Page 137 - Revista da Armada
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No dia seguinte, reiniciou-se a viagem rumo   Aos primeiros alvores, começaram as em-  ou a atracá-los nas alhetas para esgotar a água
         Sudoeste conservando-se as boas condições de  barcações a aproximar-se da popa do “Schultz”  com bombas eléctricas. O “S. Gabriel” deu
         mar e vento com excepção do dia 10 de Abril,  para receberem os respectivos sacos de alimen-  também a sua quota parte de ajuda. Aliás, era
         já nos 19º N e 18º W, com vento a subir para  tos e em alguns casos, a passagem de alguma  naquele petroleiro que se encontrava embarca-
         força 4 e mar encrespado, mantendo-se as po-  água e combustível. Era uma rotina que se iria  do um médico, a quem se recorria normalmen-
         sições relativas, que foram alteradas na manhã  manter durante os dias seguintes até ao próxi-  te, por via rádio, para o apoio nesta área. Inclu-
         de 12 de Abril, passando o “Schultz” para uma  mo porto. Cada embarcação que chegava sau-  sivamente, chegaram a efectuar-se transferência
         posição 8/10 milhas pelo través de bombordo  dava-nos vivamente, provocando momentos  de pessoas para tratamentos a bordo.
         do “S. Gabriel”.                   inesquecíveis em que ficou bem patente os vín-  O período mais critico ocorreu, sem dúvida,
           Finalmente, a meio do dia 14 de Abril, o  culos que existem entre os homens do mar.   entre 25 e 28 de Abril. As péssimas condições
         conjunto de embarcações de pesca e o rebo-  O fornecimento de combustível e água e a li-  climatéricas motivaram inúmeros problemas e
         cador “Bengo” encontravam-se à vista da força  mitada capacidade do “Schultz”, obrigou a que  avarias nas embarcações, as quais aliadas ao
         naval numa posição 01º N e 07º W, a cerca de  logo na manhã de 18 de Abril se preparasse o re-  cansaço das tripulações, contribuiu  para a
         pouco mais de meia centena de milhas a Sul  abastecimento à popa do “S. Gabriel”, o qual foi  ocorrência de situações de grande dramatismo.
         do Cabo Palmar na fronteira da Libéria com a  feito a cerca de dez metros através de um cabo  A 25, afundou-se uma embarcação devido ao
         Costa do Marfim. Das 37 embarcações saídas  duplo de reboque e depois passadas as manguei-  casco ter cedido e entrado água de forma impa-
         de Walvis Bay, duas delas perderam-se devido  ras de água e combustível, e simultaneamente a  rável, salvando-se todo o pessoal. Perderam-se
         não só às condições meteorológicas adversas  partir da tolda do “Schultz” eram abastecidas de  de vista algumas embarcações que mais tarde,
         como  também ao mau estado do respectivo  água e combustível todas as embarcações suces-  a 29, voltaram a integrar o grupo nas proximi-
         casco, sem no entanto  se registaram perdas de  sivamente, uma por cada bordo, além da entrega  dades das ilhas Canárias que foram avistadas a
         vidas humanas. Com exclusão do rebocador  por mão dos sacos com alimentos. Foi todo o dia  30, já com as condições de tempo a melhorar,
         com o casco em aço, todas as embarcações de  preenchido com esta faina, que foi repetida  no  o que permitiu retomar a navegação para Nor-
         pesca tinham casco em madeira e com dimen-  dia seguinte e a 26 de Abril.  te de forma menos atribulada.
         sões muito variadas, desde a simples traineira   Uma grande parte das embarcações não ti-  Após contornar o arquipélago canarinho
         idêntica às da nossa costa com 15/20 metros de  nham sido construídas para uma navegação  por Oeste desde a noite de 30 de Abril  a 2 de
         comprimento e 20/25 toneladas de arqueação  tão prolongada pelo que também tornou-se  Maio, navegou-se lentamente (5nós) aproados
         em maior número algumas (3/4) de maiores di-  necessário  fornecer apoio na reparação de  à ilha da Madeira, tendo-se atracado na manhã
         mensões - 30 metros e 30/35 toneladas - e vá-  avarias, resolvendo problemas de diversa or-  de 4 de Maio, no porto do Funchal. Seguiu-se
         rias, mais pequenas (10/12) com 8/10 metros  dem nos motores e auxiliares.   um período de recuperação das embarcações,
         com cerca de 15 toneladas.           O “Schultz” frequentemente rebocou em  recompletamento de mantimentos e enfim um
           Todas as embarcações estavam equipadas  duas linhas por cada alheta de 3, 4, 5 e até 7  merecido descanso.
         com rádio, pelo que se usava este meio para  embarcações enquanto se procedia às repara-  Na noite do dia 8 de Maio voltou-se ao mar
         comunicar, utilizando o respectivo nome de  ções que as possibilitassem voltarem a nave-  para a última etapa do regresso. Esta travessia
         baptismo para a sua chamada/controlo. Por  gar pelos próprios meios. O próprio “Bengo”  foi muito mais calma, mantendo-se contudo, o
         várias vezes outras embarcações serviram de  também ajudava ao reboque de algumas, as-  apoio às embarcações, agora em menor núme-
         “relé” nas comunicações via rádio. Durante a  sim como os pesqueiros com maiores capaci-  ro, pois uma dezena ficou na Madeira já que os
         noite, em particular, se fosse necessário algum  dades e a partir de 24 de Abril o próprio “S.  atuneiros seguiriam depois para os Açores.
         apoio e não fosse viável utilizar o rádio, recor-  Gabriel” passara também a fazer reboques. A    Finalmente, na tarde de 11 de Maio, deram
         ria-se ao uso de “very-lights”, luzes e até de api-  faina de passar e largar reboque durante as 24  entrada no porto de Portimão as embarcações
         tos sonoros. Também  a bordo do “Schultz ” se  horas de cada dia, era constante.  de pesca, (agora no total de 24) que foram rece-
         utilizava o radar, particularmente à noite, para   O “Schultz ” tinha efectuado no Natal de  bidas com grande entusiasmo. O “Schultz” e o
         durante os quartos se contarem os ecos e fa-  1974 uma missão de reboque de várias lan-  “S. Gabriel” ficaram fundeados frente à Praia da
         zendo a respectiva chamada por rádio no caso  chas de fiscalização da Classe “Argos” para  Rocha tendo levantado ferro no início da noite
         de alguma se começar a atrasar relativamente  Angola pelo que estávamos equipados com  na companhia do rebocador “Bengo” e entra-
         ao “combóio”. Tínhamos sempre identificados  bons cabos de reboque flutuantes, que foram  do sem mais novidade em Lisboa na manhã se-
         uma/duas traineiras maiores, com maior ca-  extensamente utilizados e até cedidos por em-  guinte , terminando assim uma missão que fica-
         pacidade e sem estarem a fazer reboque, que  préstimo a outros para permitir rebocar várias  rá indissoluvelmente marcada na memória dos
         chamávamos, para ir verificar qualquer pro-  embarcações. Até os cabos de amarração ser-  que nela tiveram o privilégio de participar. Com
         blema que existisse relativamente a outra em-  viam para ligar as embarcações umas com as  um total de 37 dias de duração, dos quais 25
         barcação. A colaboração entre todos foi uma  outras para se rebocarem.  seguidos de mar percorreram-se mais de 7.100
         constante em toda  a viagem.         Com tantos cabos de reboque na água e  milhas e navegou-se mais de 744 horas.
           O encontro foi saudado com inúmeros api-  alguns a partirem, no dia 26, de manhã, o   Alguns jornais da época noticiaram esta
         tos e manifestações de alegria que não se pro-  “Schultz” ficou com um cabo enrolado no  “epopeia”, inclusivamente a RTP chegou a
         longaram pois, tornava-se necessário encetar a  veio da hélice de BB o que obrigou a parar, já  produzir e a transmitir um programa a ele de-
         busca de três embarcações mais atrasadas que  em condições de mar pouco favoráveis, cortar  dicado, já que uma equipa daquela estação,
         posteriormente se juntaram ao grupo, facto que  e safar o cabo com o apoio de mergulhadores e  embarcou no “Schultz” da Madeira para o Con-
         obrigou a navegar para Sul do Equador algu-  retomando a navegação durante a tarde.  tinente. Não foram notadas reacções por parte
         mas dezenas de milhas.               Toda esta rotina diária de apoio e abasteci-  do governo à época já que esta missão não era
           Os dias que se seguiram foram ocupados  mento se manteve, continuando a navegação  apoiada pelas forças políticas.
         com acções de apoio material e psicológico  para Norte a velocidades baixas por vezes a   De uma maneira geral, todas as embarca-
         às pessoas embarcadas.             2/3 nós outras 6/7 nós, com boas condições  ções de pesca acabaram por se integrar na nos-
           Logo na primeira noite, a bordo do  de tempo. Apenas com a subida de latitude as  sa frota de pesca disseminadas pelos diversos
         “Schultz”, iniciou-se a preparação a partir de  condições de tempo e mar pioraram e a partir  portos e até uma delas veio a  rebatizar-se com
         grandes bidões e sacas, de embalagens dos di-  da noite de 24 para 25 de Abril as dificulda-  o nome do Comandante do “Schultz Xavier”-
         versos alimentos, sólidos e líquidos, a distribuir,  des aumentaram.  CMT. Roncon.
         trabalho de muita paciência, pois tinha de se   Passou a ser necessário tranferir bombas de           Z
         ter em conta o número de pessoas em cada  esgoto para os pesqueiros que estavam a meter   J. M. Vaz Ferreira
         embarcação e as suas necessidades específi-  água e a ida frequente do pessoal de Máquinas           CMG
         cas, casos de mulheres e crianças.   e Electricistas do navio para resolver  problemas   (ex - oficial imediato do NRP “Schultz Xavier”)
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