Page 364 - Revista da Armada
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MENSAGEM DE NATAL



              MUITO MAIS DO QUE “DAR”,
              MUITO MAIS DO QUE “DAR”,

                                     “DARMO-NOS”
                                     “DARMO-NOS”


           “… e abrindo os seus cofres deram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra”
                                                      (Mt. 2,11)

               ale a pena saborear este conto:                 Nesta época tão especial em que para muitos milhões se revisita o “aconteci-
                 “Um caçador saiu para caçar.                 mento mais” da história da humanidade, partilhamos convosco o nosso olhar,
         V  Percorreu planícies e passado algum tempo disparou contra  sustentados no acontecimento de Belém.
         um pintassilgo.                                       Para além de outras abordagens certamente válidas que esta quadra sempre
            Este, ferido numa asa, caiu sem que o caçador o tivesse encontrado.  tem o condão de suscitar, há um exercício que é incontornável nestes dias: desde
           Durante algum tempo, o pintassilgo conseguiu sobreviver com aqui-  os mais pequenos aos maiores estamos preocupados com o que vamos oferecer e
         lo que encontrava.                                   eventualmente ansiosos com o que vamos receber.
           Era Outono e havia sempre uns grãos perdidos pelos campos.    Apesar de constrangimentos vários e não obstante a nossa proverbial crítica
           Uma fria manhã, procurando desesperadamente alguma coisa para  aos defeitos de uma sociedade desregradamente consumista, também nós, vamos
         comer, o pintassilgo esvoaçou e foi poisar num espantalho.  ser protagonistas no momento de visitar as “grandes superfícies”.
           Era um espantalho muito amigo dos pássaros. Tinha o corpo de palha   Perdoem-nos o à vontade: o “dar” vai ser um gesto apreciado por quem “rece-
         metido num velho fato de cerimónia.                                         ber”, mas “não vai doer muito”
            A cabeça era uma grande abóbora                                            Vai doer imensamente mais quando mi-
         e duas nozes faziam de olhos. Gentil                                        lhares de voluntários, dando-se (as suas
         como sempre, perguntou-lhe:                                                 pessoas e o seu tempo) colaborarem com
           - Que se passa pintassilgo?                                               várias instituições na recolha de alimen-
           - O frio está a matar-me e não te-                                        tos e que prescindindo do calor dos seus
         nho onde me refugiar. Também tenho                                          lares se sentarem à mesa com um ” sem
         muita fome.                                                                 – abrigo “.
           - Não tenhas medo. Já que estás                                             Nessa mesa, mesmo que não seja convi-
         com frio, refugia-te aqui debaixo do                                        dado, o “Natal” vai estar sentado.
         meu casaco. A minha palha está seca                                            Revisitando as primeiras linhas desta
         e quente.                                                                   mensagem, o ”espantalho” num assomo de
           Restava o problema do alimento.                                           grande nobreza deixou de existir. Esqueceu-
           Tornava-se cada vez mais difícil para                                     se de si. Deu-se.
         o pintassilgo encontrar sementes.                                             Num mundo, em que com alguma legiti-
           Um dia, o espantalho disse-lhe:                                           midade (mas não toda) os projectos de cada
           - Pintassilgo, vejo que estás com                                         um é que são prioritários, este é certamente
         fome. Come os meus dentes: são ópti-                                        um modo de estar na vida “muito à frente”,
         mos grãos de milho.                                                         mas que é subscrito por muitos dos nossos
           O pintassilgo, surpreendido por tal                                       semelhantes. Talvez o que se senta ao teu
         generosidade, respondeu:                                                    lado, mas que por modéstia não to diz.
           - Mas tu ficarás sem dentes!                                                  Para esses o Natal não foi há 2000 anos.
           - Não importa.                                                            Porque eles não deixam. Porque se “dão”.
           E passou a sorrir-lhe com os seus                                           Os Magos, que segundo S. Mateus vi-
         olhos de noz.                                                               sitaram Jesus, deram-lhe presentes. Para
           Alguns dias depois foi a vez do na-                                       gente seguramente bem remediada como
         riz de cenoura.                                                             seriam eles, isso foi o mais fácil.
           O espantalho, numa das visitas que                                           Mas o mais difícil também já eles tinham
         o pintassilgo lhe fez, disse -lhe:                                          feito: tinham deixado os seus projectos come-
           - Come-o. É rico em vitaminas.                     zinhos, inebriados pela alegria de poderem encontrar uma estrela. Não descansa-
           Chegou depois a vez do espantalho lhe oferecer as nozes que serviam  ram enquanto não a encontraram.
         de olhos.                                             Os Magos “deram” e “deram-se”.
           O pintassilgo perguntou-lhe:                        Milhões e milhões fizeram o mesmo ao longo de séculos.
           -Que devo fazer para te agradecer tudo o que me dás?  Em pleno “Ano Paulino” recordemos a figura ímpar de S. Paulo. Ele foi um
           -Basta-me poder continuar a escutar os teus cantos, respondeu -lhe o  desses milhões:“Sei em quem acreditei” (2 Tim. 1, 12). Paulo também se “ deu”
         espantalho                                            Para todos os militares, militarizados e civis da Marinha bem como para to-
           Finalmente, ofereceu também a última coisa que possuía e que podia  dos os seus familiares votos de um Santo Natal e de um novo ano a transbordar
         ser comida: a abóbora que servia de cabeça.          de esperança.
           Quando chegou a Primavera, o espantalho já não existia.   Da nossa parte como da tua, com muita coerência e “doação”.
           Mas o pintassilgo, continuava a entoar as suas melodias e a voar no   Pode doer um pouco, mas vai-nos curando!
         imenso céu azul”. (Autor anónimo)                     Porque “um Deus ao homem dado” será sempre o nosso “eterno presente”
           Aproveitando este contexto natalício e no respeito pelas díspares convi cções                       Z
         sobre a vida e o mundo, dirigimo-nos mais uma vez a todos aqueles que servem     José Ilídio Fernandes da Costa
         Portugal na Marinha.                                                                           CMG Capelão
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