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Cidade Portuguesa de Mazagão
         Cidade Portuguesa de Mazagão



                         Património Mundial em 2004


         A                                  lo XIX), para Marrocos e, naturalmente, para  penhar-se pessoalmente –, uma figura im-
              velha vila de Mazagão, no Norte de  al Jadida (como hoje se chama a cidade que  – entendendo a guerra contra os mouros
              África, construída pelos portugueses  cresceu à vota da fortaleza, a partir do sécu-
                                                                               como uma cruzada em que pensava em-
              na primeira metade do Séc. XVI, foi de-
         clarada Património Mundial pela U.N.E.S.C.O.  Portugal, na medida em que a classificação  portante junto das populações da zona, de
         (United Nations Educational, Scientific and  recaiu sobre uma obra, essencialmente, por-  nome Celeme ben Omar, propôs aos portu-
         Cultural Organization), no corrente ano de  tuguesa. Os critérios considerados tiveram  gueses a feitura de uma fortaleza que ser-
         2004 e na sequência de um processo de ava-  em conta o facto de estar ali representado  visse de protecção ao comércio do trigo. Esta
         liação que decorria há cerca de três anos. Esta  um “excepcional exemplo do intercâmbio  fortaleza não viria a ser construída antes de
         classificação resulta de uma iniciativa das  de influências entre as culturas europeias e  1514, ocorrendo logo após a conquista de
         Nações Unidas que levou à aprovação de  a marroquina”, considerando que “a cidade  Azamor por D. Jaime, Duque de Bragança.
         uma Convenção para protecção de património  portuguesa fortificada de Mazagão é um dos  E, nessa altura, valeu o conselho do próprio
         cultural ou natural,                                                                     Duque que apon-
         que pela sua impor-                                                                      tou aquele local
         tância e pelo que re-                                                                    como sendo mais
         presenta para toda                                                                       favorável ao abri-
         a humanidade,                                                                            go das naus do
         pode ser classifica-                                                                      reino, e com mais
         do como patrimó-                                                                         condições para a
         nio mundial. Dessa                                                                       recolha de lenha e
         forma poderá bene-                                                                       água. Observan-
         ficiar de processos                                                                       do a situação nas
         de protecção pró-                                                                        cartas de hoje, ve-
         prios, que incluem                                                                       rificamos que em
         medidas de diversa                                                                       frente de Mazagão
         ordem e, por vezes,                                                                      existe um pequeno
         financiamentos que                                                                        porto, abrigado aos
         se justifiquem, no                                                                       temporais de SW e
         âmbito da preser-                                                                        com alguma pro-
         vação e divulgação                                                                       tecção ao tempo
         desses locais. O                                                                         dominante de N,
         que nos diz a Convenção é que “no respeito  primeiros exemplos da realização dos ideais  completado por dois molhes de construção
         absoluto pela soberania dos Estados sobre  do Renascimento integrados nas técnicas de  recente onde podem entrar pequenas em-
         o território onde está situado o património  construção portuguesas”.  barcações de recreio e navios de pequeno
         cultural ou natural [...] e sem prejuízo dos di-  Mazagão foi, durante mais de cem anos,  porte. Mas em Azamor não há nada: o rio
         reitos previstos pela legislação nacional sobre  a última e única possessão portuguesa no  Morbeia é muito estreito, tem pouco fundo
         o dito património, os Estados signatários da  Norte de África, e é interessante reviver o  (mesmo na maré favorável) e tem muitos
         convenção reconhecem que ele constitui um  que foi a sua história, verificando como ela  obstáculos que impedem um acesso normal;
         património universal para cuja protecção, a  se inseriu na política nacional desde os tem-  além disso a sua foz está exposta aos tem-
         comunidade internacional tem o dever de  pos áureos da expansão quinhentista até ao  porais e, sobretudo, do tempo dominante.
         cooperar”. Em Portugal existem diversos  realinhamento (ou reajustamento) Pós-Res-  Compreende-se, portanto, o que queria di-
         locais que constituem Património Mundial  tauração (1640). Mas, para isso, recuemos até  zer D. Jaime, bem como as razões porque
         e que beneficiam deste estatuto, merecendo  ao final do século XV e princípio do século  os portugueses ali ficaram por mais de dois
         um tratamento diferenciado em múltiplos  XVI, quando o nome de Mazagão surge pela  séculos, como veremos de seguida.
         aspectos de conservação e, sobretudo, com  primeira vez nos documentos portugueses.  Como já foi dito, D. Manuel ordenou a
         uma divulgação internacional privilegia-  A cidade muçulmana mais importante  construção de uma fortaleza em Mazagão,
         da. Neste caso específico, o ICOMOS (Inter-  daquela região é, sem dúvida, Azamor, na  no ano de 1514, deslocando, para o efeito
         national Council on Monuments and Sites)  margem esquerda do pequeno rio Umme  dois arquitectos de renome, como eram
         designou o local classificado – e que assim  Arrebia (que os portugueses chamavam de  Francisco e Diogo Arruda, que trabalharam
         ficará assinalado – por «Cidade Portuguesa  Morbeia), dominando a província de Du-  durante todo o Verão, a um ritmo impres-
         de Mazagão (El Jadida)», constituída pelo  quella, cuja produção cerealífera era notável  sionante. Estava-se na “era das fortalezas”
         local fortificado, que inclui o respectivo fos-  e podia suprir uma carência nacional endé-  ou – como lhe chamou António Dias Fari-
         so de protecção da muralha e as construções  mica. Nos tempos de D. João II (1481 -1495)  nha – na “fase imperialista” da política por-
         do seu interior, nomeadamente duas igrejas  – quando as relações com o Norte de África  tuguesa para o Norte de África. Uma fase
         cristãs, uma mesquita e uma sinagoga. Foi  tinham um pendão, essencialmente, pacífico  efémera, que corresponde a uma postura
         considerado que, apesar de um boa parte  – o comércio português chegou quase até ao  política e pessoal de D. Manuel, mas que
         das construções intra-muros já não terem as  Cabo Bojador e um dos locais que nos apa-  termina drasticamente com o “desastre de
         características das antigas construções portu-  rece referido é o de Mazagão, um pouco a  Mamora” em 1515: uma expedição coman-
         guesas, mantém-se a traça urbanística que a  sul de Azamor, e com condições portuárias  dada por D. António de Noronha, destinada
         UNESCO entende dever ser preservada. Esta  muito mais favoráveis. Em 1502, quando o  a ocupar a foz do rio Sebou para aí construir
         decisão tem uma importância extraordiná-  rei já estava determinado a levar a cabo uma  uma fortaleza, resulta na perda de cerca de
         ria para o núcleo histórico a preservar, para  política mais agressiva no Norte de África  100 navios e quase 4000 homens. A partir daí
                                                                                    REVISTA DA ARMADA U DEZEMBRO 2004  17
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