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A MARINHA DE D. MANUEL (53)
O Extremo Oriente
O Extremo Oriente
o designar por Extremo Oriente, um ta rota, apontam para que se rumasse a leste nada” em Banda, seguindo mais tarde para as
espaço geográfico específico, estou ou nordeste até Banda e Gumong Api – a SE Molucas, e isto não desagradava de todo aos
Aa considerar que existe um núcleo da grande ilha de Seram – e, só depois, para portugueses porque o comércio era muito rico
central do mundo, a partir do qual os res- Buru, Amboino e Gule-Gule (na ilha de Se- e permitia a compra e venda de mercadorias,
tantes são classificados como o Oriente ou ram). Aí desmantelaram e queimaram a nau com lucro crescente. Na sua totalidade, a via-
o Ocidente. É uma designação europeísta, de Francisco Serrão e compraram um junco gem redonda de Malaca às Molucas e regres-
naturalmente, apesar de que não é menos para a substituir. Os ventos dominantes nesta so, demorava cerca de um ano, podendo ser
usual e tem um significado mais rápida se o tempo fos-
preciso na linguagem actu- se favorável ou prolongar-se
al. Quando a utilizamos na por quase dois anos se não se
linguagem historiográfica conseguissem aproveitar as
ligada aos Descobrimentos variações de tempo decor-
Portugueses, de uma forma rentes das monções.
geral, estamos a falar da re- De uma forma geral, a or-
gião que envolve Malaca e os ganização do movimento
mares e ilhas para leste deste marítimo a partir de Mala-
local, como sejam a China, o ca, com direcção à China ou
Japão, as Filipinas, o Bornéu, às Molucas tinha dois objec-
a Indonésia e as Molucas. tivos distintos: o da China
Sem que isso possa ser to- levava (sobretudo) pimenta
mado como uma definição que seria trocada por sedas,
rigorosa de fronteiras (por- porcelanas, pedrarias e ou-
que não as há), diria que em tros produtos manufactura-
Malaca começa o Extremo dos do Celeste Império; e o
Oriente, e a entrada dos por- das Ilhas das Especiarias ia
tugueses nesse mundo fez-se em busca da noz moscada,
na sequência da conquista da da maça e do cravo que po-
cidade por Afonso de Albu- diam ser adquiridos com pa-
querque em 1511. nos de Cambaia, outros ob-
Já vimos como se deu jectos produzidos na Índia.
a aproximação à China e Para a China devia partir-se
como, logo em 1512 se na- de Malaca com a Monção
vegou ao longo do rosário de Sudoeste (Agosto), des-
de ilhas que segue para S e O Extremo Oriente. cendo o estreito de Malaca,
SE até Timor, Banda e Molu- Atlas de Fernão Vaz Dourado – 1568. rondando Singapura até ter
cas. Apesar de que, logo em o caminho livre para norte
1511 três navios portugueses, comandados altura do ano são entre o leste e o sueste, pelo (um rochedo de referência à saída do canal
por António Abreu, navegaram para essas que voltaram a Banda, seguindo depois para de Singapura foi chamado pelos portugueses
paragens orientais, o domínio dessa rota de- sudoeste até dar com os baixos de Lusopino, de Pedra Branca e ainda hoje tem esse nome).
morou mais de uma dezena de anos e sempre onde o junco de Francisco Serrão naufragou. Para as Ilhas, saía-se em Dezembro seguindo
com pilotos práticos locais, dado o labirinto António de Abreu regressou a Malaca mas até Banda ou Amboino onde se ficava à es-
de baixios e pequenas ilhas que é preciso ul- Francisco Serrão teria um destino bem dife- pera do tempo favorável para continuar para
trapassar e cujas referências nem sempre são rente que o levou, em embarcações locais, até norte até Ternate. Por meados dos anos vinte
claras. Saíram de Malaca três navios, coman- às ilhas Molucas, onde se fixou e viveu du- – já depois da morte de D. Manuel –, foi ex-
dados por António Abreu, Francisco Serrão rante anos, mantendo contactos com os por- plorado um outro caminho para as Molucas,
e Afonso Bisagudo, em Novembro ou De- tugueses de Malaca. Nesta viagem tinham com uma rota pelo norte da ilha de Bornéu.
zembro (as fontes têm uma pequena varia- contactado com as ilhas onde se produzia a Era bastante mais curto e não obrigava a ne-
ção), quando está declarada a monção do NE noz moscada e a maça (produtos com que nhuma “invernada”, mas não tinha a vanta-
que passa o equador para sul tornando-se de carregaram os navios), mas não alcançaram gem do comércio que ia sendo feito ao longo
NW por efeito do movimento de rotação da a principal fonte produtora do cravo, que era da viagem pelo sul. Para essa viagem a saída
terra (força de Coriolis). Com este tempo se- um pouco mais a norte, no chamado arqui- de Malaca era feita na mesma altura em que
guiram para sul passando encostados à ilha pélago das Molucas, sobretudo nas ilhas de se saía para a China, rondando Singapura,
de Samatra e Java, onde começam a navegar Ternate e Tidore. Deve dizer-se que as expe- passando pela Pedra Branca e seguindo a
para leste ao longo das ilhas da Indonésia, dições seguintes não tiveram melhor sorte e leste em direcção ao Bornéu, que era rondado
Bali, Flores, Solo, Alor, Wetta e Aru. O estu- há uma razão simples para esse facto: quan- por norte. O acesso às Molucas era feito pas-
do que, em 1937, Armando Cortesão fez desta do se fazia a volta pelas ilhas do sul (as que sando perto de Mindanau, a partir de onde
viagem aponta uma derrota que vai a norte visitou António Abreu), chegava-se a Banda se seguia a SW até Ternate.
directa a Buru, mas parece-me pouco prová- numa altura em que o tempo não servia para Z
vel, dadas as condições de tempo naquela al- continuar para norte. Os regimentos que a se- J. Semedo de Matos
tura do ano. As informações que temos des- guir se fizeram apontavam para uma “inver- CFR FZ
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