Page 10 - Revista da Armada
P. 10
O MODELO SOCIAL EUROPEU
O MODELO SOCIAL EUROPEU
Que futuro?
uito se tem falado ultimamente no de trabalho, de viagem, de vida e de inva- reforma e revendo as condições de atribui-
“modelo social europeu”. Motivo lidez. Haverá tudo isto na China, em Taiwan ção dos subsídios de desemprego e doença,
Mde orgulho, sem dúvida e com ra- e na Índia? promovendo a flexibilização do trabalho. E
zão, da Europa Ocidental na segunda me- Falou-se do modelo social europeu a ainda, possivelmente, fazer uns pequenos
tade do século XX. De facto, em nenhuma propósito da reprovação por referendo, na retoques no sagrado direito à greve. Vai ser
outra parte do Mundo, nem nos Estados França e na Holanda, do Tratado da Consti- bonito em França!
Unidos da América nem na antiga URSS, os tuição da Europa e também a propósito dos Não vai ser pacífico para os Governos
trabalhadores tiveram tantos dos países da União Euro-
benefícios, tanta protecção, peia alterar as condições so-
tanta previdência, tanta segu- ciais dos trabalhadores, con-
rança, como na Europa. sequência das conquistas no
Para o modelo social con- século passado.
tribuíram sobretudo os mo- Mas não se vê alternativa à
vimentos da esquerda socia- execução, mais tarde ou mais
lista, mas também, diga-se cedo, de reformas difíceis,
com justiça, os movimentos dolorosas, impopulares e difi-
de direita, principalmente da cilmente compreendidas.
democracia cristã. Atente-se por exemplo, no
O modelo teve o seu iní- que já foi proposto pelo actual
cio longínquo na aceitação governo de coligação, entre a
do descanso ao Domingo e do esquerda e a direita, na Repú-
trabalho de oito horas diárias. blica Federal da Alemanha:
Passou de seguida à “semana aumento da idade de reforma
inglesa” e à aceitação de férias para sessenta e sete anos, do
remuneradas. Terminou com o número de anos de serviço ac-
modelo actual, que, com mais tivo e do número de horas de
ou menos variantes, se ca- trabalho semanal. E, por razões
racteriza primeiramente pela muito diferentes, foi proposto
consideração de que o em- para 2006 o aumento do IVA
prego é um direito adquirido, em três por cento, o corte do
conceito hoje contestado por subsídio de Natal aos militares
muitos, impensável na Amé- e de meio subsídio aos funcio-
rica, e já considerados por al- nários civis. A Alemanha tor-
guns como um dos factores do nou-se, assim, o terceiro país
desemprego. da Europa a ser forçado a co-
Também se caracteriza pela institucio- dramáticos acontecimentos nos arredores meçar a encarar, com um certo realismo, as
nalização de muitos subsídios: de Natal, de Paris, com destruição pelo fogo de milha- dificuldades sociais e económicas. O primeiro
de férias, de doença, de desemprego, de res de viaturas e de alguns edifícios. foi a Inglaterra, há já vinte anos. E é hoje um
trabalho nocturno, de deslocação, de ha- Mas é por razões muito mais profundas dos países mais ricos da Europa!
bitação, de transporte, de horas extraor- que se vem falando dele agora. Primeiro, Prevemos nas próximas décadas, como se
dinárias, de assiduidade, de isenção de porque o espectacular aumento da espe- disse, uma longa luta trabalhosa e, talvez,
horário de trabalho, de refeição, de turno, rança de vida verificado durante o últi- violenta, entre os que querem pensar ape-
de risco, de serviço activo e, até, de parti- mo meio século, em simultâneo com o nas no presente e os que, mais informados
cipação nos lucros. decréscimo da natalidade na população e menos egoístas, se preocupam também
Caracteriza-se, também, por férias que branca dos países europeus, tem graves com o futuro. É a tal diferença, como dis-
por vezes ultrapassam os clássicos trinta reflexos na Segurança Social: cada vez há se alguém, entre os que governam para as
dias, férias por gravidez e férias de pater- maior número de “velhos” a viver à custa próximas eleições e os que trabalham para
nidade, por ausências remuneradas para de menor número de “novos”. Segundo, as próximas gerações.
assistência à família ou morte de parente porque a abertura das fronteiras europeias Sem desdizer o que ficou escrito, julgo
próximo, e ainda, pela aceitação de refor- aos produtos asiáticos veio tornar muito que o “essencial” do modelo social euro-
mas antecipadas e indemnizações por des- difícil aos países onde se trabalha pouco peu poderá ser preservado à custa de mais
pedimento. e ganha muito concorrer com os países tempo de trabalho, legislação laboral mais
Temos de reconhecer que muitos destes onde, ao contrário, se trabalha muito e flexível, mais tecnologia, um ajustamento
benefícios não têm aplicação nas Forças Ar- ganha pouco. no regime das pensões e um maior rigor na
madas, onde não há subsídio por estar de É triste pensar que as citadas transforma- concessão de subsídios. Parece simples!
serviço ao Domingo nem por fazer o quarto ções etárias e concorrenciais vão, nas pró- Z
da meia-noite às quatro. ximas décadas, forçar os Parlamentos e os Comandante E. H. Serra Brandão
Mas há mais. Nos benefícios actuais dos Governos europeus a introduzir algumas
trabalhadores incluem-se com muita fre- alterações no modelo social, aumentan- NR:
Já depois de recebido o texto, tomámos conhe-
quência, na Europa, as despesas de saúde, do a idade da reforma, o tempo de serviço cimento de que os Paises Escandinávos estão a pro-
de formação profissional, de gasolina, de activo e o horário semanal de trabalho, re- ceder a alterações no modelo social, no sentido das
telefone, bem como seguros de acidentes duzindo no futuro o valor das pensões de previsões do autor.
8 JANEIRO 2006 U REVISTA DA ARMADA