Page 8 - Revista da Armada
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Reflexões sobre o novo fenómeno das
Reflexões sobre o novo fenómeno das
ameaças e as redes internacionais
ameaças e as redes internacionais
I. INTRODUÇÃO segundo porque existe uma nova teia de aliás como o próprio conceito estratégico
conjunturas políticas, económicas e mili- de defesa nacional (CEDN), aprovado pela
A caracterização do enquadramento das tares em que as coligações recentes assu- Resolução de Conselho de Ministros nº
ameaças, quer seja em termos de agressão mem especiais protagonismos, e que re- 6/2003, de 20JAN2003, já articula em vá-
externa, quer seja entendida em termos pudiam os (por alguns) aludidos cenários rios pontos (1.1 e 1.2). As preocupações
de conceitos aferidos num contexto de de imperialismo. As cooperações entre as dos Estados relativamente à mudança dos
Segurança Global, tem sido usualmente potências parecem, hoje, impor-se. protagonistas e dos actores dos novos per-
sustentada nas visões clássicas que ope- Hoje, infelizmente ter-se-á que o reco- fis de ameaças, é bem o espelho das recen-
ram a divisibilidade da Defesa e da Se- nhecer, não é suficiente invocar a cultura tes preocupações que impelem os Gover-
gurança Interna, com fundamentos que para salvar a Nação. E as diferenciadas nos para novas cirurgias de prevenção e
as novas fenomenologias das agressões, texturas de culturas existentes no Uni- de combate. A leitura do nosso CEDN,
e a optimização de respostas às mesmas, verso vêm, insistentemente, gritando aos por um lado, e o escalonamento do novo
vêm demonstrando, à saciedade, estarem Estados ocidentais que o fundamentalis- conceito estratégico da NATO são disso
algo esgotados. As disposições introdutó- mo pode nascer no rigor dos europocen- exemplos úteis. Refere, a propósito de tais
rias do conceito estratégico de defesa nacional trismos e em visões americanizadas do temáticas, o décimo parágrafo do ponto
(RCM nº 6/2003, de 20JAN) marcam, pre- Mundo. Os mecanismos macroeconó- 1.1. do nosso CEDN:
cisamente, uma tendência filosófica evo- micos e transnacionais, que empurram A maximização dos princípios da surpresa
lutiva no correlacionamento intrínseco da os operadores económicos para formas e da decepção, num combate assimétrico por
segurança interna e externa, não obstante transfiguradas de investimento e novos actores não tradicionais, onde se insere o ter-
se situe a problemática na ordem consti- códigos de lealdades, impõem a necessi- rorismo transnacional, a par da demonstração
tucional portuguesa (leia-se, basilarmente dade de novos formatos de salvaguarda de capacidade e de motivação, por parte de
nos artigos 270º, 272º e 275º). de interesses. A desconsideração de tais organizações mal definidas e não totalmen-
A configuração do exercício da autori- patamares de apreciação acarretará, irre- te identificadas, para levar a efeito acções de
dade do Estado terá que ser, inapelavel- mediavelmente, os Estados de média e grande impacte, configuram a possibilidade
mente, adequada aos diagnósticos das pequena dimensão para realidades pró- de eclosão de elevados níveis de destruição
ameaças. São elas que justificam a Segu- ximas da luxemburguização e para a re- humanos e materiais. As consequências de
rança do Estado. E começa a ser visível, e pudiável visão de uma presença interna- tais acções nas economias, na segurança e
notório, que a determinante vertente mi- cional nula. na estabilidade internacionais transcendem
litar em que as linhas de análise se vêm É no entrançar de algumas destas ques- a capacidade de resposta individualizada dos
efectuando, transporta conclusões restri- tões que esboçaremos breves consideran- Estados e interrelacionam os conceitos de se-
tivas a este novo quadro da mundializa- dos. gurança interna e externa e os objectivos que
ção das redes, e das novas genéticas em- este prefiguram.
presariais que desestruturam os pilares II. AS NOVAS AGRESSÕES Os actores mudaram, como se disse, es-
do Estado tal como o conhecíamos desde tão em contínua mudança aliás, e torna-se
a fundação renascentista. Negligencian- Na literatura especializada sobre o fe- necessário o acesso a mecanismos de co-
do a Segurança, não existe uma hipótese nómeno das ameaças, é comum verifi- operação reforçada, com outros Estados,
credível de apostar em Desenvolvimen- car-se um alinhamento de conceitos que outros parceiros internacionais, outros fo-
to sustentado. Será, eventualmente, forço- navegam entre agressões de tipologia cos multipolares. As molduras do exercí-
so, reflectir naquilo que cria efectivamen- político-militar – a proliferação de armas cio da autoridade têm que se adaptar às
te instabilidade nas sociedades modernas, de destruição maciça, guerras internas e novas realidades, aos novos diagnósticos.
e sobretudo, aceitar que a indetectabilida- movimentos insurreccionais, os novos A rigidez de estruturas e pensares pode
de e a surpresa não se encontram, somen- terrorismos globalizados e os apetites de alertar as redes para novos caminhos a
te, nas agressões de tipologia militar, mas, anexação militar de outros Estados, entre trilhar, e isso, ainda que esperável, não
outrossim, em toda a actividade que vise outros - já anteriormente existentes, ape- é institucionalmente saudável. Corrói o
agredir, de forma directa ou indirecta, re- nas potenciadas pela era da informação, e Estado.
cursos, formas de coexistência, regras só- aquelas que atingem enormes patamares As novas formas de terrorismo, invi-
cio-políticas e quadros económicos. É daí de impacte social e público, como as ca- sível nas suas logísticas, dogmático nos
que nos chegam as novas ameaças. tástrofes, epidemias, ou atentados à segu- seus objectivos, e letal nas novas formas
É já algo apreensível que o mundo não rança alimentar. Algumas destas ameaças de influência mediática e tecnológica que
está desenhado num quadro de multila- vieram elevar o conceito de Segurança, assumem, constroem uma outra estrutu-
teralismo, nem, tampouco, de unilatera- alertando para novas realidades ao nível ra de pânicos a que as sociedades não es-
lismo de face arrogante, quando pensa- da segurança colectiva, bem como vieram tavam habituadas. Mais evoluídos nas
mos no domínio que os EUA exercem. A acentuar a determinante correlação que suas redes, mais sustentados quer na sua
ausência do primeiro, porque a distância existe entre conflitos internos e externos. base empresarial quer na sua moldura
abissal – ao nível tecnológico-científico, E, naturalmente, a necessidade de com- intelectual, as redes que garantem a sua
económico e político-militar – entre a hi- patibilizar o emprego de forças (militares, disseminação são pérfidas e, por vezes,
perpotência e as demais potências que militarizadas e policiais) para a adequada inacreditavelmente consistentes. A des-
lhe são convergentes ou divergentes não intervenção. territorialização dos seus mentores e or-
permite outro tipo de construções analíti- O conceito de agressão externa, terá gânicas encontra-se decalcada, circuns-
cas, e a não consideração (em absoluto) do que, em substância, ser reponderado, tancialmente, em radicalismos de cariz
6 JANEIRO 2004 U REVISTA DA ARMADA