Page 267 - Revista da Armada
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alarme dado por toques consecutivos do si-  Eu tinha várias fotografias do “Sal”, a preto   Em Setembro de 1957, o  “Príncipe” esta-
         nal sonoro do navio. Claro que isso limita-  e branco, tiradas de perfil, durante as nossas  va em S. Miguel, de alerta, durante o apa-
         va o raio de acção das “incursões” terrestres  saídas em comum. Tinha a bordo, como de  recimento nos Açores do fortíssimo ciclone
         pelo que os “mais habilidosos” procuravam  costume, para além da minha Leica M3, o  “Carrie” que tinha atravessado o Atlântico e
         aumentá-lo utilizando os possíveis artifícios  meu projector de slides. Nessa noite, á dis-  chegava, agora, vindo de SW. O espectáculo
         ao seu alcance. Era, no meu caso, o que con-  tância correcta para uma imagem de dimen-  da rebentação das enormes vagas oceânicas
         seguia com a “poderosa big five”, a minha   sões generosas, projectou -se, na parede escu-  levantadas pelo vento ciclónico contra o mo-
         A.J.S. de dois cilindros e 500 cm. cub. que  ra do molhe, uma fotografia do “Sal”, irmão  lhe do Porto de Ponta Delgada, ultrapassan-
         alargava, convenientemente, esse raio de ac-  gémeo do “Príncipe”. Sendo um negativo,  do-o a enorme altura, tinha já atraído grande
         ção, agora limitado, apenas, pela distância a  a imagem do navio aparecia muito lumino-  número de populares que, ao longo da mar-
         que o alarme podia ser ouvido.                                                   ginal, mais ou menos protegi-
         Acompanhou-me, nas duas                                                          dos pelos edifícios, apreciavam
         comissões que fiz nos Patru-                                                      aquela magnífica demonstra-
         lhas, devidamente embarca-                                                       ção de fúria da Natureza. Exis-
         da e protegida no parque da                                                      tiam já prejuízos, tanto na cida-
         “Bofors”.                                                                        de, com árvores arrancadas,
           Aparte os períodos de aler-                                                    vidros partidos, telhas levan-
         ta em que, no respectivo Pa-                                                     tadas, como no próprio porto
         trulha, o serviço se limitava                                                    onde duas pequenas embar-
         ás normais rotinas de bordo, o                                                   cações, provavelmente menos
         navio de folga era frequente-                                                    bem amarradas, tinham vindo
         mente chamado a navegar en-                                                      embater  na muralha interior,
         tre as ilhas para adestramento                                                   junto á marginal, empurradas
         da guarnição, em missões de                                                      pelas ondas alterosas, ficando
         transporte de pessoal ou ví-                                                     com os cascos danificados.
         veres, em permanências nas                                                        Alguns elementos da guar-
         outras ilhas, nomeadamente                                                       nição estavam em terra. A po-
         no Faial e em manobras con-  A “Poderosa Big Five”.                              sição, perfeitamente segura, em
         juntas com os dois navios, determinadas  sa no fundo escuro. Foi, assim, fácil, para os  que os Patrulhas se encontravam, atracados
         pelo Comando da Defesa Marítima (em que,  “artistas”, delinearem, com a maior exacti-  ao molhe interior,  não era de molde a exigir a
         normalmente, embarcavam o próprio Co-  dão, o seu perfil.  Claro que depois, durante  permanência de todo o pessoal a bordo numa
         modoro Comandante e outros oficiais do Es-  a pintura nas suas cores naturais, foi o P 581  tal situação.  Estando em terra a fotografar o
         tado-Maior, que, assim, faziam as suas horas  que apareceu no mural, com a lista de toda a  espectáculo, lembro-me do espanto que senti
         de navegação). Os períodos nas outras ilhas,  guarnição ao lado.      quando comecei a ouvir os intermitentes ape-
         fora de Ponta Delgada, com o navio “livre”   Quando, vinte e cinco anos mais tarde, nas  los do sinal sonoro do navio. Uma saída com
