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PONTO AO MEIO DIA
A ligação entre Marinha Equilibrada
e Marinha de Duplo Uso
O damente nos PALOP); as fragatas colaboram,
modelo de planeamento de forças condições prevalecentes e o nível de ambição operar nas acções externas do Estado (nomea-
com base em capacidades tem vindo estabelecido.
a impor-se, a todos os níveis, relativa-
Em Portugal, acontece que a Marinha, em-
se necessário, na fiscalização da ZEE; os subma-
mente ao modelo com base na ameaça, fruto bora reduzida à expressão compatível com a rinos e as fragatas executam, por vezes, opera-
da análise aprofundada da incerteza que ca- dimensão do país, exerce funções de defesa ções de combate à droga; o LPD será certamen-
racteriza o ambiente internacional. militar e de apoio à política externa, de segu- te usado em caso de catástrofe ou de evacuação
Para não repetir muito do que já foi escri- rança e autoridade do Estado e de desenvol- de pessoas por qualquer razão, podendo esta
to sobre as referidas abordagens, recordarei vimento económico, científico e cultural. lista continuar com exemplos sem fim.
apenas que no modelo das capacidades se va- Esta linha de raciocínio implica necessaria- O duplo uso, tornado deste modo evidente,
lorizam especialmente as missões que deve- mente que a chamada Marinha de Duplo Uso beneficia do aproveitamento comum de todos
remos ser capazes de desempenhar, compa- seja uma consideração importantíssima para se os factores que se combinam para formar as
ginando-as com os recursos disponíveis para encontrar o equilíbrio de capacidades desejado. capacidades, desde os conceitos e doutrina às
adquirir ou modernizar meios militares. De facto, o paradigma da Marinha de Duplo estruturas de apoio e ao pessoal. A poupança
Não podemos ainda esquecer que as cha- Uso visa o emprego integrado das capacidades em termos absolutos e a eficiência, no sentido
madas “capacidades militares” resultam da no quadro da defesa militar e de apoio à política de obter os mesmos resultados com menores
melhor combinação entre seis factores essen- externa com as capacidades vocacionadas para recursos, são as principais vantagens a retirar.
ciais: conceito e doutrina, equipamento e tec- a segurança e autoridade do Estado. Podemos concluir que a Marinha Equili-
nologia, sustentação, treino individual e colec- As funções ligadas ao desenvolvimento brada em Portugal é, em boa parte, a Marinha
tivo, estruturas de apoio e pessoal. Daqui se económico, científico e cultural, embora com- de Duplo Uso, havendo apenas que balancear
retira imediatamente que as capacidades, no plementares, não deixam de ter importante a simbiose com sensatez e oportunidade.
seu verdadeiro alcance, são constituídas por significado, como é o caso das actividades re- Mas, tudo isto implica planeamento a longo
um emaranhado de vertentes de elevadíssi- alizadas pelo Instituto Hidrográfico, com alto prazo, já que as capacidades são preenchidas
ma complexidade. valor operacional. A construção de navios e com meios navais de elevado preço e grande
Não espanta por isso que o conceito de Ma- de equipamento para os mesmos em Portu- longevidade, o que obriga a programas com-
rinha Equilibrada, se bem escalpelizado, revele gal, bem como os vários órgãos e infraestru- plexos de aquisição ou de modernização ao
também dificuldades de entendimento que in- turas que a Marinha dispõe ligados à cultura, longo da vida. O processo de obtenção de na-
teressará esclarecer, tanto quanto possível. são ainda parte deste bloco, a par de outros vios novos é sempre bastante longo (cerca de 8
Talvez a forma mais simples de explicar o elementos que a economia deste escrito não anos para fragatas e 10 anos para submarinos),
que se entende por Marinha Equilibrada seja permite mencionar. desde a concepção até à sua normal utilização
chamar a atenção para o seu oposto (em abs- Enunciado que foi o paradigma da Mari- operacional, passando por numerosas fases:
tracto), ou seja, a Marinha Especializada. Assim, nha de Duplo Uso, aplicado concretamente requisitos e estudos iniciais, requisitos opera-
uma Marinha Especializada investe funda- a Portugal, interessará explicitar a sua relação cionais, requisitos técnicos, ante-projecto, pro-
mentalmente em determinados tipos de meios, estreita com o que se deve considerar “Mari- jecto, projecto de construção, construção, testes
por exemplo, draga-minas ou lanchas rápidas nha Equilibrada”, no nosso caso. e provas e treino do pessoal.
com mísseis ou navios costeiros ou outros. Assim, haverá que contar com uma com- É quase natural que em tempo de escassez
Como é sabido, a Marinha Equilibrada ponente constituída por navios costeiros e ri- de recursos se possa pensar no que produz re-
aposta num conjunto muito diversificado beirinhos e também com os órgãos operativos sultados imediatos ou a curto prazo. Temos
de meios, porque as ameaças são incertas e da Direcção Geral da Autoridade Marítima e que afastar essa terrível tentação, sob pena de
muito pouco previsíveis a prazo e porque se ainda da Polícia Marítima, que funciona no desequilibrar a Marinha, provocando prejuí-
pretende alargar as oportunidades de visibi- seu âmbito. Esta componente, associa-se à zos incalculáveis ao país.
lidade internacional. segurança e autoridade de Estado e, conse- Sem estratégia definida e aplicada, o plane-
Estamos portanto a referir conceitos gerais, quentemente, tem que dispor igualmente de amento de forças não tem qualquer conteúdo.
da forma mais clara possível, sem teorizar patrulhas oceânicos, sem necessidade de ar- Não é possível adivinhar o estado do mundo
muito. Porém, torna-se evidente que ao apli- mas poderosas, para responder à fiscalização daqui a 10 ou 15 anos, tal como não foram pre-
car a noção de Marinha Equilibrada a casos da ZEE (200 milhas) e, no futuro, à da plata- vistos os acontecimentos dos últimos 10 ou 15
concretos, o problema complica-se bastante. forma continental (350 milhas), bem como ao anos, sendo a surpresa o tronco dominante.
É que o equilíbrio para uns não pode ser de- serviço de busca e salvamento. Em paralelo, A prudência recomenda uma abordagem
calcado para outros. o conjunto de fragatas, submarinos, reabas- por capacidades ao planeamento de forças.
Para as maiores potências uma Marinha tecedores e navio polivalente logístico (LPD), Os interesses mais importantes do país reco-
Equilibrada inclui certamente a aviação em- fornecerão a dimensão oceânica combatente, mendam certamente uma Marinha Equilibra-
barcada, o submarino nuclear e os mísseis de que, agregada ao corpo de fuzileiros, poderá da e de Duplo Uso, obedecendo a um plano
longo alcance, com ou sem ogiva nuclear. No constituir uma força tarefa autónoma e pro- de longo prazo, sem desvios nem interrup-
caso das Marinhas sem responsabilidades nas jectável em terra, a nível de batalhão, tirando ções, tendo como horizonte o sistema de for-
áreas da fiscalização costeira, os meios navais partido do binómio navios-fuzileiros. ças aprovado.
costeiros e ribeirinhos são automaticamente Todavia, repare-se que os pequenos navios Z
excluídos do conjunto equilibrado. Cada Ma- fazem vigilância da costa; os patrulhas oceâni- Victor M. B. Lopo Cajarabille
rinha terá assim o seu equilíbrio, consoante as cos podem fazer alguma tarefas militares e co- VALM
4 NOVEMBRO 2006 U REVISTA DA ARMADA