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Foto SAR FZ Pereira REFLECTINDO… XI
PODER NAVAL
SUA UTILIDADE HOJE
É
bem conhecido o enunciado das missões de tempo de guerra e das missões de
tempo de paz que têm sido atribuídas ao poder naval. Por outro lado, sabe-se
que a situação internacional vem evoluindo rapidamente, com uma maior ace-
leração nos últimos 15 anos, desde que acabou a bipolarização política mundial.
Ainda que haja diferença entre missões de tempo de guerra e missões militares de
tempo de paz (algumas também designadas missões militares de interesse público),
essa diferença tem vindo a esbater-se rapidamente.
Primeiro, porque se teima em não querer chamar ‘guerra’ à guerra. Para este efeito
ser central no empenhamento internacional dos nossos meios, ao mes- da definição das competências e responsabilidades da força militar, guerra é o único
mo tempo que estamos, também, empenhados no desenvolvimento da nome aplicável às situações como a “intervenção” no Afeganistão contra os talibãs, a
defesa europeia, pelo que tenciono manter uma participação activa, em “deposição” de Hussein ou o “desarmamento coercivo” do Iraque (previsto no Suple-
2007, no Amphibious Battle Group da União Europeia. mento à Agenda para a Paz aprovado por unanimidade na ONU), o confronto entre
No âmbito da cooperação com os Países de língua oficial portuguesa, o Hezbollah e Israel perante a incapacidade do Governo do Líbano, etc.
Segundo, porque há a preocupação de, perante um conflito internacional, evitar
prosseguiremos atentos às oportunidades para contribuir para o estreita- a formação de alianças que só poderão contribuir para o alargamento do conflito e
mento do relacionamento, em sintonia com as orientações políticas e para a escalada da violência. Recorre-se antes à intervenção militar multinacional e
concretizações financeiras que forem sendo definidas. neutral, como processo mais seguro de criar condições favoráveis à paz.
No quadro das missões relacionadas com a segurança e o exercício da Terceiro, porque as crises internas dos Estados multiplicam-se e, com uma frequên-
autoridade do Estado no mar, tenciono incrementar a cooperação com cia preocupante, as soluções para as resolver apoiam-se no emprego da força militar.
outros organismos públicos, designadamente com os órgãos policiais Para além das forças de interposição pedidas pelos beligerantes, o Conselho de Se-
gurança da ONU passou a decidir acções coercivas contra os Estados onde ocorrem
na dependência dos Ministérios da Justiça e da Administração Interna, situações que constituem ameaça grave à segurança mundial ou onde se praticam
e com os órgãos de gestão portuária e dos transportes marítimos, na de- ofensas aos direitos humanos inaceitáveis. Essas acções coercivas, mais tarde ou mais
pendência do Ministério dos Transportes e Comunicações, melhoran- cedo acabam por incluir a intervenção militar.
do a troca de informação e incrementando sinergias de actuação, para Quarto, porque as preocupações com a defesa dos territórios nacionais, pelo me-
melhor fazer face a uma alargada panóplia de ilícitos em espaços marí- nos na região euro-americana, estão a ser superadas pelas preocupações com a defesa
timos, como sejam a imigração ilegal, o terrorismo, o tráfico de droga e dos interesses. As fronteiras desses interesses estão cada vez mais alargadas. Des-
de a apresentação do Relatório Harmel da NATO, em de Dezembro de 1967, onde
o crime ambiental. se definiram as preocupações “out-of-area”, as distâncias vêm-se encurtando. Hoje
Como vimos, a nossa Marinha desenvolve uma série de actividades ao procura-se que os Estados não recorram unilateralmente ao uso da força na defesa
serviço de Portugal e dos Portugueses que nos incumbe dar a conhecer. dos seus interesses longínquos e um dos modos de o evitar é garantir, na zona de
Com este propósito, temos desenvolvido, nos últimos anos, um es- conflito, uma presença de interposição multinacional.
forço deliberado para compreender e fazermo-nos compreender pela Há ainda, na generalidade das situações de crise ou de conflito, a preocupação de
sociedade. Fazemo-lo através de relações públicas e de divulgação, da as manter o mais limitadas possível, quer geograficamente, quer no número de Es-
tados beligerantes. Mais uma vez, se for decidida uma intervenção militar, a decisão
presença online na Internet, de parcerias em eventos de natureza social, deve ser tomada num órgão de reconhecida competência (por enquanto, o Conselho
desportiva, científica ou outra que interaja connosco, e temos contado de Segurança da ONU) e a força deverá ser multinacional.