         do companheiro de missão, eram, por vezes,  minhas longas permanências  oficiais açore-  tal estado do tempo e mar era pura locura!  Re-
         aproveitados para as pinturas de casco e su-  anas e frequentes visitas ás diferentes ilhas,  gressei depressa a bordo para ficar a saber que
         perestruturas que a longa permanência nos  procurei a “marca” da passagem do “Prín-  um navio escola da Marinha Mercante Alemã,
         mares dos Açores, por vezes bastante agita-  cipe” por aquelas paragens, tive a triste de-  o “Pamir”, irmão gémeo do “Passat”, grandes
         dos, acabavam por exigir.          silusão de ver que, no local onde presumi-  veleiros de quatro mastros que faziam escala
           Também, para cumprir a                                                         entre a América do Sul e Ham-
         tradição de todos os mari-                                                       burgo, estava em situação mui-
         nheiros que escalavam o Por-                                                     to difícil, a mais de seiscentas
         to da Horta, na ilha do Faial,                                                   milhas náuticas a SW dos Aço-
         era imperativo que a imagem                                                      res. Enviara uma mensagem
         do “Príncipe”  ficasse grava-                                                     rádio aflitiva: “4 masted barque
         da, em adequada dimensão,                                                        Pamir in severe hurricane – po-
         na parede de pedra do mo-                                                        sition 35º 57`N, 40º 20`W – all
         lhe, frente à posição em que                                                     sails lost – 45º list – ship is taking
         o navio estava atracado. Mui-                                                    water – danger of sinking”. Ha-
         tas pinturas atestavam a pas-                                                    via que (tentar...) ir ao seu en-
         sagem de outras guarnições,                                                      contro o mais depressa possível.
         nacionais ou estrangeiras, com                                                   Rápidamente se iniciou a faina
         os respectivos nomes e, por ve-                                                  e, em menos de um quarto de
         zes, com esboços mais ou me-                                                     hora, o navio estava pronto para
         nos perfeitos das imagens dos                                                    partir. Á cautela, determinei a
         respectivos navios. A imagem                                                     todo o pessoal que envergasse
         do nosso, navio da Armada   Pintura do NRP “Príncipe” na muralha do porto da Horta.  os coletes salva-vidas, medida
         Portuguesa, tinha que ser, sem hesitações, a  velmente estaria aquela tão bem conseguida  talvez exagerada que poderia criar desneces-
         melhor e mais bem pintada delas todas!  obra, não havia qualquer vestígio, porque o  sária apreensão na guarnição, facto para o qual
           Recordo o salutar entusiasmo da guarni-  tempo (o mau tempo...) se encarregara de a  me alertou o Comandante. Mas, face ao que
         ção quando a nova tarefa de “pintar o navio”  apagar ou porque, á falta de mais espaço, ou-  se seguiria, talvez não tivesse sido assim tão
         lhes foi comunicada e como logo aparece-  tros tinham pintado por cima dela a sua pró-  despropositada...
         ram dois artistas voluntários para o traba-  pria marca. Mas não é assim a vida?   O alerta não tinha sido ouvido só pela guar-
         lho. Entretanto, a exigência de fidelidade e   Desse período de permanências nas mis-  nição. A demonstrá-lo estava a aglomeração
         perfeição pretendidas não se compadeciam,  sões de busca e salvamento nos Açores, re-  de povo que se juntara na marginal para ver,
         mesmo com a natural habilidade  desses vo-  cordo três situações características que me  agora, um espectáculo muito mais fascinante:
         luntários e, assim, foi adoptada uma solução  impressionaram profundamente, se bem que  como é que o pequeno Patrulha ia conseguir
         mais pragmática embora menos “artística”:  por motivos diferentes:    vencer aquele mar alteroso? O Comandante
                                                                                     REVISTA DA ARMADA U AGOSTO 2007  13
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