Page 334 - Revista da Armada
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Foto SAR FZ Pereira                                     REFLECTINDO…                               XI


                                                                       PODER NAVAL

                                                                        SUA UTILIDADE HOJE

                                                             É
                                                                bem conhecido o enunciado das missões de tempo de guerra e das missões de
                                                                tempo de paz que têm sido atribuídas ao poder naval. Por outro lado, sabe-se
                                                                que a situação internacional vem evoluindo rapidamente, com uma maior ace-
                                                             leração nos últimos 15 anos, desde que acabou a bipolarização política mundial.
                                                              Ainda que haja diferença entre missões de tempo de guerra e missões militares de
                                                             tempo de paz (algumas também designadas missões militares de interesse público),
                                                             essa diferença tem vindo a esbater-se rapidamente.
                                                              Primeiro, porque se teima em não querer chamar ‘guerra’ à guerra. Para este efeito
         ser central no empenhamento internacional dos nossos meios, ao mes-  da definição das competências e responsabilidades da força militar, guerra é o único
         mo tempo que estamos, também, empenhados no desenvolvimento da   nome aplicável às situações como a “intervenção” no Afeganistão contra os talibãs, a
         defesa europeia, pelo que tenciono manter uma participação activa, em   “deposição” de Hussein ou o “desarmamento coercivo” do Iraque (previsto no Suple-
         2007, no Amphibious Battle Group da União Europeia.  mento à Agenda para a Paz aprovado por unanimidade na ONU), o confronto entre
           No âmbito da cooperação com os Países de língua oficial portuguesa,   o Hezbollah e Israel perante a incapacidade do Governo do Líbano, etc.
                                                              Segundo, porque há a preocupação de, perante um conflito internacional, evitar
         prosseguiremos atentos às oportunidades para contribuir para o estreita-  a formação de alianças que só poderão contribuir para o alargamento do conflito e
         mento do relacionamento, em sintonia com as orientações políticas e   para a escalada da violência. Recorre-se antes à intervenção militar multinacional e
         concretizações financeiras que forem sendo definidas.  neutral, como processo mais seguro de criar condições favoráveis à paz.
           No quadro das missões relacionadas com a segurança e o exercício da   Terceiro, porque as crises internas dos Estados multiplicam-se e, com uma frequên-
         autoridade do Estado no mar, tenciono incrementar a cooperação com   cia preocupante, as soluções para as resolver apoiam-se no emprego da força militar.
         outros organismos públicos, designadamente com os órgãos policiais   Para além das forças de interposição pedidas pelos beligerantes, o Conselho de Se-
                                                             gurança da ONU passou a decidir acções coercivas contra os Estados onde ocorrem
         na dependência dos Ministérios da Justiça e da Administração Interna,   situações que constituem ameaça grave à segurança mundial ou onde se praticam
         e com os órgãos de gestão portuária e dos transportes marítimos, na de-  ofensas aos direitos humanos inaceitáveis. Essas acções coercivas, mais tarde ou mais
         pendência do Ministério dos Transportes e Comunicações, melhoran-  cedo acabam por incluir a intervenção militar.
         do a troca de informação e incrementando sinergias de actuação, para   Quarto, porque as preocupações com a defesa dos territórios nacionais, pelo me-
         melhor fazer face a uma alargada panóplia de ilícitos em espaços marí-  nos na região euro-americana, estão a ser superadas pelas preocupações com a defesa
         timos, como sejam a imigração ilegal, o terrorismo, o tráfico de droga e   dos interesses. As fronteiras desses interesses estão cada vez mais alargadas. Des-
                                                             de a apresentação do Relatório Harmel da NATO, em de Dezembro de 1967, onde
         o crime ambiental.                                  se definiram as preocupações “out-of-area”, as distâncias vêm-se encurtando. Hoje
           Como vimos, a nossa Marinha desenvolve uma série de actividades ao   procura-se que os Estados não recorram unilateralmente ao uso da força na defesa
         serviço de Portugal e dos Portugueses que nos incumbe dar a conhecer.  dos seus interesses longínquos e um dos modos de o evitar é garantir, na zona de
           Com este propósito, temos desenvolvido, nos últimos anos, um es-  conflito, uma presença de interposição multinacional.
         forço deliberado para compreender e fazermo-nos compreender pela   Há ainda, na generalidade das situações de crise ou de conflito, a preocupação de
         sociedade. Fazemo-lo através de relações públicas e de divulgação, da   as manter o mais limitadas possível, quer geograficamente, quer no número de Es-
                                                             tados beligerantes. Mais uma vez, se for decidida uma intervenção militar, a decisão
         presença online na Internet, de parcerias em eventos de natureza social,   deve ser tomada num órgão de reconhecida competência (por enquanto, o Conselho
         desportiva, científica ou outra que interaja connosco, e temos contado   de Segurança da ONU) e a força deverá ser multinacional.
         com o apoio de muita da comunicação social, como parceiros numa in-  Assim, é tão amplo o leque de situações que são objecto de intervenção militar
         formação clara, honesta e imparcial. Tudo faremos para que assim con-  que se torna menos relevante procurar distinguir as missões de tempo de guerra e
         tinue, de modo a que os Portugueses saibam o que faz, e o que pode   de tempo de paz do que avaliar a sofisticação do armamento presente no teatro de
         fazer, a sua Marinha.                               operações e organizar a resposta de acordo com esse factor de sofisticação. Foi nesse
                                                             sentido que o conceito de utilização de “capacetes azuis”, que receberam em 1988
                                                             o Prémio Nobel da Paz, e que, na verdade, eram forças pensadas para actuar entre
           Senhores Oficiais, Sargentos, Praças, Militarizados e Civis da Marinha,
                                                             a paz e a guerra, esse conceito perdeu força depois de repetidas situações em que o
           A Marinha, a nossa Marinha, deve afirmar-se e evoluir, numa demanda   seu poder se mostrou insuficiente.
         contínua de excelência do produto operacional, e numa perspectiva de   De qualquer modo, o poder naval usa os mesmos tipos de meios no cumprimento
         equilíbrio entre o que foi no passado, o que é no presente e na transição   das missões de tempo de paz e de tempo de guerra, ou das missões para enfrentar
                                                             esta panóplia de conflitos que se insiste em designar de não guerra.
         do que deverá ser no futuro.                         ‘A’ fragata que esteve em Timor, é ‘a’ fragata que esteve na Guiné numa iniciativa
           Os esforços individuais e colectivos, enquadrados por um conjunto de   bilateral, é ‘a’ fragata que esteve na força naval da NATO, é ‘a’ fragata que esteve no
         valores que nos caracteriza enquanto Instituição, devem convergir para a   Adriático, e poderia ser ‘a’ fragata escolhida para a nossa participação na missão da
         edificação e sustentação das capacidades da componente naval do Sis-  ONU no Líbano, etc. ‘A’ corveta que esteve em Cabo Verde em missão da UE, antes
         tema de Forças Nacional, de forma a construir, em conformidade com   teria estado nos Açores em missão nacional, amanhã poderá participar na fiscaliza-
         os recursos previsíveis, uma Marinha equilibrada no conjunto das suas   ção e vigilância da nossa costa que é fronteira da segurança europeia.
                                                              E a prontidão destes meios navais também é importante. A fragata que desfilou
         capacidades, capaz de cumprir, com motivação e eficácia, as missões   no 10 de Junho enquanto se ultimavam alguns preparativos de base, logo a seguir
         atribuídas. Isto é essencial para que a Marinha se afirme:  partiu para a Guiné; a fragata que foi para Timor, apesar da longa distância, chegou
           - Relevante, porque Portugal usa o mar no seu interesse;  lá antes que se organizasse a força terrestre da ONU para a segurança e reconstru-
           - Pronta, porque capaz de ser empregue quando requerido;  ção do país; ainda os órgãos de comunicação social tinham acabado de anunciar que
           - Flexível, porque encara os desafios como oportunidades;  Portugal aceitara enviar uma corveta para a missão da UE de controlo da migração
           - Coesa, porque sustentada numa sólida cultura;   na região Cabo Verde/Canárias, e preparavam-se para desenvolver o debate sobre
                                                             este teme, já a corveta estava a chegar à área de missão.
           - Prestigiada, porque reconhecida pelos nossos concidadãos e pelos   Recentemente, os jornais apresentaram quadros com o resumo da presença militar
         países amigos.                                      portuguesa nas diversas missões internacionais. Foi omitida a presença da corveta
           Acredito, por tudo o que fica dito, que há a garantia firme de encarar   “Baptista de Andrade” em Cabo Verde, em missão do âmbito da União Europeia.
         o futuro com confiança e determinação, certo de que saberemos manter   Aliás, é raríssimo incluir na nossa colaboração militar junto das Organizações inter-
         a eficácia, a dignidade e o prestígio da Marinha, não regateando esforços   nacionais o navio que frequentemente está integrado nas forças navais da NATO.
                                                              A intervenção do poder naval tem sido frequentemente solicitada porque este
         pelo País. Para isso, devemos manter uma postura firme na defesa, empe-  mantém o valor de sempre em quase todas as circunstâncias.
         nhada na segurança e parceira no desenvolvimento.                                                     Z
           A Marinha tem o País no coração. Fazer bem é o nosso lema, fazer                   António Emílio Sacchetti
         mais e ainda melhor é a nossa ambição.          Z                                                  VALM

         8  NOVEMBRO 2006 U REVISTA DA ARMADA
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