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O Almirante Oliveira Muzanty
O Almirante Oliveira Muzanty
á muito nos sentimos atraidos para rinha e que se manteve durante toda a sua meira unidade da Marinha de casco de aço,
estudar a vida de vultos da Marinha vida. Inúmeros episódios em que Muzanty pertencente à Esquadrilha do Congo, navio
Hque viveram em períodos conturba- era o protagonista circularam na Marinha e que tinha instalado um novo Padrão de San-
dos da nossa história contemporânea, espe- um deles, que passamos a descrever, repor- to Agostinho no Cabo de Santa Maria e re-
cialmente aqueles que prestaram serviço nas ta-se ao tempo do seu embarque na “Barto- cuperado os restos do colocado no mesmo
duas últimas décadas da Monarquia, durante lomeu Dias”. O oficial imediato da corveta local, quatro séculos antes, por Diogo Cão
a I República e nos primeiros anos do e que hoje se encontram à guarda da
Estado Novo. Nesse espaço de tempo Sociedade de Geografia de Lisboa. Re-
alguns marinheiros tiveram notáveis gressa à capital no transporte “África”
carreiras que devem ser conhecidas e e entretanto, em 1895, é promovido a
divulgadas, já que constituem paradi- 2º tenente.
gmas para a actual geração. Tem então o seu primeiro coman-
Na procura das personalidades do, o do “Torpedeiro nº3”, e durante
referidas aconteceu que, quando da um ano faz fiscalização da pesca nas
publicação do segundo volume da costas algarvias.
Colecção “Documentos-II Série”, Em inicios do ano seguinte, a bor-
constatámos, através da leitura do do da canhoneira “Liberal”, larga
relatório do comandante do cruza- para Moçambique a fim de servir na
dor “República”, capitão-de-fragata Divisão Naval do Indico, tendo par-
João Augusto de Oliveira Muzanty, a ticipado na Guerra dos Namarrais.
sua extremamente válida contribuição Foi então louvado por ter cumprido
para o exito da missão de apoio, em sempre o seu dever, embora não tives-
1922, à I Travessia Aérea Lisboa -Rio se ocasião de se distinguir. Mais tarde
de Janeiro e que a respectiva biografia interveio na Campanha de Gaza de
era digna de estudo, pelo que a apre- 1897, a bordo da canhoneira “Zaire”
sentamos neste breve apontamento. e no comando da lancha-canhoneira
Muzanty, jovem de 16 anos de ida- “Capelo” da Esquadrilha do Limpo-
de, assentou praça na Armada em po, campanha que terminou com as
1888, ingressando na Escola Naval vitórias de Macontene em 21 de Julho
como aspirante de 2ª classe. Quatro e de Mapulanguene em 10 de Agosto,
anos antes tinha-se realizado a Con- sendo por feitos praticados condeco-
ferência de Berlim onde foram esta- rado com a Medalha de Prata da Rai-
belecidas as condições do dominio nha D. Amélia.
do continente africano por parte das É nomeado, em fins de 1899, para
nações europeias. O direito colonial, João Augusto de Oliveira Muzanty em 2º Tenente. proceder aos trabalhos de demarca-
até então baseado em razões históricas tra- recebeu muito bem o guarda-marinha, afir- ção da fronteira luso-francesa da Guiné. De-
dicionais, defendido por Portugal, passa a mou-lhe que era amicíssimo do pai dele e pois de dois anos em Angola e outros dois
ser substituido pela necessidade da ocu- que podia contar com os seus bons oficios em serviço de campanha em Moçambique,
pação efectiva das terras, o que motiva, para o que fosse preciso. O que aconteceu Muzanty inicia a sua comissão num territó-
desde logo, uma corrida europeia áquele é que não havia frete que lhe fosse poupa- rio onde permanecerá cerca de dez anos. A
continente. A Marinha, na época com a res- do. Um dia Muzanty fartou-se da situação nova missão dá-lhe a conhecer uma colónia,
ponsabilidade dos negócios ultramarinos, e foi dizer ao imediato que lhe queria pedir pequeno enclave incrustado na África Oci-
intensifica a sua presença em África, facto um favor. Este respondeu-lhe logo: “Só se dental Francesa, de enorme riqueza etnográ-
que será determinante na carreira do fu- não puder é que não o satisfaço, como sabe fica e alagado por diversos cursos de água,
turo oficial, promovido a guarda-marinha sou um grande amigo de seu pai”. Ao que o facto que tornava a via fluvial de extrema
em 1893, ano em que a bordo da corveta guarda-marinha retorquiu: “É isso mesmo, importancia, sendo praticamente a única
“Bartolomeu Dias” segue para Angola, fi- o que lhe venho pedir é que corte as relações viá vel na época das chuvas. Os trabalhos de
cando integrado na Divisão Naval da Áfri- com o meu pai”. delimitação durarão até Junho de 1905, após
ca Ocidental. A bordo da corveta Muzanty contacta com o que o 1º tenente Muzanty, promovido em
A jovialidade foi uma caracteristica des- terras do Ultramar, tendo na ocasião embar- 1902, foi agraciado com a Ordem de S.Tiago,
de logo bem patente do jovem guarda-ma- cado na lancha-canhoneira “Cacongo”, a pri- do Mérito Cientifico, Literário e Artistico, da
Lancha-canhoneira “Cacongo”. Torpedeiro Nº3.
REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2006 19