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Operação “PRESTIGE”
                 Operação “PRESTIGE”




                                            Questões Jurídicas
                                            Questões Jurídicas



                caso “PRESTIGE” envolveu um  navio) e num tipo penal concernente a  Especificamente, no caso do armador,
                quadro complexo de preocu-  crime ecológico. Não se tem conheci-  terá alguma importância a forma como
         O pações e intervenções, das quais  mento de dados jurídicos mais concretos  lhe foi indiciada a saída de águas territo-
         já foram apreciadas, em número anteri-  em relação a esta questão.    riais espanholas e a questão relativa à
         or, as questões relativas à actuação do  5. Terá sido nesta fase que a SMIT  sociedade classificadora, elementos que
         CN, do IH, e às acções mais relevantes  TAK – uma empresa de nível interna-  têm o seu peso ponderado em termos de
         no âmbito da DGAM. Subsistem as pro-  cional altamente especializada em mis-  responsabilidade do armador (e do
         blemáticas jurídicas, que abraçaram  sões de salvamento (salvage) de navios -  capitão).
         todo o evoluir da situação. É delas que  interveio, eventualmente tendo subscrito  2. Complementarmente, haveria que
         se tratará no presente comentário.  com o armador uma cláusula contratual  analisar qual o envolvimento dos Estados
                                            que implicava um procedimento jurídi-  onde se situam o porto de origem do navio
         OS FACTOS E AS LINHAS DE           co de tipo no cure no pay, assumindo,  – Letónia - e mesmo o de destino. Sendo
         ACTUAÇÃO                           então, a missão de salvamento da   algum deles Estado integrante da União
                                            plataforma.                        Europeia, encontra-se este obrigado ao
           – Apurando, apenas, os elementos que  6. O “PRESTIGE” é um navio mono-  esquema jurídico e técnico das inspecções
         poderão contribuir para uma análise da  casco, sabendo-se que a obrigatoriedade  do PORT STATE CONTROL (Controlo de
         questão sub judice, dir-se-á:      de utilização de casco duplo, já definida  Navios pelo Estado do Porto), estabelecido
                                            em termos comunitários, só entrará em  a nível comunitário, entre outras, pela
           1. Ao que se sabe, o navio terá tido os  vigor daqui a alguns anos, devendo os  Directiva nº 95/217CE, do Conselho, de
         primeiros sintomas de avaria – já estaria  navios de casco simples ser retirados da  19JUN, e Directiva nº 96/40/CE, da
         adornado e já com início de derrame -,  navegação em 2015, matéria que, como  Comissão, de 25JUN. Neste aspecto, a
         a poucas milhas (4,5) da costa da  é sabido, reassumiu importância acresci-  questão que se coloca é se o navio era
         Galiza, existindo informações, não con-  da e que será, eventualmente, objecto  substandard, isto é, se não cumpria os nor-
         firmadas, que ainda teria sido possível  de alteração, designadamente no sentido  mativos internacionais estabelecidos, fun-
         encontrar uma solução de abrigo para o  - já publicamente defendido por alguns  damentalmente, pelas convenções da
         petroleiro a fim de executar operações  países - da antecipação daquele prazo-  International Maritime Organization
         de trasfega, uma vez que na área exis-  -limite.                      (IMO), na sua essência a SOLAS e a
         tem águas profundas que o permitiriam.  7. Existem informações, algo dispares,  MARPOL 73/78. A título de complemen-
         O Estado espanhol, visivelmente, enca-  as quais revelam que o navio foi objecto  to, refira-se que tal regime se encontra em
         rou tal possibilidade de outra forma.  de reparações recentes, bem como exis-  vigor para Portugal desde a entrada em
           2. Quando o derrame assumiu pro-  tem elementos que nos apontam para  vigor do Decreto-lei nº 195/98, de 10JUL.
         porções maiores, as autoridades de  que a última inspecção terá ocorrido, em  3. Neste entrosamento, aliás, os proce-
         Espanha terão ordenado a saída do  St. Petersburgo, em Outubro de 2002.  dimentos adoptados pelos Estados do
         navio – versão não confirmada, embora  8. A bandeira com que o navio nave-  porto podem, inclusivé, implicar a
         existam indicações que foram publici-  gava - BAHAMAS -, é, usualmente, consi-  detenção do navio, obrigando-o às
         tadas, no sentido de ao navio ter sido  derada como bandeira de conveniência,  reparações tidas como tecnicamente ade-
         indicada uma rota para Sul - para fora  isto é, uma bandeira que assume requisi-  quadas e necessárias a uma navegação
         das proximidades da costa espanhola  tos e condições ao nível técnico e inspec-  segura. É nesta vertente que assumirá
         (uma vez que lhe recusaram a entrada  tivo com graus de exigência diferenciados  alguma preponderância a questão da
         em porto espanhol), não lhe determinan-  em relação a registos convencionais.  reparação efectuada, e bem assim as
         do, ao que se sabe, uma rota de nave-                                 inspecções realizadas.
         gação precisa.                       – Atenta a exiguidade do espaço dis-  4. Não é despiciendo considerar,
           3. Relativamente ao quadro de ilícitos,  ponível para se aferir uma questão de  especulando sobre os dados conhecidos,
         sublinha-se, desde logo, o facto algo  enorme envolvente jurídica como a pre-  que a actuação do Estado espanhol
         notório da condição estrutural do navio  sente, sistematizam-se, da seguinte  poderia ter assumido uma outra configu-
         (pela idade e pela situação de manu-  forma, os pólos principais da apreciação  ração, tendo que se efectuar, contudo,
         tenção em que este se encontrava) ser  quanto à responsabilidade:     desde logo, uma análise de propor-
         de alguma precariedade, o que fará                                    cionalidade: se, por um lado, uma área
         pressupor responsabilidade do armador  1. Avaliando os elementos de facto  bastante abrangente das costas da Galiza
         (e, eventualmente, do próprio capitão).  supra descritos, entre outros, tem que ser  é detentora de uma classificação em ter-
           4. O navio ficou sem a sua tripulação  aferida, desde logo a questão da respon-  mos ambientais (zona ambiental protegi-
         (supostamente também devido a razões  sabilidade. Esta será, sempre, por princí-  da, ou equivalente - Rede Natura), a
         de segurança, e por operação SAR),  pio, atribuível ao proprietário/armador (no  apreciação que se fez da ameaça teria,
         tendo o capitão sido posteriormente  caso de nacionalidade grega), e, eventual-  sempre, que ter tido em conta os perigos
         detido pelas autoridades espanholas.  mente, ao Estado de bandeira (Flag State),  de ocorrência de danos bastante mais
         Presumivelmente, terá sido efectuada  confirmada que pudesse ser a imputação  vultuosos, uma vez que a determinação
         incriminação do foro penal com base  de algum comportamento emergente rela-  para o navio se afastar da costa, nas
         em desobediência (por recusa de cola-  tivamente às suas obrigações de Flag State  condições em que este se encontrava
         boração na passagem de cabos ao    (FS), designadamente de cariz negligente.  equivaleria, no limite, a indiciar o seu
                                                                                      REVISTA DA ARMADA • MARÇO 2003  25
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