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A MARINHA DE D. JOÃO III (17)
Diu, praça portuguesa
Diu, praça portuguesa
ratado que foi o assunto Vaz Sampaio saber da sorte que estava, mandou Gaspar sequer condições para atacar uma posição
e despedidas as naus para o reino, Pães”, para que espiasse como estavam as fortificada em terra. A sua dimensão e capa-
Tnão sentia Nuno da Cunha nenhuma relações do novo capitão de Diu com o rei de cidade adequar-se-ia a um combate naval, se
razão para estar em Coxim, porto onde, por Cambaia, as possibilidades de apoio e reforço os inimigos cometessem a imprudência de a
força, teria de ser embarcada a pimenta que da cidade e as condições da sua própria de- tentar defrontar, mas não estava preparada
vinha para a Europa. Na mesma altura deci- fesa. Enquanto isto, António da Silveira se- para forçar a entrada numa fortaleza bem
diu partir para Goa, levando consigo Afonso guiu para Cambaia com uma esquadra que defendida, enquadrada no meio de canais
Mexia, o vedor que estivera no centro do con- pôs toda a região a ferro e fogo, atacando de de mar que nunca seria fácil atravessar sob
flito das sucessões anteriores, a casa dos con- forma directa os apoios que envolviam Diu, o fogo dos defensores. Depois de vários dias
tos, a matrícula e os respectivos oficiais. A me- quer pela destruição de meios de subsistên- de combates de artilharia, que não tiveram
dida pareceu ao rei de nenhuma consequên-
Coxim tão radical que a cia, domingo, dia 1 de
tomou por uma afronta, Março de 1531, retirou-
que só viria a ser atenua- -se de Diu, deixando
da pela argumentação no Golfo de Cambaia
de António Saldanha uma esquadra coman-
que ali ficaria por capi- dada por António Sal-
tão. Explicou ele ao rei danha, com os objecti-
de Coxim, que o des- vos do costume: lançar
locamento para Goa se o terror nas povoações
devia ao empenho que ribeirinhas e atacar to-
tinha nas operações de dos os navios que dali
Cambaia – especialmen- se aproximassem para
te contra Diu – para as comércio. Era, digamos,
quais a posição mais uma pequena desforra
a norte lhe dava mais que dava continuidade
facilidade de controlo à pressão exercida até
e acção. Era uma argu- aí, com o objectivo de
mentação de circuns- manter a instabilidade
tância, como bem se via, Fortaleza de Diu. em Diu e no reino de
porque Nuno da Cunha Gaspar Corrêa – Lendas da Índia. Cambaia.
tinha intenções claras de fazer uma verdadei- cia em terra, quer pelo corte da via comercial. Apesar deste insucesso, a estratégia do Go-
ra capital do Estado da Índia em Goa, e para Entretanto, por toda a Índia se preparava a vernador mantinha-se, sendo óbvio que es-
isso deveria ter recebido instruções régias. maior esquadra portuguesa que alguma vez preitava uma oportunidade de voltar a Diu,
Este problema tinha antecedentes que já fo- se fizera nos mares da Índia. Construíram-se mantendo, nesse sentido, o bloqueio naval
ram abordados em números anteriores. Co- a alugaram-se navios, contratou-se gente de a Cambaia. Há dois momentos importantes
xim era o porto abastecedor de pimenta que mar e de guerra, recolheram-se abastecimen- para as forças portuguesas: os ataques a Ba-
obtivera a protecção portuguesa na rivalida- tos, fizeram-se contratos, reuniu-se artilharia çaim (1533) e a Damão (1534), de que resulta-
de de Calecut. Ali se juntou o principal en- e fabricou-se pólvora. O ano de 1530 assis- ram a destruição das fortalezas inimigas, sem
treposto português e ali estavam os fidalgos tiu a uma actividade que não deixava dú- possibilidade de ocupar essas posições. Elas
e altos funcionários mais próximos da via vidas sobre a grandeza do empreendimen- seriam paradigmáticas da pressão sentida por
comercial da presença portuguesa na Índia. to em preparação. Goa tornou-se pequena Cambaia, que ajudariam a que as circunstân-
Era, no fundo um conflito que vinha desde para albergar todos os meios e, no princípio cias políticas internas acabassem por permitir
Albuquerque, que estivera adormecido na de Janeiro de 1531, o governador mandou a sonhada ocupação e fortificação de Diu. O
fase seguinte, mas que agora voltava e ga- uma parte dos navios para Chaul e, daí, para problema é complexo e não vou desenvol-
nhava, de facto, uma particular importância Bombaim onde fez alardo de todos os navios vê-lo para além da referência ao ataque dos
quando parecia haver um plano de domínio e pessoal. Mogores, vindos do vizinho reino de Deli.
naval, que passava pela conquista de Diu. Aparentemente, Nuno da Cunha contava Isso significou uma dupla ameaça que levou
Eu devo salientar, no entanto, que não têm que tamanha concentração de navios impres- o rei a pedir ajuda a Nuno da Cunha. Tentou
razão os historiadores que vêem nesta pas- sionasse o capitão de Diu ao ponto de se ren- conter as cedências na autorização da cons-
sagem para Goa, o esboço de um domínio der sem combate, permitindo a construção trução de uma fortaleza em Baçaim, mas tudo
territorial, porque o raciocínio de ocupação de uma fortaleza portuguesa. Gaspar Correia lhe correu mal. É Martim Afonso de Sousa,
de espaços está claramente virado para pon- diz-nos que assim o revelou ao seu conselho, chegado à Índia em 1534 e protagonista do
tos importantes de uma estratégia marítima, acrescentando que, se não o conseguisse, de- ataque a Damão, quem virá a tomar posse
e os argumentos presentes têm esse sentido veria retirar-se. A verdade é que o espectáculo oficial da cidade de Diu onde de imediato se
preciso. Passar a capital para Goa fora o so- que foi dando durante os meses de Janeiro e começou a construir uma fortaleza portugue-
nho de Albuquerque, que agora se realizava, Fevereiro, até surgir em frente daquela pra- sa. Iniciava-se uma presença que, apesar dos
numa oportunidade específica que tem di- ça, leva a crer que assim poderia ser. Não se violentos ataques a que foi sujeita, se manteve
versos componentes, mas onde sobressaem compreende tanta hesitação e perda de tem- até ao século XX.
os preparativos para ir ocupar Diu. po, que, no fundo, acabaram por provocar Z
“O Governador, tornado a Goa com o gran- um reforço da defesa, tornando impossível a J. Semedo de Matos
de cuidado que tinha no feito de Dio, pera conquista. Na verdade, a esquadra não tinha CFR FZ
16 NOVEMBRO 2006 U REVISTA DA ARMADA