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ESTÓRIAS – 5




                          REGRESSO DE ÁFRICA
                          REGRESSO DE ÁFRICA

                                     Uma Missão Humanitária


               o seio da Comunidade Portuguesa  concentração em Walvis Bay  de onde vinham  próximo. Recorde-se, que o regresso não de-
               o ano de 1975 foi determinante, em  sucessivos apelos, solicitando apoio para o re-  veria ser efectuado junto à costa africana, pois
         Ngrande medida, pela independência  gresso a Portugal. Eram centenas de portugue-  poderiam ser interceptados logo na vizinha cos-
         das então províncias ultramarinas, em especial  ses e alguns angolanos nelas embarcados, sem  ta angolana, pelo que, ao sair do porto, teriam
         Angola e Moçambique. Lamentavelmente, de-  qualquer capacidade para se poderem lançar  de rumar algumas centenas de milhas a Oeste,
         vido à emergência de uma                                                            para o mar alto e só depois
         grande instabilidade social e                                                       navegar para o Norte.
         política, estas independên-                                                          O Governo designou o
         cias estiveram na origem                                                            antigo navio de apoio à fro-
         das guerras civis que de-                                                           ta bacalhoeira, “Gil Eanes”
         flagraram naqueles novos                                                            para ir ao encontro deste
         países. Assim, grande parte                                                         “Comboio Naval” e dar-lhe
         dos portugueses e seus fami-                                                        a ajuda necessária no mar.
         liares, incluindo os naturais,                                                      Contudo, as diversas e su-
         que inicialmente pensavam                                                           cessivas reivindicações da
         ali continuar, procuraram                                                           tripulação daquele navio
         por todas as formas escapar                                                         e a oposição de algumas
         aos conflitos.                                                                       forças políticas  portugue-
           Parte da comunidade                                                               sas  impossibilitaram a sua
         piscatória local, utilizou                                                          utilização. Assim, mais uma
         na sua fuga a própria ferra-                                                        vez a Marinha foi chamada
         menta de trabalho e meio                                                            para resolver a situação.
         de sobrevivência – os bar-                                                           Foi então formada uma
         cos de pesca, formando                                                              pequena força naval cons-
         guarnições onde incluíam                                                            tituída pelo NRP “S. Ga-
         as famílias e em, alguns ca-                                                        briel”, que embarcava o
         sos, mulheres com crianças                                                          CTG e pelo NRP “Schultz
         de muito tenra idade.                                                               Xavier”. O “S. Gabriel” iria
           Ao longo de vários me-                                                            apoiar em combustível e
         ses e de forma encapotada,                                                          água o “Schultz”, já que
         conseguiram reunir  abas-                                                           este não tinha capacidade
         tecimentos e combustível                                                            suficiente para efectuar o
         que lhes permitiu alcançar                                                          reabastecimento da frota
         um porto próximo e segu-                                                            nas centenas de milhas de
         ro. De uma forma não or-                                                            navegação até á Europa.
         ganizada, acabaram por                                                               Tendo o “Schultz ” saído
         convergir para Walvis Bay,                                                          do Arsenal do Alfeite em 22
         porto do então Sudoeste                                                             de Março de 1976 e após
         Africano, vizinho de An-                                                            proceder-se à sua prepara-
         gola, algumas dezenas de                                                            ção para navegar, a 03ABR,
         embarcações  de pesca de                                                            ao fim da manhã, foi amar-
         todos os tipos e dimensões,                                                         rar pelo lado de fora ao “Gil
         e ainda um rebocador rela-                                                          Eanes” atracado no cais do
         tivamente novo de nome                                                              Jardim do Tabaco.
         “Bengo”. Na maior parte,                                                             Seguiram-se dois dias
         as embarcações eram provenientes de Porto  na aventura de regresso a Portugal com meios  de árduo trabalho para efectuar o transbordo
         Alexandre e Moçamedes, conhecidos portos  tão reduzidos. A Marinha, que também estava  de todos os mantimentos, previamente em-
         pesqueiros ao Sul de Angola. A notícia espa-  atenta à situação, no início do ano de 1976,  barcados naquele navio, para os porões do
         lhou-se por várias comunidades piscatórias -  determinou a ida de um oficial, o CTEN Faria  “Schultz”. Na tarde de 5 de Abril, entrou a
         incluindo as de Moçambique, que com as suas  Roncon, à época Comandante do NRP “Schultz  bordo o Comandante vindo directamente do
         embarcações tiveram de navegar contornando  Xavier”, para auxiliar todas aquelas gentes a to-  aeroporto de regresso do voo de África onde
         toda a costa da África do Sul, e enfrentando  marem as medidas necessárias, e a organiza-  deu partida para o Norte ao grupo de embar-
         situações de elevado risco, afim de aportar a  rem-se por forma a concretizar os seus anseios.  cações com o “Bengo” e ao fim do dia foi de-
         Walvis Bay a tempo de se juntarem ás restan-  Uma das medidas foi  contratar um piloto sul-  mandando a saída da barra do Tejo e a navegar
         tes já lá refugiadas.              -africano para que, embarcado no rebocador  1000jj na popa do “S. Gabriel”  sem notorieda-
           Desde o final daquele ano de 1975, que  “Bengo”, embarcação com melhores capaci-  de durante os dias seguintes, com mar calmo,
         o Governo Português vinha acompanhando  dades, funcionasse como núcleo central para  tendo chegado ao porto de Santa Cruz de Te-
         o desenvolvimento do que ocorria naqueles  dirigir a navegação de todo o grupo de embar-  nerife a 7 de Abril onde atracamos de “braço
         novos países e rapidamente se deu conta da  cações e simultaneamente prestar-lhes apoio  dado” no molhe Leste.

         26  ABRIL 2004 U REVISTA DA ARMADA
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