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A ACÇÃO DO ESTADO A BORDO DE NAVIOS ESTRANGEIROS
A ACÇÃO DO ESTADO A BORDO DE NAVIOS ESTRANGEIROS
A cooperação no combate aos tráficos Parte II
A CONVENÇÃO SUA. BREVE tela penal no mundo marítimo, em especial dos seus navios automaticamente na co-
ABORDAGEM JURÍDICA actos ilícitos a bordo de navios, ou contra municação que devem fazer para o Secre-
eles. Aliás, não foi concebida, e publicada, tariado da IMO respeitante à ratificação da
s procedimentos que vêm referen- qualquer disposição específica em matéria Convenção. Trata-se de uma prerrogativa,
ciados (Parte I) suscitam-nos a im- de security na IMO até DEZ2002, altura em inovadora, dos Estados em permitir tal ac-
Oportância de, no âmbito de actos que foram aprovadas as primeiras altera- ção. No entanto, para que a ratificação da
perpetrados a bordo de navios, elaborar ções à Convenção SOLAS. Convenção surta efeitos objectivos práticos,
um complemento conceptual do que suce- A SUA foi concebida, e assinada, com o torna-se necessário que o direito interno
de, em termos de regime convencional in- propósito principal de desenvolver a coo- do país que ratifique tal convénio, especi-
ternacional, quanto à repressão dos actos peração internacional entre os Estados na ficamente no seu quadro jurídico-criminal,
ilícitos a bordo de navios. Isto, não obstan- concepção e adopção de medidas eficien- preveja e puna os ilícitos criminalizados
te existir uma obrigação internacional de tes e práticas para a prevenção de todos os pela Convenção; ora este desiderato legal,
intervenção dos Estados-bandeira, em sede actos ilícitos contra a segurança da navega- algo importante e fundamentador de fa-
da Convenção das Nações Unidas Sobre ção marítima e para o julgamento e punição ses futuras na matéria ora em apreço, não
o Direito do Mar (CNUDM) – artigo 108º - dos infractores. A alteração do texto desta parece existir no direito interno nacional
perante situações de tráfico ilícito de estu- Convenção (como se viu, a versão original actual, não obstante a existência de legis-
pefacientes, induzindo o princípio da coope- é de 1988, aprovada para ratificação pela lação avulsa que visa prevenir e reprimir
ração internacional. Resolução da Assembleia da República n.º actividades ilícitas ligadas ao terrorismo,
De facto, tal como sucede em sede de 51/94, de 12 de Agosto), concretizada em vide a Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto de
tráfico ilícito de estupefacientes, também 2005, na sequência dos inúmeros ataques 2003 (Lei de combate ao terrorismo). Tornar-se-
no âmbito do com- -ía, eventualmen-
bate à proliferação te, adequada, uma
de meios e produtos análise específica
destinados a servir mais contextuali-
intentos ilícitos e zada ao tecido de
criminosos, as auto- crimes - do foro
ridades nacionais marítimo – actual-
podem deparar mente previstos, o
com dificuldades que diminuiria as
em exercer a ju- dificuldades de in-
risdição nacional Exemplo de submersível utilizado nos tráficos. Fonte: The Sunday Telegraph, 19 OUT08 criminação judicial
a bordo de navios de determinadas
suspeitos de terem praticado alguma das terroristas cometidos contra alvos sedia- situações detectadas.
infracções – hoje - tipificadas na Convenção dos nos e dos Estados Unidos da Améri- Considerando a inovação jurídica e o
SUA (Supression of Unlawful Acts Against the ca, e seus aliados, alargou o seu âmbito de poderoso instrumento (até de exercício de
Safety of the Navigation Convention). A SUA aplicação; designadamente, procedeu-se à autoridade) estabelecido nesta Convenção,
Convention é, hoje, um dos instrumentos extensão do conceito de agentes do ilícito, os Estados-Parte (entre outros, os Estados
convencionais internacionais cuja valora- às formas de concretização do ilícito tendo Unidos da América, a Austrália, o Cana-
ção dogmática terá mais importância no sido tipificadas novas ilicitudes. dá, a Holanda e a Dinamarca) iniciaram
futuro próximo, inclusive pelo ambiente Atentos os outros mecanismos interna- diligências internas no sentido de adequar
temático em que foi assinada, desenvolvi- cionais hoje já disponíveis, e operantes a sua legislação aos ditâmes da Conven-
da e aperfeiçoada. – até de âmbito regional -, a grande po- ção SUA de forma a viabilizar, num futuro
Podendo considerar-se que o terrorismo tencialidade prática da SUA consiste no próximo, uma abordagem a um navio es-
marítimo possa remontar as suas origens facto dos Estados que procederem à sua trangeiro suspeito de praticar um dos ilí-
mais recentes a 1985, data em que o navio ratificação terem, no momento do depósi- citos previstos. A Espanha constitui uma
de cruzeiro “ACHILLE LAURO”, no Medi- to do instrumento de ratificação junto do excepção, tendo já procedido à ratificação
terrâneo, foi tomado de assalto por um gru- Secretariado da International Maritime Or- da SUA Convention, uma vez que o terroris-
po com ligações políticas direccionadas, foi, ganization (IMO), que proceder à notifica- mo é, desde há bastante tempo, um crime
mais especificamente, a partir de SET2001 ção da entidade internacional competente previsto e punido na legislação espanhola,
- data em que membros de uma rede terro- no sentido de que consentem o boarding e e ainda porque a legislação interna espa-
rista perpetraram em território norte ame- search de navios registados no seu espaço nhola foi recentemente alterada no sentido
ricano (World Trade Centre em Nova Iorque soberano por outros navios, pertencen- de introduzir novas tipologias penais de-
e Washington) diversos ilícitos criminais, tes a Estados-Parte da Convenção (SUA), signadamente em sede do Código Penal,
utilizando meios, e modelo de agressão, sempre que esteja em causa a suspeita da permitindo, desta forma, o exercício da
antes impensáveis – tal como fenómenos prática de algum dos ilícitos tipificados jurisdição do Estado espanhol a situações
que ocorreram posteriormente com o USS no texto da Convenção (flag sate consent extra-territoriais.
“COLE” e o petroleiro francês “LIMBURG” normal), e/ou que esse consentimento é Neste âmbito, o grande obstáculo existen-
em OUT2002 -, que a Comunidade Inter- presumido depois de decorridas 4 horas, te e que poderá inviabilizar o exercício da
nacional, através da Intenacional Maritime sem qualquer resposta, após o pedido de jurisdição nacional a bordo de um navio es-
Organization (IMO), decidiu alterar a SUA boarding pelo Estado Requerente. trangeiro suspeito de transportar material/
Convention, que havia sido assinada em Deve sublinhar-se que os Estados-Parte substâncias proibidas consiste no facto de,
Roma em 1988, no sentido de reforçar a tu- não são obrigados a consentir a abordagem em direito interno, não existir tipificação
4 DEZEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA