu quarto Vice–Rei, D. João de Castro
co exaustivo e a publicação das obras comple- coibindo de distorcer a realidade e até falsi- é um dos vultos mais brilhantes do
tas de D. João de Castro (2), foram efectuados ficar testemunhos. Encontram-se nestas «Humanismo Renascentista» português, pro-
entre os fins da década de 60 e o princípio dos circunstâncias, A Crónica dos Valorosos e duto de uma geração de ouro da cultura por-
anos 80 do século XX. Porém, essa massa Insignes Feitos no Governo da Índia do Vizo- tuguesa.
densa de documentos ainda não foi alvo de -Rei D. João de Castro, da autoria de um neto Supõe-se que D. João de Castro nasceu em
um estudo abrangente. Nem sequer existe seu, D. Fernando de Castro; a Crónica Lisboa no ano de 1500, a 27 de Fevereiro,
18 MARÇO 2003 • REVISTA DA ARMADA