Page 380 - Revista da Armada
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a presença portuguesa em Marrocos entrará   Em 1541 – debaixo de uma pressão militar  sabemos é que em Maio desse ano, Diogo
         numa decadência progressiva que D. João  intensa, levada a cabo pelo homem que vi-  de Torralva (genro de Francisco Arruda) foi
         III tentará suster numa posição de equilí-  ria a ser o sultão de Marrocos (Mohammed  a Mazagão para estudar o local (não temos
         brio entre um desejo realista de guardar a  Shaykh), com a capital transferida de Fez  notícia sobre os resultados desta observação)
         entrada do Mediter-                                                                   e em Julho chegaram
         râneo e os sonhos de                                                                  João de Castilho e João
         conquista de seu pai.                                                                 Ribeiro, encarregados
         Deve dizer-se que a                                                                   da obra, cujo desenho
         postura assumida no                                                                   tinha sido efectuado
         tempo de D. Manuel e                                                                  pelo arquitecto italiano
         o desejo ambicioso de                                                                 Benedetto da Ravenna
         combater os mouros                                                                    (ao serviço de D. João
         tinha provocado uma                                                                   III). Foi efectuada em
         reacção muito perigo-                                                                 redor do velho caste-
         sa no Norte de África.                                                                lo de 1514, amplian-
         Sobretudo nos territó-                                                                do consideravelmen-
         rios do Sul levantou -se                                                              te o seu espaço, e com
         um movimento de ca-                                                                   uma configuração di-
         riz religioso que, tam-                                                               ferente, considerada
         bém, via no combate                                                                   hoje como um dos pri-
         aos portugueses um                                                                    meiros exemplos da
         destino inevitável im-                                                                realização das ideias
         posto pelo dever reli-                                                                renascentistas na ar-
         gioso da guerra san-                                                                  quitectura, na técnica
         ta. Ou seja, o jogo das                                                               de construção e nos
         alianças – mais ou me-                                                                conceitos de guerra
         nos musculadas – que   A cidade de Mazagão – mapa da Casa da Ínsua.                   defensiva. A fortale-
         ocorrera no tempo de                                                                  za tem a forma de um
         D. João II deixara de ser possível, e a pre-  para Marraquexe – o rei de Portugal manda  quadrilátero, em cujos vértices existem qua-
         sença dos cristãos tornara-se num elemento  concentrar esforços defensivos em Mazagão,  tro baluartes. O pano exterior da muralha
         aglutinador de paixões que teve efeitos na  transferindo para lá as tropas que estavam  tem cerca de 14 metros de altura foi cercado
         política interna e na agressividade anti-lu-  em Azamor, colocando uma esquadra em  por um fosso, onde a água do mar entrava
         sitana. Desalojar os invasores era                                           e era retida na baixa-mar por um
         um desígnio sagrado que trans-                                               sistema de comportas. O acesso
         formou a maioria das praças afri-                                            aos territórios circunvizinhos era
         canas em posições de rendimento                                              feito através de uma porta com
         comercial nulo, onde as guarni-                                              ponte levadiça aberta no pano oes-
         ções viviam encerradas num es-                                               te, havendo uma abertura menos
         paço exíguo, reabastecido apenas                                             importante no pano norte, que aca-
         pelo mar. Por meados do século                                               bou por ser fechada em 1562, na
         XVI, os portugueses tinham sido                                              sequência de um cerco. Do lado
         expulsos ou tinham retirado pa-                                              do mar (leste) foi construída uma
         cificamente de quase todos os lo-                                             outra porta (porta do mar), que
         cais onde se tinham estabelecido,                                            dava acesso a um porto privado,
         com excepção de Ceuta, Tânger e                                              bem protegido por dois baluartes e
         Mazagão. Deve dizer-se que Ceu-                                              sem outro acesso exterior que não
         ta tinha uma importância estraté-                                            fosse o de embarcações. A mura-
         gica óbvia no controlo do Estreito                                           lha encerrava um conjunto urbano
         de Gibraltar e no corso; Tânger era                                          (que quase desapareceu depois do
         complementar de Ceuta e envol-                                               abandono em 1769) cuja área total
         via uma atmosfera afectiva muito                                             é um pouco maior que o actual Ter-
         intensa, relacionada ainda com a                                             reiro do Paço, e cujo traçado se su-
         figura do Infante D. Henrique e a                                             põe ser o que é comum na maioria
         morte do Infante Santo; e de Ma-                                             das vilas medievais portugueses,
         zagão esperava-se, certamente,                                               com um rua dominante e com pe-
         um conjunto de benefícios que não                                            quenas ruelas que com ela se cru-
         me parecem muito claros, e onde                                              zam num formato, mais ou me-
         nenhum deles se pode considerar                                              nos rectilíneo. Sabe-se ainda que,
         como decisivo, entendendo eu que                                             numa primeira fase, quase todas as
         só no seu conjunto influenciaram                                              casas eram térreas, pegadas umas
         a decisão do rei. Aliás, todos eles                                          com as outras, deixando pequenos
         devem ser vistos em função das                                               espaços interiores para quintais,
         circunstâncias da política euro-                                             todavia, o crescimento demográfi-
         peia da época, com Carlos V a as-  A Fortaleza de Mazagão.                   co fez com que algumas passassem
         sumir-se como o grande guardião                                              a dispor de um sobrado e mesmo
         da cristandade – a combater os reformado-  frente da cidade, e mandando fazer uma  de açoteias, de onde se observava o mar e o
         res na Europa e os Turcos no Mediterrâneo  nova fortaleza, com melhores condições mi-  campo circunvizinho. O abastecimento de
         – e D. João III a não querer perder nenhum  litares e com capacidade para albergar uma  água era feito a partir de vários poços ex-
         prestígio junto da Casa de Áustria.  guarnição muito maior. Da obra em si, o que  teriores, com uma canalização muito enge-

         18  DEZEMBRO 2004 U REVISTA DA ARMADA
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