Page 374 - Revista da Armada
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PORTUGAL E O MAR
PORTUGAL E O MAR
relação secular de Portugal com o tervenção nos futuros incertos do mundo, deixou de acreditar que a sua devoção e
Mar, cujo ponto histórico de refe- com salvaguarda da memória histórica, sacrifício ficariam nos alicerces do projecto
A rência na definição de um conceito e honrando a continuidade da capacida- que não seria abandonado pelas gerações
estratégico nacional está no Plano de ex- de de assumir riscos, agora os inerentes à seguintes. O mesmo sentimento que ins-
pansão formulado pela Dinastia de Aviz, globalização. pira a divisa da Marinha - Honrai a Pátria,
tem essa relação essencial com o interesse Que o actual milénio se define como que a Pátria vos contempla.
nacional, mas também com uma dinâmica uma época de incerteza, que a debilida- Aconteceu, ao longo dos séculos da his-
que em primeiro lugar levou à mundiali- de da prospectiva está assumida, que no tória portuguesa, que a determinação, sa-
zação das interdependências, e, no século passado nunca aconteceu tudo, que a de- ber, e coragem, nunca deixaram de avaliar,
XX, às exigências prementes de uma rede- finição do futuro é responsabilidade de com prudência governativa, o equilíbrio
finida governança dessa mundialização. A saberes sempre contestáveis, são compo- com poderes políticos concorrentes ou
geração que, nesta entrada do Milénio, se nentes da nossa circunstância geralmente mesmo adversários, e por isso a acção
prepara nas Academias Navais para servir assumidos. diplomática foi sempre essencial, assim
a Marinha, inicia como a necessi-
as suas respon- dade de um apoio
sabilidades num externo, vista a
ponto de ruptu- dimensão relativa
ra que é extrema- do poder político
mente desafiante português na co-
para os interesses munidade inter-
nacionais. Os res- nacional, também
ponsáveis políti- nunca foi dispen-
cos pela formação sável, tudo acom-
que as escolas ac- panhado pela
tuais assumiram, cautela de evitar
foram participan- intervir nas que-
tes activos duran- relas interiores da
te o esgotamento cristandade.
da governança A Aliança In-
mundial anterior, glesa foi a mais
que se traduzia permanente das
no que tenho cha- solidariedades,
mado Império com os custos
Euromundista, inerentes à de-
porque todo o po- sigualdade dos
der supremo da poderes, até que
governança mun- o fim do Império
dial esteve repar- Euromundista,
tido entre potên- sem formalmen-
cias ocidentais, te a pôr em causa,
soberanias espe- obrigou a outras
cialmente sedia- definições. Tendo
das nas margens conseguido man-
do Atlântico, e nem sempre guardando Mas não seria apropriado imaginar que ter a chamada neutralidade colaborante na
entre si a paz pelo direito. a incerteza era menos desafiante quando guerra de 1939-1945, sem ter podido evitar
Esta última circunstância teve um de- a Casa de Aviz iniciou a expansão, quan- o sacrifício de Timor invadido novamente
senvolvimento catastrófico com a Guerra do o Infante D. Henrique decidiu chamar por aliados e japoneses, o apoio à reorga-
Mundial de 1939-1945, que obrigou ao des- o apoio dos saberes do tempo que lhe nização da segurança do Atlântico Norte,
mantelamento desse Império Euromun- aconteceu viver, quando conseguiu que logo que a solidariedade da URSS na guer-
dista, incluindo inevitavelmente a parcela o carisma pessoal animasse a decisão de ra foi substituída pelo desafio que deu ori-
em que consistia o Ultramar Português, de enfrentar o desconhecido. Falando a ma- gem a meio século de guerra fria, foi um
modo que a Revolução de 1974 (dos Cra- rinheiros, recordarei que foi por isso que imperativo do facto de o mar nos chamar
vos) foi, do ponto de vista nacional, o pon- dediquei um dos meus modestos trabalhos ao grupo de fundadores da NATO, garan-
to final do Projecto da Dinastia de Aviz. à memória de Bartolomeu Dias, com esta tia desse mar ocidental, base do projecto de
Desse passado temos, no Património evocação, que repito – Um marinheiro que libertar a Europa do Atlântico aos Urais, e
Nacional, a marca indelével na identida- morreu tentando. de implantar a democracia, os direitos do
de portuguesa, o testemunho de uma for- De facto, por três vezes embarcou em- homem, e o desenvolvimento sustentado,
te intervenção na definição da identida- penhado na tarefa de descobrir o caminho não apenas nesse espaço matricial dos oci-
de ocidental, e também a marca deixada marítimo para a Índia, foi quem dobrou o dentais, mas com expressão mundial.
na globalização anunciada num texto de Cabo da Boa Esperança, por então chama- Neste caso talvez deve admitir-se que
projecção universal que são Os Lusíadas do Cabo das Tormentas, e na terceira via- não foi o país que se lançou a longe pelo
de Luís Vaz de Camões. A implantação da gem perdeu-se no mar salgado pelas lá- mar agora bem conhecido, foi a função do
língua portuguesa na geografia dos 3 AAA grimas de Portugal, como séculos depois mar, na definição do espaço ocidental, que
(Ásia, África, América Latina), acompanha diria Fernando Pessoa. incluiu o país, por imperativo ao mesmo
a responsabilidade de redefinir a nossa in- Mas nunca desistiu, e certamente não tempo da geografia, da funcionalidade do
12 DEZEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA