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O MODELO SOCIAL EUROPEU
                 O MODELO SOCIAL EUROPEU


                                                Que futuro?

                uito se tem falado ultimamente no  de trabalho, de viagem, de vida e de inva-  reforma e revendo as condições de atribui-
                “modelo social europeu”. Motivo  lidez. Haverá tudo isto na China, em Taiwan  ção dos subsídios de desemprego e doença,
         Mde orgulho, sem dúvida e com ra-  e na Índia?                        promovendo a flexibilização do trabalho. E
         zão, da Europa Ocidental na segunda me-  Falou-se do modelo social europeu a  ainda, possivelmente, fazer uns pequenos
         tade do século XX. De facto, em nenhuma  propósito da reprovação por referendo, na  retoques no sagrado direito à greve. Vai ser
         outra parte do Mundo, nem nos Estados  França e na Holanda, do Tratado da Consti-  bonito em França!
         Unidos da América nem na antiga URSS, os  tuição da Europa e também a propósito dos   Não vai ser pacífico para os Governos
         trabalhadores tiveram tantos                                                     dos países da União Euro-
         benefícios, tanta protecção,                                                     peia alterar as condições so-
         tanta previdência, tanta segu-                                                   ciais dos trabalhadores, con-
         rança, como na Europa.                                                           sequência das conquistas no
           Para o modelo social con-                                                      século passado.
         tribuíram sobretudo os mo-                                                        Mas não se vê alternativa à
         vimentos da esquerda socia-                                                      execução, mais tarde ou mais
         lista, mas também, diga-se                                                       cedo, de reformas difíceis,
         com justiça, os movimentos                                                       dolorosas, impopulares e difi-
         de direita, principalmente da                                                    cilmente compreendidas.
         democracia cristã.                                                                Atente-se por exemplo, no
            O modelo teve o seu iní-                                                      que já foi proposto pelo actual
         cio longínquo na aceitação                                                       governo de coligação, entre a
         do descanso ao Domingo e do                                                      esquerda e a direita, na Repú-
         trabalho de oito horas diárias.                                                  blica Federal da Alemanha:
         Passou de seguida à “semana                                                      aumento da idade de reforma
         inglesa” e à aceitação de férias                                                 para sessenta e sete anos, do
         remuneradas. Terminou com o                                                      número de anos de serviço ac-
         modelo actual, que, com mais                                                     tivo e do número de horas de
         ou menos variantes, se ca-                                                       trabalho semanal. E, por razões
         racteriza primeiramente pela                                                     muito diferentes, foi proposto
         consideração de que o em-                                                        para 2006 o aumento do IVA
         prego é um direito adquirido,                                                    em três por cento, o corte do
         conceito hoje contestado por                                                     subsídio de Natal aos militares
         muitos, impensável na Amé-                                                       e de meio subsídio aos funcio-
         rica, e já considerados por al-                                                  nários civis. A Alemanha tor-
         guns como um dos factores do                                                     nou-se, assim, o terceiro país
         desemprego.                                                                      da Europa a ser forçado a co-
           Também se caracteriza pela institucio-  dramáticos acontecimentos nos arredores  meçar a encarar, com um certo realismo, as
         nalização de muitos subsídios: de Natal,  de Paris, com destruição pelo fogo de milha-  dificuldades sociais e económicas. O primeiro
         de férias, de doença, de desemprego, de  res de viaturas e de alguns edifícios.  foi a Inglaterra, há já vinte anos. E é hoje um
         trabalho nocturno, de deslocação, de ha-  Mas é por razões muito mais profundas  dos países mais ricos da Europa!
         bitação, de transporte, de horas extraor-  que se vem falando dele agora. Primeiro,   Prevemos nas próximas décadas, como se
         dinárias, de assiduidade, de isenção de  porque o espectacular aumento da espe-  disse, uma longa luta trabalhosa e, talvez,
         horário de trabalho, de refeição, de turno,  rança de vida verificado durante o últi-  violenta, entre os que querem pensar ape-
         de risco, de serviço activo e, até, de parti-  mo meio século, em simultâneo com o  nas no presente e os que, mais informados
         cipação nos lucros.                decréscimo da natalidade na população  e menos egoístas, se preocupam também
           Caracteriza-se, também, por férias que  branca dos países europeus, tem graves  com o futuro. É a tal diferença, como dis-
         por vezes ultrapassam os clássicos trinta  reflexos na Segurança Social: cada vez há  se alguém, entre os que governam para as
         dias, férias por gravidez e férias de pater-  maior número de “velhos” a viver à custa  próximas eleições e os que trabalham para
         nidade, por ausências remuneradas para  de menor número de “novos”. Segundo,  as próximas gerações.
         assistência à família ou morte de parente  porque a abertura das fronteiras europeias   Sem desdizer o que ficou escrito, julgo
         próximo, e ainda, pela aceitação de refor-  aos produtos asiáticos veio tornar muito  que o “essencial” do modelo social euro-
         mas antecipadas e indemnizações por des-  difícil aos países onde se trabalha pouco  peu poderá ser preservado à custa de mais
         pedimento.                         e ganha muito concorrer com os países  tempo de trabalho, legislação laboral mais
           Temos de reconhecer que muitos destes  onde, ao contrário, se trabalha muito e  flexível, mais tecnologia, um ajustamento
         benefícios não têm aplicação nas Forças Ar-  ganha pouco.             no regime das pensões e um maior rigor na
         madas, onde não há subsídio por estar de   É triste pensar que as citadas transforma-  concessão de subsídios. Parece simples!
         serviço ao Domingo nem por fazer o quarto  ções etárias e concorrenciais vão, nas pró-                Z
         da meia-noite às quatro.           ximas décadas, forçar os Parlamentos e os   Comandante E. H. Serra Brandão
           Mas há mais. Nos benefícios actuais dos  Governos europeus a introduzir algumas
         trabalhadores incluem-se com muita fre-  alterações no modelo social, aumentan-  NR:
                                                                                 Já depois de recebido o texto, tomámos conhe-
         quência, na Europa, as despesas de saúde,  do a idade da reforma, o tempo de serviço   cimento de que os Paises Escandinávos estão a pro-
         de formação profissional, de gasolina, de  activo e o horário semanal de trabalho, re-  ceder a alterações no modelo social, no sentido das
         telefone, bem como seguros de acidentes  duzindo no futuro o valor das pensões de   previsões do autor.

         8  JANEIRO 2006 U REVISTA DA ARMADA
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