Page 14 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (6)

A expedição ao reino de Jaffna (Jafanapatão)

Terminadas as chuvas da monção de              acção prolongada e persistente, a exigir a pre-   ta da Pescaria. Ou seja, a guerra que afronta-
       1560, D. Constantino de Bragança leva-  sença e o comando directo de quem governa-        va a região de Colombo há anos seria vencida
       va já dois anos de governo na condição  va a Índia, obrigando o vice-rei a prescindir de  cortando a principal via de reabastecimento

extraordinária de vice-rei, inerente à sua alta alguns proveitos e riquezas, mas afastando-o dos inimigos, através de uma operação anfí-

estirpe. Nunca a Índia vira de perto uma fi- tambémdosterritóriosdonortedurantemuito bia que permitisse a tomada e ocupação de

gura de tão elevada nobreza, sendo de realçar tempo,concentrandodemasiadosmeiosnuma Jafanapatão, colocando aí uma fortaleza que,

que essa condição lhe permitiu uma autorida- posição táctica desfavorável, em relação aos entre outras coisas, conferiria as condições de

de que não seria fácil noutras condições. Mas inimigos que se tinham revelado mais pode- segurança necessárias ao estabelecimento das

o mandado aproximava-se do fim. Era pre- rosos e ameaçadores. Repare-se que durante comunidades cristãs.

visível que no ano seguinte chegasse alguém a estação seca – quando se pode navegar – os AarmadasaiudeGoaemSetembrode1560,

para o substituir, e a entrega de poder teria ventos predominantes são de norte e nordes- com destino ao sul. O vice-rei ia embarcado

lugar sob o espectro de uma problema grave te, e quem está a sul está sempre a sotavento e numa das 12 galés, a que se juntavam “dez

para resolver no sul do Indostão, onde não se em desvantagem para qualquer combate. Se galeotas, e setenta navios de remo, antre fus-

conseguira dominar o                                                                                     tas e catures”. Entrou

permanente estado de                                                                                     em Cochim, onde o bis-

guerra alimentada pe-                                                                                    po D. Jorge Temudo se

las comunidades mu-                                                                                      juntou a ela, com uma

çulmanas e apoiada                                                                                       galeota, e seguiram em

pelo Samorim. Havia,                                                                                     direcção ao Cabo Co-

contudo, um outro foco                                                                                   morim e ao Golfo de

de instabilidade na ilha                                                                                 Mannar. As galés não

de Ceilão, arrastando-                                                                                   podem passar nos bai-

-se há décadas um as-                                                                                    xos da Ponte de Adão

sunto que já merecera                                                                                    (Adam’s Bridge) e, por

a intervenção de alguns                                                                                  isso, foram mandadas

dos seus antecessores,                                                                                   de regresso ao norte,

sempre sem resultados                                                                                    transferindo-se o pesso-

significativos (Marinha                                                                                   al para as embarcações

de D. João III (46)).                                                                                    mais miúdas. O de-

Diogo do Couto,                                                                                          sembarque teve lugar

num dos diálogos do                                                                                      na noite de 8 para 9 de

seu Soldado Prático, de-                                                                                 Outubro, com algumas

senvolve um conjunto                                                                                     dificuldades causadas

de considerações inte-                                                                                   pela falta de conheci-

ressantes sobre a situa-                                                                                 mento do terreno e dos

ção dessa ilha e a rela-                                                                                 canais de acesso a terra,

ção que poderia ter com Mapa da ilha de Ceilão, orientado com o norte para a esquerda da figura, onde se pode ver a cidade pelo meio dos múlti-

o poder português na de Jafanapatão.                                                                     plos baixos e escolhos.
Índia. O texto está fei- “Livro de Plataforma das Fortalezas da Índia”.
                                                                                                         Um dos objectivos era

to de forma muito inteligente, colocando na “Diu está a barlavento de toda a Índia” e daí a captura do rei de Jaffna, obrigando-o a um

boca de um experiente “soldado” da Índia, lhevinhaasuaimportânciaestratégica–como exercício de poder tutelado, sob a vigilância de

em conversa com um “vice-rei”, a observação realçava Lopo de Sousa Coutinho –, todo o sul um capitão português, mas esse foi o primei-

de que a guerra de Ceilão “é mais longa que eespecialmenteCeilãoficavaasotavento,com ro de vários incidentes que não correram de

perigosa”, sendo melhor que quem governa a todos os inconvenientes que isso tinha.               feição aos portugueses. A resistência foi mais

Índia nela se empenhasse durante dois ou três Ailha, porém, produzia grande quantidade forte do que pensara D. Constantino e o rei,

anos, de forma permanente, com dois ou três de canela e tinha um lugar privilegiado para o quando se apercebeu que não conseguia de-

mil homens, em vez de enviar expedições de domínio das rotas que iam e vinham de Ma- ter o ataque português, mandou pôr fogo ao

trêsmesescomseteouoitomil.Masacrescenta laca e, sobretudo, de acesso à costa do Coro- palácio e retirou para o mato. Depois disso, os

que nada disso se poderá fazer, porque teme o mandel, onde havia algumas comunidades nossos sofreram mais flagelações que não lhe

governante ficar dois anos “fora da Índia, e a cristãs que requeriam a protecção portuguesa. permitiram ficar em segurança na península,

sotaventodela”,sempresobaameaçado“nor- Além disso, existiam ali pequenos potentados preferindoretirarparaapequenailhadeMan-

te”, seja directamente sobre Goa, seja sobre o que se fizeram aliados dos portugueses, facili- nar (vide fig.) onde foi feita a fortaleza. O vice-

conjunto de todos os interesses portugueses tando a exploração da canela, mas exigindo o -rei apressou-se a regressar a Cochim, pensan-

na península. Diz ainda que nenhum vice-rei apoio militar numa guerra desgastante e dis- doqueeraprecisodarinstruçõesparacarregar

o fará porque sabe que o seu mandato é de pendiosa. Foram talvez estes os factores que a armada para o reino, fazendo-a seguir em

três anos, tempo em que deverá colher os be- D. Constantino pesou quando decidiu levar meados de Janeiro com a dita carta à regente

nefícios pessoais que não obterá numa guerra a cabo uma intervenção de monta em Ceilão. Dona Catarina, onde relatava com pormenor

prolongada. Provavelmente, Diogo do Couto Ele próprio explica numa carta que escreveu a empresa de Jafanapatão e algumas das cir-

tocanopontofulcraldaquestãoqueseprende, à regente Dona Catarina que pretendia tomar cunstâncias que a determinaram.

não só com a guerra de Ceilão, como com toda conta da ponta norte, fechando o acesso ao                              Z

a pirataria que prolifera na costa do Malabar. continente e preparando o terreno para aí se              J. Semedo de Matos
Tratava-se de um problema que exigia uma estabelecerem os cristãos de S. Tomé e da Cos-
                                                                                                                        CFR FZ

14 MARÇO 2010 U REVISTA DA ARMADA
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