com o apoio de muita da comunicação social, como parceiros numa in- Assim, é tão amplo o leque de situações que são objecto de intervenção militar
formação clara, honesta e imparcial. Tudo faremos para que assim con- que se torna menos relevante procurar distinguir as missões de tempo de guerra e
tinue, de modo a que os Portugueses saibam o que faz, e o que pode de tempo de paz do que avaliar a sofisticação do armamento presente no teatro de
fazer, a sua Marinha. operações e organizar a resposta de acordo com esse factor de sofisticação. Foi nesse
sentido que o conceito de utilização de “capacetes azuis”, que receberam em 1988
o Prémio Nobel da Paz, e que, na verdade, eram forças pensadas para actuar entre
Senhores Oficiais, Sargentos, Praças, Militarizados e Civis da Marinha,
a paz e a guerra, esse conceito perdeu força depois de repetidas situações em que o
A Marinha, a nossa Marinha, deve afirmar-se e evoluir, numa demanda seu poder se mostrou insuficiente.
contínua de excelência do produto operacional, e numa perspectiva de De qualquer modo, o poder naval usa os mesmos tipos de meios no cumprimento
equilíbrio entre o que foi no passado, o que é no presente e na transição das missões de tempo de paz e de tempo de guerra, ou das missões para enfrentar
esta panóplia de conflitos que se insiste em designar de não guerra.
do que deverá ser no futuro. ‘A’ fragata que esteve em Timor, é ‘a’ fragata que esteve na Guiné numa iniciativa
Os esforços individuais e colectivos, enquadrados por um conjunto de bilateral, é ‘a’ fragata que esteve na força naval da NATO, é ‘a’ fragata que esteve no
valores que nos caracteriza enquanto Instituição, devem convergir para a Adriático, e poderia ser ‘a’ fragata escolhida para a nossa participação na missão da
edificação e sustentação das capacidades da componente naval do Sis- ONU no Líbano, etc. ‘A’ corveta que esteve em Cabo Verde em missão da UE, antes
tema de Forças Nacional, de forma a construir, em conformidade com teria estado nos Açores em missão nacional, amanhã poderá participar na fiscaliza-
os recursos previsíveis, uma Marinha equilibrada no conjunto das suas ção e vigilância da nossa costa que é fronteira da segurança europeia.
E a prontidão destes meios navais também é importante. A fragata que desfilou
capacidades, capaz de cumprir, com motivação e eficácia, as missões no 10 de Junho enquanto se ultimavam alguns preparativos de base, logo a seguir
atribuídas. Isto é essencial para que a Marinha se afirme: partiu para a Guiné; a fragata que foi para Timor, apesar da longa distância, chegou
- Relevante, porque Portugal usa o mar no seu interesse; lá antes que se organizasse a força terrestre da ONU para a segurança e reconstru-
- Pronta, porque capaz de ser empregue quando requerido; ção do país; ainda os órgãos de comunicação social tinham acabado de anunciar que
- Flexível, porque encara os desafios como oportunidades; Portugal aceitara enviar uma corveta para a missão da UE de controlo da migração
- Coesa, porque sustentada numa sólida cultura; na região Cabo Verde/Canárias, e preparavam-se para desenvolver o debate sobre
este teme, já a corveta estava a chegar à área de missão.
- Prestigiada, porque reconhecida pelos nossos concidadãos e pelos Recentemente, os jornais apresentaram quadros com o resumo da presença militar
países amigos. portuguesa nas diversas missões internacionais. Foi omitida a presença da corveta
Acredito, por tudo o que fica dito, que há a garantia firme de encarar “Baptista de Andrade” em Cabo Verde, em missão do âmbito da União Europeia.
o futuro com confiança e determinação, certo de que saberemos manter Aliás, é raríssimo incluir na nossa colaboração militar junto das Organizações inter-
a eficácia, a dignidade e o prestígio da Marinha, não regateando esforços nacionais o navio que frequentemente está integrado nas forças navais da NATO.
A intervenção do poder naval tem sido frequentemente solicitada porque este
pelo País. Para isso, devemos manter uma postura firme na defesa, empe- mantém o valor de sempre em quase todas as circunstâncias.
nhada na segurança e parceira no desenvolvimento. Z
A Marinha tem o País no coração. Fazer bem é o nosso lema, fazer António Emílio Sacchetti
mais e ainda melhor é a nossa ambição. Z VALM
8 NOVEMBRO 2006 U REVISTA DA ARMADA