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a presença portuguesa em Marrocos entrará Em 1541 – debaixo de uma pressão militar sabemos é que em Maio desse ano, Diogo
numa decadência progressiva que D. João intensa, levada a cabo pelo homem que vi- de Torralva (genro de Francisco Arruda) foi
III tentará suster numa posição de equilí- ria a ser o sultão de Marrocos (Mohammed a Mazagão para estudar o local (não temos
brio entre um desejo realista de guardar a Shaykh), com a capital transferida de Fez notícia sobre os resultados desta observação)
entrada do Mediter- e em Julho chegaram
râneo e os sonhos de João de Castilho e João
conquista de seu pai. Ribeiro, encarregados
Deve dizer-se que a da obra, cujo desenho
postura assumida no tinha sido efectuado
tempo de D. Manuel e pelo arquitecto italiano
o desejo ambicioso de Benedetto da Ravenna
combater os mouros (ao serviço de D. João
tinha provocado uma III). Foi efectuada em
reacção muito perigo- redor do velho caste-
sa no Norte de África. lo de 1514, amplian-
Sobretudo nos territó- do consideravelmen-
rios do Sul levantou -se te o seu espaço, e com
um movimento de ca- uma configuração di-
riz religioso que, tam- ferente, considerada
bém, via no combate hoje como um dos pri-
aos portugueses um meiros exemplos da
destino inevitável im- realização das ideias
posto pelo dever reli- renascentistas na ar-
gioso da guerra san- quitectura, na técnica
ta. Ou seja, o jogo das de construção e nos
alianças – mais ou me- conceitos de guerra
nos musculadas – que A cidade de Mazagão – mapa da Casa da Ínsua. defensiva. A fortale-
ocorrera no tempo de za tem a forma de um
D. João II deixara de ser possível, e a pre- para Marraquexe – o rei de Portugal manda quadrilátero, em cujos vértices existem qua-
sença dos cristãos tornara-se num elemento concentrar esforços defensivos em Mazagão, tro baluartes. O pano exterior da muralha
aglutinador de paixões que teve efeitos na transferindo para lá as tropas que estavam tem cerca de 14 metros de altura foi cercado
política interna e na agressividade anti-lu- em Azamor, colocando uma esquadra em por um fosso, onde a água do mar entrava
sitana. Desalojar os invasores era e era retida na baixa-mar por um
um desígnio sagrado que trans- sistema de comportas. O acesso
formou a maioria das praças afri- aos territórios circunvizinhos era
canas em posições de rendimento feito através de uma porta com
comercial nulo, onde as guarni- ponte levadiça aberta no pano oes-
ções viviam encerradas num es- te, havendo uma abertura menos
paço exíguo, reabastecido apenas importante no pano norte, que aca-
pelo mar. Por meados do século bou por ser fechada em 1562, na
XVI, os portugueses tinham sido sequência de um cerco. Do lado
expulsos ou tinham retirado pa- do mar (leste) foi construída uma
cificamente de quase todos os lo- outra porta (porta do mar), que
cais onde se tinham estabelecido, dava acesso a um porto privado,
com excepção de Ceuta, Tânger e bem protegido por dois baluartes e
Mazagão. Deve dizer-se que Ceu- sem outro acesso exterior que não
ta tinha uma importância estraté- fosse o de embarcações. A mura-
gica óbvia no controlo do Estreito lha encerrava um conjunto urbano
de Gibraltar e no corso; Tânger era (que quase desapareceu depois do
complementar de Ceuta e envol- abandono em 1769) cuja área total
via uma atmosfera afectiva muito é um pouco maior que o actual Ter-
intensa, relacionada ainda com a reiro do Paço, e cujo traçado se su-
figura do Infante D. Henrique e a põe ser o que é comum na maioria
morte do Infante Santo; e de Ma- das vilas medievais portugueses,
zagão esperava-se, certamente, com um rua dominante e com pe-
um conjunto de benefícios que não quenas ruelas que com ela se cru-
me parecem muito claros, e onde zam num formato, mais ou me-
nenhum deles se pode considerar nos rectilíneo. Sabe-se ainda que,
como decisivo, entendendo eu que numa primeira fase, quase todas as
só no seu conjunto influenciaram casas eram térreas, pegadas umas
a decisão do rei. Aliás, todos eles com as outras, deixando pequenos
devem ser vistos em função das espaços interiores para quintais,
circunstâncias da política euro- todavia, o crescimento demográfi-
peia da época, com Carlos V a as- A Fortaleza de Mazagão. co fez com que algumas passassem
sumir-se como o grande guardião a dispor de um sobrado e mesmo
da cristandade – a combater os reformado- frente da cidade, e mandando fazer uma de açoteias, de onde se observava o mar e o
res na Europa e os Turcos no Mediterrâneo nova fortaleza, com melhores condições mi- campo circunvizinho. O abastecimento de
– e D. João III a não querer perder nenhum litares e com capacidade para albergar uma água era feito a partir de vários poços ex-
prestígio junto da Casa de Áustria. guarnição muito maior. Da obra em si, o que teriores, com uma canalização muito enge-
18 DEZEMBRO 2004 U REVISTA DA ARMADA