Page 13 - Revista da Armada
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O criptograma é decifrado, como facilmen- meçou a ser estudada no Ocidente. Mui-
te se depreende, invertendo a operação. tas técnicas foram, neste período, postas
Apoiados no mesmo método os Hebreus em prática e os códigos monoalfabéticos
desenvolveram um sistema de cifra seme- deram lugar aos polialfabéticos, como o
lhante – o atbash -, criando um quadro e representado na fig 3.
distribuindo as letras do seu alfabeto, da
forma seguinte: nesse quadro com duas li- CONCEITO DE “CHAVE”
nhas, figuravam na superior, escritas da
esquerda para a direita, a primeira metade Qualquer sistema criptográfico, por mais
das letras do alfabeto; na linha de baixo, elementar que seja, dispõe de uma chave. Re- Fig. 5 “Discos de um sistema rotativo”.
eram escritas da direita para a esquerda as cordemos o sistema utilizado por Júlio Cé-
restantes letras. Este quadro servia como sar. Aqui, a chave consistia no número de Este método é à partida pouco convida-
que de “lista chave”. A mensagem em claro letras avançadas no alfabeto. Substituindo tivo, dado que a mensagem cifrada pode
dava origem ao criptograma, fazendo uso estas pelas da mensagem em claro nascia, surgir com algumas coincidências, ou
da seguinte regra: a letra da mensagem em como vimos, o criptograma. Vejamos a se- seja, pouco variada, podendo o sistema
claro era substituída pela letra correspon- guinte tabela (fig.3) como exemplo de uma com o incremento do número de discos
dente da linha oposta. A decifração punha chave num sistema de cifra simples (uma (concêntricos), a movimentação mecâni-
em prática a mesma regra, obviamente. régua p.ex.): ca dos mesmos e o alfabeto não sequen-
ciado, melhorar a sua eficácia. A
MISTERIOSIDADE mecanização imprime ao sistema
c r i p t o g r a f i a velocidade e precisão dificultan-
Ocorrerá na mente de alguns dos do a sua intercepção. É, sem dúvi-
nossos leitores, a ideia de que os + c h a v e a r e e i r o da, um primeiro passo para o evo-
sistemas descritos serão simples e luir de sistemas verdadeiramente
fáceis de “quebrar”. Digamos que complexos.
partindo do princípio de que to- = E R A T B I S R D U H M
dos os sistemas são vulneráveis A RÉGUA DE SAINT-CYR
e que por estes representarem os Fig. 3 “Código polialfabético”.
primórdios da criptografia, com Se recortarmos cada uma das le-
alguma intuição e perseverança (em crip- À mensagem em claro (criptografia) adicio- tras do disco de Alberti e as colarmos em sé-
toanálise esta técnica, de todas a mais ele- namos a “chave”(chaveareeiro). O resultado é rie sobre duas réguas fazendo com que uma
mentar, designa-se por pesquisa exaustiva) o criptograma (ERATBISRDUHM). seja fixa e a outra deslizante obteremos assim
a “quebra” é possível. Eles representam os discos de Alberti ”linearizados”. Dupli-
e ilustram os princípios fundamentais em CÓDIGO ROTATIVO cando as letras da régua fixa (não é necessá-
que a moderna criptografia se baseia. Te-
nhamos no entanto presente, que na épo- Na sua génese o códi-
ca a que eles se reportam o conhecimento go de César é um código
da escrita era muito restrito, o que só por por rotação, onde o nú-
si constituía já um “enigma”. Considere- mero de casas a avançar
mos isto como um factor de misteriosidade não é vinculativo a um
acidental, tal qual o facto de as línguas em número determinado.
uso se circunscreverem quase em exclusi- É, contudo, um código
vo ao latim, grego e hebraico. Contudo, o monoalfabético. Alber-
atrás descrito deixa-nos antever a ideia de ti, um critptógrafo da
um outro tipo de misteriosidade: a inten- renascença italiana, pôs Fig 7 Régua de “Saint-Cyr”.
cional. Subjacente a esta está o conceito da em prática o código de
existência de um código, ou chave. Será César, recorrendo a dois discos. O seu uso rio repetir o Z) iremos permitir que todas as
essa a abordagem que procuraremos fa- era extremamente fácil; a chave consistia letras do alfabeto possam ser seleccionadas
zer de seguida. em escolher uma letra do disco interno e como chave, seguindo esta régua os mesmos
Após este período e até ao séc. XV, ou fazê-la coincidir com uma outra do disco princípios para a codificação e descodifica-
seja, durante a Idade Média, a criptogra- externo. A partir daí, criptograma era obti- ção descritos para os discos de Alberti.
fia (arte de comunicar confidencialmente do fazendo substituir as letras da mensa- Os códigos por rotação não condicionam o
através de um meio não seguro), enquanto gem em claro do disco externo pelas cor- número de caracteres podendo ser acrescen-
disciplina em desenvolvimento, teve mui- respondentes no disco interno. tados outros símbolos e números decimais
to pouca evolução, surgindo apenas refe- ao alfabeto, o que nem sempre reflecte um
rências a alguma actividade criptográfica acréscimo nas dificuldades à intercepção de
na civilização árabe, período em que apa- um criptograma.
rece escrita uma enciclopédia com uma
secção dedicada à criptoanálise (arte de DA MECANIZAÇÃO
decifrar comunicações codificadas a al- À ELECTRÓNICA
guém que não é o legítimo receptor). Há
igualmente referências de que terão sido Quando a partir de 1839 o Homem iniciou
os monges durante a Idade Média, quem a sua grande caminhada nas comunicações
mais recorreu ao uso de códigos nas suas à distância fazendo uso da electricidade,
escritas, um pouco como passatempo e por via da inauguração do serviço telegrá-
diversão. fico comercial, estaria seguramente longe
Foi, no entanto, a partir do período Re- de imaginar quão importante esse passo foi
nascentista que a criptologia (ciência que na evolução dos sistemas criptográficos. Po-
estuda a criptografia e a criptoanálise) co- Fig. 4 “Disco de Alberti”. demos balizar essa viagem no percurso que
REVISTA DA ARMADA U JANEIRO 2004 11