Page 272 - Revista da Armada
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O CANAL (RENOVA
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               ma expedição comandada por Martin Fernández Enciso,  trabalhos de campo começam enfrentando grandes dificuldades,
               de que fazia parte Vasco Nuñes Balboa, funda, em 1510,  onde a de maior importância é o elevadíssimo número de mor-
         Ua vila de Santa Maria del Darién na costa norte do istm o,  tes, devido à malária e à febre amarela que, aliás, já se tinha ve-
         actualmente entre o Panamá e a Colômbia. Os colonos não acei-  rificado quando da construção do caminho de ferro, como atrás
         tam a actuação de Enciso e depõem-no, possivelmente com a  referimos. Resultado: ao fim de oito anos a companhia entra em
         ajuda de Balboa. Ficando encarregado do governo da colónia,  falência. Falência que será seguida de um prolongado processo
         Balboa acompanhado de 190 homens, atravessa o istmo e, do  contra os administradores da referida companhia, alguns dos quais
         alto de uma serra, descobre no dia 25 de Setembro de 1513, o  são acusados de corrupção de parlamentares. O escândalo polí-
         Oceano Pacífico, que toma posse em nome da coroa de Caste-  tico-financeiro, que ficou na História como o Affaire du Panamá,
         la. Balboa envia notícia da descoberta para a corte. Todavia, os  abala a III República. Lesseps, seu filho Charles e outras figuras
         seus inimigos conseguem a nomeação de um novo governador,  destacadas do país são condenadas.
         Pedrarias Dávila.                                     Depois de numerosas vicissitudes, o governo americano toma
           Balboa cai em desgraça, acabando por ser executado na praça  conta do processo, indemniza uma Nova Companhia do Panamá
         pública no ano de graça de 1517.                     que, em França, no ano de 1894, se tinha constituído para subs-
           O Pacífico foi um oceano privilegiado para os Espanhóis, as-
         sim como o Índico foi para os Portugueses. Pelas águas daquele
         extenso mar transportaram-se enormes riquezas, em especial o
         ouro e a prata do Perú, que em seguida atravessavam o istmo en-
         tre os dois continentes americanos sobre o dorso de mulas, que
         se constituíam em enormes comboios. Na costa atlântica, o em-
         barque fazia-se em navios a partir de Nombre de Dios e, depois,
         no século XVII, de Portobelo com destino a Espanha.
           O istmo foi, portanto, uma indesejável barreira à circulação
         das cargas que seguiam para Espanha e, houve quem propuses-
         se rasgá-lo para que fosse possível a passagem franca dos navios
         entre os dois oceanos. Fernando Cortez admitiu que a passagem
         se fizesse em Tehuantec (México). Carlos V, em 1523, chegou a
         ordenar que se fizesse um levantamento para se escolher o me-
         lhor local para rasgar o istmo.
           António Galvão interessou-se, também, por este assunto. Filho
         de Duarte Galvão, cronista-mór do reino, aquele ilustre português,
         que foi governador das Molucas, deixou a seu amigo Francisco
         de Sousa Tavares um manuscrito que foi publicado em 1563, seis
         anos após a morte do autor. Nesta obra que, na sua primeira edi-
         ção tem o título Tratado que compôs o nobre & notauel capitão
         Antonio Galuão...são propostas quatro soluções para o traçado
         do canal entre os dois oceanos. A primeira no actual México, al-
         cançando o Pacífico em Tehuantepec; uma segunda atravessando
         o lago Nicarágua; uma terceira que não diferia grandemente do
         traçado do canal que veio a ser construído; e, por fim, uma outra
         precisamente entre os golfos de Uraba e de S. Miguel, muito pró-
         ximo do território que é hoje a Colômbia.
           É curioso notar que, passados três séculos, quando os Estados
         Unidos se debruçaram, mais atentamente, sobre o traçado deste
         canal, foram consideradas as soluções propostas por Galvão à ex-
         cepção da situada no México. Mas, entretanto, outras propostas
         foram surgindo. No princípio do século XIX, o cientista alemão
         von Humboldt interessa-se pelo projecto. Em 1826 chega mesmo
         a constituir-se a Companhia Americana do Canal Marítimo Pacífi-
         co-Atlântico, para a construção de uma via que passava pelo lago
         Nicarágua, que não vai por diante. A descoberta de ouro na Ca-
         lifórnia, em 1848, estimula os Estados Unidos pelo assunto, mas
         sem resultados concretos. De 1850 a 1855 constrói-se uma linha
         de caminho de ferro no istmo, que vai de Colombo a Panamá,
         mas este empreendimento faz-se à custa de numerosas vítimas,
         dada a insalubridade da região.
           Todavia, o grande impulso para a construção do canal deve -se
         a Ferdinand Lesseps, que alcançou grande prestígio, e com razão,
         ao terminar - sem dúvida - a maior obra do século: a abertura do
         Canal de Suez que é feita em dez anos, apesar da interrupção de
         três anos devido a pressão inglesa. A inauguração faz-se, com
         grande e merecida pompa, em Novembro de 1869 .
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           Entusiasmado com o sucesso, Lesseps elabora um projecto para
         abrir o futuro canal do Panamá, que é aprovado pelo Congresso
         de Engenheiros reunido em Paris no ano de 1879. No ano seguin-
         te, Lesseps constituiu a Companhia do Canal Interoceânico. Os

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