Page 237 - Revista da Armada
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2ª PARTE
Nos 450 anos do estabelecimento
Nos 450 anos do estabelecimento
dos portugueses em Macau
dos portugueses em Macau
JORGE ÁLVARES: O PRIMEIRO 1513, voltando à China na frota de Fernão Pe- enviada à China. Em 1517 partiu de Mala-
MARINHEIRO PORTUGUÊS res de Andrade quatro anos mais tarde e na de ca uma frota de sete navios comandada por
EM COSTAS CHINESAS Simão de Andrade, em 1519, já que a sua expe- Fernão Peres de Andrade, levando a bordo o
riência era demasiado valiosa para ser desper- experiente Jorge Álvares e o boticário e natu-
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orge Álvares foi, em 1513, o primeiro por- diçada e, quem sabe, porque quereria também ralista Tomé Pires [6]. Fernão Peres tinha ido
tuguês a viajar por mar até à China. Jorge melhorar a sua situação patrimonial. Segundo para Goa com o novo Governador Lopo Soares
Jde Albuquerque, capitão-mor de Malaca e o Pe. Manuel Teixeira [21], Jorge Álvares, fasci- de Albergaria, fazendo a viagem já designado
sobrinho do conquistador da cidade, fez de Ál- nado pela China, não terá regressado de uma como futuro capitão-mor de uma esquadra
vares o seu enviado à China, na qualidade de quarta viagem, realizada na monção de 1521. destinada a “descobrir a China”.
escrivão e consequente guardião dos interes- Outras referências, no entanto, estabelecem Embarcou pilotos chineses em Malaca, che-
ses oficiais, embarcado num juncoadqui rido um fim bem menos romântico para o nosso gando às águas de Cantão em Agosto. Entrou
na região. Este junco, carregado de pimenta e herói, fixando a sua morte naquele mesmo em contacto com a autoridade marítima, a
armado a meias com um mercador do Coro- ano de 1521. quem declarou o propósito de desembarcar
mandel, viajou na companhia de outros qua- Estava, de qualquer modo, aberta a rota que, um enviado do rei português para contactos
tro, propriedade deste mesmo comerciante. A com base logística e comercial em Malaca, ha- com o imperador. Depois de alguns jogos de
frota representava uma conjugação de inte- veria de ocupar os mercadores portugueses luzes e sombras diplomáticas com o digni-
resses da Coroa, através da sua representação durante as próximas décadas. A viagem para tário chinês, impaciente pela demora na res-
local, e de comerciantes privados, numa posta quanto ao prosseguimento da sua
parceria que haveria de se repetir no de- viagem até Cantão, Fernão Peres decidiu-
curso da próxima década. -se a subir o rio mesmo sem estar formal-
Jorge Álvares aportou e levantou pa- mente autorizado para tal.
drão na ilha de Lintin, chamada pelos Chegado a Cantão, fez-se anunciar com
portugueses de Tamão ou Tumen. A ilha estrondo sonoro e visual, disparando pól-
situava-se no estuário do rio de Cantão, vora e embandeirando em arco. O seu
a cerca de vinte quilómetros desta cida- propósito seria apenas de revestir a sua
de, que era o grande centro mercantil do chegada de tons solenes e festivos, mas
sul da China. O levantamento do padrão a autoridade local não apreciou a exibi-
reflecte uma reclamação de extraterri- ção, que terá tomado por mostra de for-
torialidade por parte dos portugueses, ça e não de pacíficos intentos diplomáti-
idêntica à que adoptaram no seu percur- cos. Depois de esclarecimentos mútuos e
so até à China. apesar de alguma desconfiança natural e
Na época, os contactos da China com de um início pouco prometedor, Fernão
estrangeiros eram muito irregulares e, Peres acaba por desembarcar Tomé Pires
quando aconteciam, subordinavam-se Junco da época em que Jorge Álvares viajou para a China. e os presentes destinados ao Imperador
ao princípio da superioridade dos costumes Cantão, tornada regular, realizava-se em Mar- em Pequim.
locais, bem como à presunção de que o sobe- ço ou Abril, com regresso na monção de Maio e No entanto, ainda em resultado da sua rui-
rano do reino de origem dos visitantes era, por demorava vinte a quarenta dias, em qualquer dosa chegada a Cantão, Pires vê congelada a
natureza, tributário do Imperador da China. dos sentidos. desejada autorização de viagem para Norte,
Pela novidade da sua morfologia e atitudes, que não aconteceria antes de Janeiro de 1520.
os primeiros portugueses chegaram a ser vis- OS IRMÃOS PERES DE ANDRADE: Fernão Peres demorou-se ainda mais algum
tos como uma espécie de demónios com pro- UM HERÓI, O OUTRO VILÃO? tempo pelo sul da China, partindo em 1518 de
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pensões canibais, apresentando apenas leves regresso a Goa. Voltou a Lisboa em 1520, onde
semelhanças com seres humanos [8]. Os primeiros contactos entre portugueses relatou minuciosamente ao Rei os seus feitos
A aprendizagem da nova realidade prome- e chineses surgem relatados, no período aqui e observações.
tia ser longa e, por vezes, dolorosa. abordado (1509-1557), através de alguns episó- Ao invés, exemplo de um relacionamento
O futuro de Jorge Álvares, depois da sua dios com êxito comercial e diplomático, a par infeliz e tempestuoso foi o da expedição se-
viagem inicial ao delta do rio de Cantão, está de outros tantos que foram mal sucedidos. guinte, comandada por Simão de Andrade,
ainda rodeado de alguma obscuridade. Re- Como exemplo dos casos de sucesso refere- irmão de Fernão Peres. Esta frota partiu da
gressou a Malaca após a primeira viagem em -se a primeira embaixada digna desse nome Índia em 1519, com destino a Cantão. Aqui
REVISTA DA ARMADA U JULHO 2007 19