Page 269 - Revista da Armada
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Foi durante esta crise que o “Príncipe” mui-  cado uma semana, em Aveiro,a acompanhar a  como do “Sal” donde o Cordeiro de Castro
         to colaborou no esforço das autoridades locais  Feira da Cidade, sendo visitado por inúmeros  tinha vindo em nosso auxílio. Não deixei de
         para resolver os problemas surgidos naquela  curiosos que, em bicha, aguardavam a sua vez  sentir um calafrio ao pensar no que podia ter
         emergência. Assim, para o transporte de víve-  de entrar no navio já superlotado!  acontecido ao navio se o fim de semana tives-
         res das outras ilhas para a Horta e o transporte   Soubemos, entretanto, que nos aguardava  se sido mais comprido!
         de desalojados do Faial para fora, o navio foi  nova estadia nos Açores com partida marcada   À primeira sensação de derrota, preven-
         chamado a fazer, várias vezes, os percursos  para Junho próximo. Tudo corria pelo melhor  do a natural substituição do “Príncipe” por
         inter ilhas. As estadias na Horta deram-nos,  com a guarnição pronta e desejosa de iniciar  outro Patrulha, em Junho próximo, seguiu-
         entretanto, o ensejo de ir ver o fenómeno ao  nova comissão.          -se uma resposta vigorosa da guarnição, face
         vivo. Ia-se de automóvel até ao ponto mais   Mas o Destino reserva-nos surprezas ines-  ao desafio: “ se formos capazes de, no tem-
         perto possível, dentro do que era considera-  peradas e, pouco mais de um mês antes de  po que ainda nos resta, reparar os estragos
         do seguro, e aguardava-se, pacientemente,  partirmos , aconteceu algo que, se não fosse o  que a inundação causou no compartimen-
         pela próxima erupção que, geralmente, não  entusiasmo, a noção do dever e o dinamismo  to dos motores, não está nada perdido!” E,
         se fazia esperar durante muito tempo.                                       da resposta, passou-se á acção com
         E, depois, era maravilharmo-nos com                                         entusiasmo e responsabilidade, com
         as explosões de fúria do monstro que                                        algum auxílio exterior, também, no
         projectavam, à altura de quilómetros,                                       pouco que não estava ao nosso al-
         uma nuvem negra de detritos vul-                                            cance remediar...
         cânicos e cinzas, com uma violência                                           E, em Junho, o “Príncipe” largava
         incomparável e dentro da qual es-                                           de novo para os Açores, como previs-
         talavam relâmpagos e faíscas como                                           to, escalando, desta vez, o Funchal e
         numa autêntica tempestade eléctrica.                                        Porto Santo onde o navio permane-
         A verdadeira dimensão dessas nuvens                                         ceu alguns dias (uma recompensa?
         podia avaliar-se pela elevada altura                                        talvez..). Esta segunda comissão, em
         da torre do farol dos Capelinhos que,                                       serviço SAR, foi, como dizem os In-
         entretanto, face á nuvem piroclástica,                                      gleses, “uneventfull” e, para além das
         parecia ser anã.  O som que o fenóme-  Erupção vulcânica junto ao Farol dos Capelinhos.  normais saídas em manobras ou para
         no provocava só era comparável ao de                                        adestramento da guarnição, apenas
         dezenas de trovoadas simultâneas.  da guarnição, teria impedido o navio de se fa-  se distinguiu da anterior por uma maior per-
           Esses percursos inter ilhas do navio eram,  zer de novo ao mar em tão pouco tempo.   manencia na ilha do Faial onde o vulcão dos
         por vezes, aproveitados por elementos da De-  Recordo-me de sair de bordo, depois do  Capelinhos já cessara a sua actividade. Em
         fesa Marítima ou mesmo por outras entidades  Comandante, numa sexta-feira à tarde, com  Novembro o navio regressou ao Continente
         não militares, autorizadas para terem a opor-  tudo normal, para gozar um merecido fim de  escalando novamente a ilha da Madeira para
         tunidade de observar, de perto, tão insólito  semana. Na segunda-feira, quando, pouco  descanso da guarnição.
         acontecimento. Recordo uma dessas idas até  antes das nove horas, regressei ao navio, que   Destacado para novas funções, aqui acaba-
         ao vulcão com o 1º Tenente Junqueira e esposa  estava atracado ao “Sal” num dos Duques  ria, para mim, o tão instrutivo e estimulante
         e, noutra ocasião, a presença, a bordo, de dois  de Alba  da B.N.L., estranhei verificar que a  período a bordo dos patrulhas.
