Page 29 - Revista da Armada
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NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA (5)
O Mar, os Vikings e o Portugal perdido...
“Porto calmo de abrigo do Mar, da mitologia clássica grega. e dos Açores, tal como em muitos outros
De um futuro maior A cidade mantém uma actividade maríti- países da Europa, mesmo aqueles com um
Porventura perdido território menos disperso do que o nosso…
No presente temor ma abrangente, que inclui pesca, construção
naval e comércio, incluindo ligações marí- Finalmente, a loucura total, imaginei que se
Não faz muito sentido timas, por ferry, para muitas outras cidades iria construir um museu flutuante com navios
Não esperar o melhor europeias. Permanecendo o mar como um que prestaram bons serviços na Marinha Por-
Vem da névoa saindo a promessa anterior “grande empregador”…Contudo, o que tuguesa, como as Magalhães Correia – que vi
mais me impressionou foram uma série de apodrecer em morte lenta, indigna - e até com
Quando avistei ao longe o mar navios no passeio marítimo “ turístico”, perto um dos nossos submarinos, que agora se pre-
Ali fiquei…” do Hotel. Aproximei-me, numa noite vento- param para, definitivamente, sair de cena, de
sa, e descortinei uma série de navios de guer- um serviço esforçado e muito prolongado…
Ao Longe o Mar, Pedro Ayres Magalhães, ra. Só com maior aproximação percebi que se
Madredeus tratava do “Goteborgs Maritima Museum” Haveria críticas, de que um tal museu ce-
– um dos maiores museus de navios flutuan- lebraria a guerra. Que não ajudaria a forma-
Fui a Gotemburgo, na Suécia. Deu-se nessa tes do mundo. Havia um destroyer, de 1952, ção dos mais jovens, que lembraria a guerra e
cidade um evento científico ao mais alto nível “O Smaland” e um submarino “O Nordka- muitas outras balelas, a que a Suécia – indiscu-
europeu e mundial. O Congresso Eu- paren” de 1962, bem como uma miríade de tivelmente um país altamente desenvolvido e
ropeu de Aterosclerose. A aterosclero- civilizado, voltado para a paz, não valorizou
se é a doença crónica mais comum do outros navios auxiliares da Marinha Sueca,
mundo dito civilizado, responsável como abastecedores, rebocadores, entre ou- muito. Talvez os suecos acreditem,
porentidades tão comuns como o são tros…mais adiante um outro navio, lançado como eu acredito, que a cidadania
os enfartes do miocárdio, os aciden- ao mar em 1906, com muitas semelhanças de um país se construi preservando
tes vasculares cerebrais (as vulgares com a nossa Sagres, “o Viking”, também lá a memória das suas instituições …
“tromboses”, do léxico popular) e estava a atraindo visitas curiosas… Descobri
pela doença aterosclerótica das arté- ainda que a Suécia também teve a sua Com- Fechei os olhos num banco, jun-
rias periféricas…comum e, também, panhia das Índias Orientais, com particular to ao mar em Gotemburgo e pude
cada vez mais frequente...Trata-se de ênfase no comércio com a China, que atingiu ver-me num banco de jardim, junto
uma situação tão generalizada, que, o seu auge no século XVIII, e que Gotembur- à Torre de Belém, em Lisboa. Con-
para se fugir dela, é preciso ao longo go foi o centro desse lucrativo comércio. segui até ver o sinal iluminado de
da vida ter cuidado com alimentação, “Museu Marítimo Flutuante de
ou, pasmo dos pasmos, ter nascido Ora até aqui esta história é sensaborona Lisboa”. Na entrada um Marinhei-
num país pobre. Um qualquer local e sem prazer. Foi a partir daqui que tive ro, fardado, já grisalho, nos seus 70
onde ainda se vive da terra, com co- um sonho (…alguns chamar-lhe-ão um de- anos, cobrava bilhetes aos visitan-
mida pobre em gordura animal e rica lírio…). Imaginei que em Lisboa era uma tes. Em cada navio um outro mari-
em fibras e vegetais…A mim, alma simples, pe- cidade assim voltada para o mar. Imaginei nheiro, do mesmo grupo etário e há
queno nas análises e nas associações, parece-me que ainda se mantinha toda uma actividade muito na reforma, explicava a cada
sempre uma metáfora que Deus arranjou para naval – à qual, por herança histórica, temos visitante os pormenores técnicos in-
igualizar ricos e pobres. Uma forma de mostrar tanto ou mais direito que os suecos. Sonhei, teressantes deste ou daquele navio –
aos ricos que a abundância tem custos… imagine só o leitor amigo e paciente, que uma vez que nele tinha servido…Havia filas
Lisboa ainda se mantinha como o centro de e um outro marinheiro, um jovem de 20 anos,
Contudo, não foi o conhecimento daquela pesca local e longínqua que em tempos ocu- sentado no banco ao lado do meu dizia á sua
entidade médica que mais me impressionou, pou. Acreditei, ainda, que Lisboa ainda era namorada, eu também estou na Marinha…
nem que trago hoje aqui. O que me impres- um importante pólo de Marinha Mercante, Abri os olhos, ia chover e corri para abrigo.
sionou profundamente é que Gotemburgo é construção naval e um centro de transportes Ainda bem dirão muitos, foi tudo um sonho
uma cidade voltada para o Mar. Trata-se de navais (mistos) que permitiam levar pessoas louco…Contudo, sabem alguns, Portugal
uma cidade que ainda hoje é o porto sueco e os seus veículos para as ilhas da Madeira foi, e sempre será no mar que se encontrou
mais importante e desempenhou esse papel e não se definirá nunca sem o mar. Defender
ao longo da história daquele país nórdico. Foi Portugal deveria ser defender o mar. Talvez
daquele porto que partiram ao longo do tem- por termos esquecido desta verdade, que nos
po as terríveis hordas de “Homens do Norte”, estará escrita nos genes, nos encontremos no
que antes dos portugueses atravessavam o lugar frio e ventoso em que agora surgimos,
Atlântico Norte, invadindo as ilhas britâni- perdidos e aguardando um D. Sebastião que
cas, e atingindo sítios tão longínquos como a tarde em definir-se por entre a neblina… .
Islândia, a Groenlândia e até – sabe-se hoje – a Quanto a mim, não se preocupem os
América do Norte. leitores, voltei a Lisboa. Bastarão dois dias
de comentários políticos, para me curarem
A alma da cidade – e note o leitor que se deste “bafo delirante”, que subitamente me
trata de uma cidade bem mais pequena do acometeu. Perdoem, ainda, ter-lhes falado de
que Lisboa – está dedicada ao mar. Esta ati- forma tão aberta deste sonho, tenho sempre
tude reflecte-se nos nomes das ruas, que ce- esperança que outros me compreendam e,
lebram Deuses da Mitologia Viking, estátuas de voz em voz, o sonho se torne realidade…
de nobres que foram construtores navais e até Seria bonito de se ver. Seria também honroso.
uma estátua imponente de Poseidon – o Deus Principalmente, seria português...
Doc.
29REVISTA DA ARMADA • AGOSTO 2011