Page 366 - Revista da Armada
P. 366

A ACÇÃO DO ESTADO A BORDO DE NAVIOS ESTRANGEIROS
          A ACÇÃO DO ESTADO A BORDO DE NAVIOS ESTRANGEIROS

                               A cooperação no combate aos tráficos                                   Parte II


         A CONVENÇÃO SUA. BREVE             tela penal no mundo marítimo, em especial  dos seus navios automaticamente na co-
         ABORDAGEM JURÍDICA                 actos ilícitos a bordo de navios, ou contra  municação que devem fazer para o Secre-
                                            eles. Aliás, não foi concebida, e publicada,  tariado da IMO respeitante à ratificação da
               s procedimentos que vêm referen-  qualquer disposição específica em matéria  Convenção. Trata-se de uma prerrogativa,
               ciados (Parte I) suscitam-nos a im-  de security na IMO até DEZ2002, altura em  inovadora, dos Estados em permitir tal ac-
         Oportância de, no âmbito de actos  que foram aprovadas as primeiras altera-  ção. No entanto, para que a ratificação da
         perpetrados a bordo de navios, elaborar  ções à Convenção SOLAS.      Convenção surta efeitos objectivos práticos,
         um complemento conceptual do que suce-  A SUA foi concebida, e assinada, com o  torna-se necessário que o direito interno
         de, em termos de regime convencional in-  propósito principal de desenvolver a coo-  do país que ratifique tal convénio, especi-
         ternacional, quanto à repressão dos actos  peração internacional entre os Estados na  ficamente no seu quadro jurídico-criminal,
         ilícitos a bordo de navios. Isto, não obstan-  concepção e adopção de medidas eficien-  preveja e puna os ilícitos criminalizados
         te existir uma obrigação internacional de  tes e práticas para a prevenção de todos os  pela Convenção; ora este desiderato legal,
         intervenção dos Estados-bandeira, em sede  actos ilícitos contra a segurança da navega-  algo importante e fundamentador de fa-
         da Convenção das Nações Unidas Sobre  ção marítima e para o julgamento e punição  ses futuras na matéria ora em apreço, não
         o Direito do Mar (CNUDM) – artigo 108º -  dos infractores. A alteração do texto desta  parece existir no direito interno nacional
         perante situações de tráfico ilícito de estu-  Convenção (como se viu, a versão original  actual, não obstante a existência de legis-
         pefacientes, induzindo o princípio da coope-  é de 1988, aprovada para ratificação pela  lação avulsa que visa prevenir e reprimir
         ração internacional.               Resolução da Assembleia da República n.º  actividades ilícitas ligadas ao terrorismo,
           De facto, tal como sucede em sede de  51/94, de 12 de Agosto), concretizada em  vide a Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto de
         tráfico ilícito de estupefacientes, também  2005, na sequência dos inúmeros ataques  2003 (Lei de combate ao terrorismo). Tornar-se-
         no âmbito do com-                                                                       -ía, eventualmen-
         bate à proliferação                                                                     te, adequada, uma
         de meios e produtos                                                                     análise específica
         destinados a servir                                                                     mais contextuali-
         intentos ilícitos e                                                                     zada ao tecido de
         criminosos, as auto-                                                                    crimes - do foro
         ridades nacionais                                                                       marítimo – actual-
         podem deparar                                                                           mente previstos, o
         com dificuldades                                                                        que diminuiria as
         em exercer a ju-                                                                        dificuldades de in-
         risdição nacional   Exemplo de submersível utilizado nos tráficos.    Fonte: The Sunday Telegraph, 19 OUT08  criminação judicial
         a bordo de navios                                                                        de determinadas
         suspeitos de terem praticado alguma das  terroristas cometidos contra alvos sedia-  situações detectadas.
         infracções – hoje - tipificadas na Convenção  dos nos e dos Estados Unidos da Améri-  Considerando a inovação jurídica e o
         SUA (Supression of Unlawful Acts Against the  ca, e seus aliados, alargou o seu âmbito de  poderoso instrumento (até de exercício de
         Safety of the Navigation Convention). A SUA  aplicação; designadamente, procedeu-se à  autoridade) estabelecido nesta Convenção,
         Convention é, hoje, um dos instrumentos  extensão do conceito de agentes do ilícito,  os Estados-Parte (entre outros, os Estados
         convencionais internacionais cuja valora-  às formas de concretização do ilícito tendo  Unidos da América, a Austrália, o Cana-
         ção dogmática terá mais importância no  sido tipificadas novas ilicitudes.   dá, a Holanda e a Dinamarca) iniciaram
         futuro próximo, inclusive pelo ambiente   Atentos os outros mecanismos interna-  diligências internas no sentido de adequar
         temático em que foi assinada, desenvolvi-  cionais hoje já disponíveis, e operantes  a sua legislação aos ditâmes da Conven-
         da e aperfeiçoada.                 – até de âmbito regional -, a grande po-  ção SUA de forma a viabilizar, num futuro
           Podendo considerar-se que o terrorismo  tencialidade prática da SUA consiste no  próximo, uma abordagem a um navio es-
         marítimo possa remontar as suas origens  facto dos Estados que procederem à sua  trangeiro suspeito de praticar um dos ilí-
         mais recentes a 1985, data em que o navio  ratificação terem, no momento do depósi-  citos previstos. A Espanha constitui uma
         de cruzeiro “ACHILLE LAURO”, no Medi-  to do instrumento de ratificação junto do  excepção, tendo já procedido à ratificação
         terrâneo, foi tomado de assalto por um gru-  Secretariado da International Maritime Or-  da SUA Convention, uma vez que o terroris-
         po com ligações políticas direccionadas, foi,  ganization (IMO), que proceder à notifica-  mo é, desde há bastante tempo, um crime
         mais especificamente, a partir de SET2001  ção da entidade internacional competente  previsto e punido na legislação espanhola,
         - data em que membros de uma rede terro-  no sentido de que consentem o boarding e  e ainda porque a legislação interna espa-
         rista perpetraram em território norte ame-  search de navios registados no seu espaço  nhola foi recentemente alterada no sentido
         ricano (World Trade Centre em Nova Iorque  soberano por outros navios, pertencen-  de introduzir novas tipologias penais de-
         e Washington) diversos ilícitos criminais,  tes a Estados-Parte da Convenção (SUA),  signadamente em sede do Código Penal,
         utilizando meios, e modelo de agressão,  sempre que esteja em causa a suspeita da  permitindo, desta forma, o exercício da
         antes impensáveis – tal como fenómenos  prática de algum dos ilícitos tipificados  jurisdição do Estado espanhol a situações
         que ocorreram posteriormente com o USS  no texto da Convenção (flag sate consent  extra-territoriais.
         “COLE” e o petroleiro francês “LIMBURG”  normal), e/ou que esse consentimento é   Neste âmbito, o grande obstáculo existen-
         em OUT2002 -, que a Comunidade Inter-  presumido depois de decorridas 4 horas,  te e que poderá inviabilizar o exercício da
         nacional, através da Intenacional Maritime  sem qualquer resposta, após o pedido de  jurisdição nacional a bordo de um navio es-
         Organization (IMO), decidiu alterar a SUA  boarding pelo Estado Requerente.   trangeiro suspeito de transportar material/
         Convention, que havia sido assinada em   Deve sublinhar-se que os Estados-Parte  substâncias proibidas consiste no facto de,
         Roma em 1988, no sentido de reforçar a tu-  não são obrigados a consentir a abordagem  em direito interno, não existir tipificação

         4  DEZEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA
   361   362   363   364   365   366   367   368   369   370   371