         cientistas bem conhecidos do meio naval, que  linha de água tinha desaparecido e o convés   Recentemente, a 15 de Maio, tive o prazer
         nos acompanharam de Ponta Delgada até ao  estava muito abaixo do do “Sal”! Logo que  de voltar a encontrar-me com a Professora
         Faial em missão de estudo daquele fenómeno.  entrei a bordo fui informado do que acon-  Dra. Raquel Soeiro de Brito, em simpático al-
         Eram eles o Professor Dr. Orlando Ribeiro que  tecera, no fim de semana, sem que o pessoal  moço na Academia de Marinha, na companhia
         já não se encontra entre nós há vários anos e a  de serviço disso se tivesse apercebido: Uma  dos meus camaradas de Escola Naval Almi-
         Professora Dra. Raquel Soeiro de Bri-                                       rante  Ferraz Sachetti e Comandante
         to, hoje mui digna Vice-Presidente da                                       Cyrne de Castro. Tivemos oportuni-
         Academia de Marinha.                                                        dade de apreciar a interessantíssima
           Infelizmente, o mar dos Açores,                                           colecção de slides da Prof. Dra. Ra-
         como é seu hábito frequente, não                                            quel, relativos ao vulcão dos Capeli-
         colaborou minimamente, como era                                             nhos que documentam, com realismo,
         nosso gosto, para uma recepção con-                                         a evolução do fenómeno  ao longo das
         digna e agradável a tão ilustres hós-                                       várias épocas da sua existência.
         pedes do navio, martirizando -os com                                          Foi muito agradável recordar, em
         a natural reacção de quem não está                                          amena conversa, todos esses tempos,
         habituado ao violento balanço de                                            agora  tão longínquos.
         um navio pequeno em mar tão agi-                                              Enfim, como diz o ditado, “recor-
         tado. O incómodo que tal situação                                           dar é viver”!
         acarretava deixou -nos sinceramente                                                                   Z
         arreliados pois, embora a culpa não   O Prof. Doutor Orlando Ribeiro, o Engº Frederico Machado e a Doutora   Tomás George Conceição Silva
                                        Raquel Soeiro de Brito a bordo do “Príncipe” a caminho dos Capelinhos.
         fosse nossa, tínhamos a noção de que                                                           Gen. da F.A.P.
         os hóspedes que quiséramos obsequiar, lem-  válvula de circulação da água de refrigera-  Fotos do autor.
         brar-se-iam sempre, com desagrado, da cur-  ção dos motores tinha ficado encravada e o   Nota:
         ta, mas demasiado acidentada, viagem que  navio esteve a meter água, para o respectivo   Os meus agradecimentos ao Almirante Roque Martins
         haviam feito no “Príncipe”...      compartimento, durante todo aquele tempo!   por me ter cedido o 9º volume da publicação “Setenta e
                                                                               Cinco Anos no Mar” do Com.te Sousa Mendes (ao tempo
           No princípio de Novembro de 1957 regres-  Não me esqueço da cara de espanto do Co-  no Comando da Defesa Marítima dos Açores) o qual me
         sámos ao Continente ficando o navio atracado  mandante quando, mais tarde, ao chegar ao   permitiu actualizar a minha memória essencialmente na
         na Base Naval de Lisboa. Durante esse período  navio, deparou com um espectáculo que mais   cronologia e datas dos episódios  relatados.
         fizeram-se várias saídas para adestramento da  parecia uma reprodução da Fonte Lumino-  Ao meu irmão, Com.te Guilherme Conceição Silva,
         guarnição e manobras ao Sul de Sezimbra  e ao  sa! De bordo elevavam-se, para fora, vários   por me ter facultado os extractos do “Le courrier du
                                                                               Cap” da “Association Internacionale des Capitaines au
         longo da costa da Galé juntamente com o P591,  poderosos jactos de água provenientes das   long cours Cap Horniers – Saint Malo” donde extraí os
         “Fogo”. Em Março esteve o “Príncipe” desta-  bombas “Handy-Billy” não só do “Príncipe”   detalhes relativos ao afundamento do “Pamir”.
                                                                                     REVISTA DA ARMADA U AGOSTO 2007  15
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