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PORTUGAL E O MAR
                              PORTUGAL E O MAR

               relação secular de Portugal com o  tervenção nos futuros incertos do mundo,  deixou de acreditar que a sua devoção e
               Mar, cujo ponto histórico de refe-  com salvaguarda da memória histórica,  sacrifício ficariam nos alicerces do projecto
         A  rência na definição de um conceito  e honrando a continuidade da capacida-  que não seria abandonado pelas gerações
         estratégico nacional está no Plano de ex-  de de assumir riscos, agora os inerentes à  seguintes. O mesmo sentimento que ins-
         pansão formulado pela Dinastia de Aviz,  globalização.                pira a divisa da Marinha - Honrai a Pátria,
         tem essa relação essencial com o interesse   Que o actual milénio se define como  que a Pátria vos contempla.
         nacional, mas também com uma dinâmica  uma época de incerteza, que a debilida-  Aconteceu, ao longo dos séculos da his-
         que em primeiro lugar levou à mundiali-  de da prospectiva está assumida, que no  tória portuguesa, que a determinação, sa-
         zação das interdependências, e, no século  passado nunca aconteceu tudo, que a de-  ber, e coragem, nunca deixaram de avaliar,
         XX, às exigências prementes de uma rede-  finição do futuro é responsabilidade de  com prudência governativa, o equilíbrio
         finida governança dessa mundialização. A  saberes sempre contestáveis, são compo-  com poderes políticos concorrentes ou
         geração que, nesta entrada do Milénio, se  nentes da nossa circunstância geralmente  mesmo adversários, e por isso a acção
         prepara nas Academias Navais para servir  assumidos.                  diplomática foi sempre essencial, assim
         a Marinha, inicia                                                                        como a necessi-
         as suas respon-                                                                          dade de um apoio
         sabilidades num                                                                          externo, vista a
         ponto de ruptu-                                                                          dimensão relativa
         ra que é extrema-                                                                        do poder político
         mente desafiante                                                                          português na co-
         para os interesses                                                                       munidade inter-
         nacionais. Os res-                                                                       nacional, também
         ponsáveis políti-                                                                        nunca foi dispen-
         cos pela formação                                                                        sável, tudo acom-
         que as escolas ac-                                                                       panhado pela
         tuais assumiram,                                                                         cautela de evitar
         foram participan-                                                                        intervir nas que-
         tes activos duran-                                                                       relas interiores da
         te o esgotamento                                                                         cristandade.
         da governança                                                                              A Aliança In-
         mundial anterior,                                                                        glesa foi a mais
         que se traduzia                                                                          permanente das
         no que tenho cha-                                                                        solidariedades,
         mado Império                                                                             com os custos
         Euromundista,                                                                            inerentes à de-
         porque todo o po-                                                                        sigualdade dos
         der supremo da                                                                           poderes, até que
         governança mun-                                                                          o fim do Império
         dial esteve repar-                                                                       Euromundista,
         tido entre potên-                                                                        sem formalmen-
         cias ocidentais,                                                                         te a pôr em causa,
         soberanias espe-                                                                         obrigou a outras
         cialmente sedia-                                                                         definições. Tendo
         das nas margens                                                                          conseguido man-
         do Atlântico, e nem sempre guardando   Mas não seria apropriado imaginar que  ter a chamada neutralidade colaborante na
         entre si a paz pelo direito.       a incerteza era menos desafiante quando  guerra de 1939-1945, sem ter podido evitar
           Esta última circunstância teve um de-  a Casa de Aviz iniciou a expansão, quan-  o sacrifício de Timor invadido novamente
         senvolvimento catastrófico com a Guerra  do o Infante D. Henrique decidiu chamar  por aliados e japoneses, o apoio à reorga-
         Mundial de 1939-1945, que obrigou ao des-  o apoio dos saberes do tempo que lhe  nização da segurança do Atlântico Norte,
         mantelamento desse Império Euromun-  aconteceu viver, quando conseguiu que  logo que a solidariedade da URSS na guer-
         dista, incluindo inevitavelmente a parcela  o carisma pessoal animasse a decisão de  ra foi substituída pelo desafio que deu ori-
         em que consistia o Ultramar Português, de  enfrentar o desconhecido. Falando a ma-  gem a meio século de guerra fria, foi um
         modo que a Revolução de 1974 (dos Cra-  rinheiros, recordarei que foi por isso que  imperativo do facto de o mar nos chamar
         vos) foi, do ponto de vista nacional, o pon-  dediquei um dos meus modestos trabalhos  ao grupo de fundadores da NATO, garan-
         to final do Projecto da Dinastia de Aviz.   à memória de Bartolomeu Dias, com esta  tia desse mar ocidental, base do projecto de
           Desse passado temos, no Património  evocação, que repito – Um marinheiro que  libertar a Europa do Atlântico aos Urais, e
         Nacional, a marca indelével na identida-  morreu tentando.            de implantar a democracia, os direitos do
         de portuguesa, o testemunho de uma for-  De facto, por três vezes embarcou em-  homem, e o desenvolvimento sustentado,
         te intervenção na definição da identida-  penhado na tarefa de descobrir o caminho  não apenas nesse espaço matricial dos oci-
         de ocidental, e também a marca deixada  marítimo para a Índia, foi quem dobrou o  dentais, mas com expressão mundial.
         na globalização anunciada num texto de  Cabo da Boa Esperança, por então chama-  Neste caso talvez deve admitir-se que
         projecção universal que são Os Lusíadas  do Cabo das Tormentas, e na terceira via-  não foi o país que se lançou a longe pelo
         de Luís Vaz de Camões. A implantação da  gem perdeu-se no mar salgado pelas lá-  mar agora bem conhecido, foi a função do
         língua portuguesa na geografia dos 3 AAA  grimas de Portugal, como séculos depois  mar, na definição do espaço ocidental, que
         (Ásia, África, América Latina), acompanha  diria Fernando Pessoa.     incluiu o país, por imperativo ao mesmo
         a responsabilidade de redefinir a nossa in-  Mas nunca desistiu, e certamente não  tempo da geografia, da funcionalidade do

         12  DEZEMBRO 2008 U REVISTA DA ARMADA
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