Page 136 - Revista da Armada
P. 136
ESTÓRIAS – 5
REGRESSO DE ÁFRICA
REGRESSO DE ÁFRICA
Uma Missão Humanitária
o seio da Comunidade Portuguesa concentração em Walvis Bay de onde vinham próximo. Recorde-se, que o regresso não de-
o ano de 1975 foi determinante, em sucessivos apelos, solicitando apoio para o re- veria ser efectuado junto à costa africana, pois
Ngrande medida, pela independência gresso a Portugal. Eram centenas de portugue- poderiam ser interceptados logo na vizinha cos-
das então províncias ultramarinas, em especial ses e alguns angolanos nelas embarcados, sem ta angolana, pelo que, ao sair do porto, teriam
Angola e Moçambique. Lamentavelmente, de- qualquer capacidade para se poderem lançar de rumar algumas centenas de milhas a Oeste,
vido à emergência de uma para o mar alto e só depois
grande instabilidade social e navegar para o Norte.
política, estas independên- O Governo designou o
cias estiveram na origem antigo navio de apoio à fro-
das guerras civis que de- ta bacalhoeira, “Gil Eanes”
flagraram naqueles novos para ir ao encontro deste
países. Assim, grande parte “Comboio Naval” e dar-lhe
dos portugueses e seus fami- a ajuda necessária no mar.
liares, incluindo os naturais, Contudo, as diversas e su-
que inicialmente pensavam cessivas reivindicações da
ali continuar, procuraram tripulação daquele navio
por todas as formas escapar e a oposição de algumas
aos conflitos. forças políticas portugue-
Parte da comunidade sas impossibilitaram a sua
piscatória local, utilizou utilização. Assim, mais uma
na sua fuga a própria ferra- vez a Marinha foi chamada
menta de trabalho e meio para resolver a situação.
de sobrevivência – os bar- Foi então formada uma
cos de pesca, formando pequena força naval cons-
guarnições onde incluíam tituída pelo NRP “S. Ga-
as famílias e em, alguns ca- briel”, que embarcava o
sos, mulheres com crianças CTG e pelo NRP “Schultz
de muito tenra idade. Xavier”. O “S. Gabriel” iria
Ao longo de vários me- apoiar em combustível e
ses e de forma encapotada, água o “Schultz”, já que
conseguiram reunir abas- este não tinha capacidade
tecimentos e combustível suficiente para efectuar o
que lhes permitiu alcançar reabastecimento da frota
um porto próximo e segu- nas centenas de milhas de
ro. De uma forma não or- navegação até á Europa.
ganizada, acabaram por Tendo o “Schultz ” saído
convergir para Walvis Bay, do Arsenal do Alfeite em 22
porto do então Sudoeste de Março de 1976 e após
Africano, vizinho de An- proceder-se à sua prepara-
gola, algumas dezenas de ção para navegar, a 03ABR,
embarcações de pesca de ao fim da manhã, foi amar-
todos os tipos e dimensões, rar pelo lado de fora ao “Gil
e ainda um rebocador rela- Eanes” atracado no cais do
tivamente novo de nome Jardim do Tabaco.
“Bengo”. Na maior parte, Seguiram-se dois dias
as embarcações eram provenientes de Porto na aventura de regresso a Portugal com meios de árduo trabalho para efectuar o transbordo
Alexandre e Moçamedes, conhecidos portos tão reduzidos. A Marinha, que também estava de todos os mantimentos, previamente em-
pesqueiros ao Sul de Angola. A notícia espa- atenta à situação, no início do ano de 1976, barcados naquele navio, para os porões do
lhou-se por várias comunidades piscatórias - determinou a ida de um oficial, o CTEN Faria “Schultz”. Na tarde de 5 de Abril, entrou a
incluindo as de Moçambique, que com as suas Roncon, à época Comandante do NRP “Schultz bordo o Comandante vindo directamente do
embarcações tiveram de navegar contornando Xavier”, para auxiliar todas aquelas gentes a to- aeroporto de regresso do voo de África onde
toda a costa da África do Sul, e enfrentando marem as medidas necessárias, e a organiza- deu partida para o Norte ao grupo de embar-
situações de elevado risco, afim de aportar a rem-se por forma a concretizar os seus anseios. cações com o “Bengo” e ao fim do dia foi de-
Walvis Bay a tempo de se juntarem ás restan- Uma das medidas foi contratar um piloto sul- mandando a saída da barra do Tejo e a navegar
tes já lá refugiadas. -africano para que, embarcado no rebocador 1000jj na popa do “S. Gabriel” sem notorieda-
Desde o final daquele ano de 1975, que “Bengo”, embarcação com melhores capaci- de durante os dias seguintes, com mar calmo,
o Governo Português vinha acompanhando dades, funcionasse como núcleo central para tendo chegado ao porto de Santa Cruz de Te-
o desenvolvimento do que ocorria naqueles dirigir a navegação de todo o grupo de embar- nerife a 7 de Abril onde atracamos de “braço
novos países e rapidamente se deu conta da cações e simultaneamente prestar-lhes apoio dado” no molhe Leste.
26 ABRIL 2004 U REVISTA DA ARMADA