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NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA (5)

O Mar, os Vikings e o Portugal perdido...

“Porto calmo de abrigo                            do Mar, da mitologia clássica grega.            e dos Açores, tal como em muitos outros
De um futuro maior                                   A cidade mantém uma actividade maríti-       países da Europa, mesmo aqueles com um
Porventura perdido                                                                                território menos disperso do que o nosso…
No presente temor                                 ma abrangente, que inclui pesca, construção
                                                  naval e comércio, incluindo ligações marí-         Finalmente, a loucura total, imaginei que se
Não faz muito sentido                             timas, por ferry, para muitas outras cidades    iria construir um museu flutuante com navios
Não esperar o melhor                              europeias. Permanecendo o mar como um           que prestaram bons serviços na Marinha Por-
Vem da névoa saindo a promessa anterior           “grande empregador”…Contudo, o que              tuguesa, como as Magalhães Correia – que vi
                                                  mais me impressionou foram uma série de         apodrecer em morte lenta, indigna - e até com
Quando avistei ao longe o mar                     navios no passeio marítimo “ turístico”, perto  um dos nossos submarinos, que agora se pre-
Ali fiquei…”                                      do Hotel. Aproximei-me, numa noite vento-       param para, definitivamente, sair de cena, de
                                                  sa, e descortinei uma série de navios de guer-  um serviço esforçado e muito prolongado…
Ao Longe o Mar, Pedro Ayres Magalhães,            ra. Só com maior aproximação percebi que se
Madredeus                                         tratava do “Goteborgs Maritima Museum”             Haveria críticas, de que um tal museu ce-
                                                  – um dos maiores museus de navios flutuan-      lebraria a guerra. Que não ajudaria a forma-
   Fui a Gotemburgo, na Suécia. Deu-se nessa      tes do mundo. Havia um destroyer, de 1952,      ção dos mais jovens, que lembraria a guerra e
cidade um evento científico ao mais alto nível    “O Smaland” e um submarino “O Nordka-           muitas outras balelas, a que a Suécia – indiscu-
europeu e mundial. O Congresso Eu-                paren” de 1962, bem como uma miríade de         tivelmente um país altamente desenvolvido e
ropeu de Aterosclerose. A aterosclero-                                                            civilizado, voltado para a paz, não valorizou
se é a doença crónica mais comum do               outros navios auxiliares da Marinha Sueca,
mundo dito civilizado, responsável                como abastecedores, rebocadores, entre ou-                 muito. Talvez os suecos acreditem,
porentidades tão comuns como o são                tros…mais adiante um outro navio, lançado                  como eu acredito, que a cidadania
os enfartes do miocárdio, os aciden-              ao mar em 1906, com muitas semelhanças                     de um país se construi preservando
tes vasculares cerebrais (as vulgares             com a nossa Sagres, “o Viking”, também lá                  a memória das suas instituições …
“tromboses”, do léxico popular) e                 estava a atraindo visitas curiosas… Descobri
pela doença aterosclerótica das arté-             ainda que a Suécia também teve a sua Com-                     Fechei os olhos num banco, jun-
rias periféricas…comum e, também,                 panhia das Índias Orientais, com particular                to ao mar em Gotemburgo e pude
cada vez mais frequente...Trata-se de             ênfase no comércio com a China, que atingiu                ver-me num banco de jardim, junto
uma situação tão generalizada, que,               o seu auge no século XVIII, e que Gotembur-                à Torre de Belém, em Lisboa. Con-
para se fugir dela, é preciso ao longo            go foi o centro desse lucrativo comércio.                  segui até ver o sinal iluminado de
da vida ter cuidado com alimentação,                                                                         “Museu Marítimo Flutuante de
ou, pasmo dos pasmos, ter nascido                    Ora até aqui esta história é sensaborona                Lisboa”. Na entrada um Marinhei-
num país pobre. Um qualquer local                 e sem prazer. Foi a partir daqui que tive                  ro, fardado, já grisalho, nos seus 70
onde ainda se vive da terra, com co-              um sonho (…alguns chamar-lhe-ão um de-                     anos, cobrava bilhetes aos visitan-
mida pobre em gordura animal e rica               lírio…). Imaginei que em Lisboa era uma                    tes. Em cada navio um outro mari-
em fibras e vegetais…A mim, alma simples, pe-     cidade assim voltada para o mar. Imaginei                  nheiro, do mesmo grupo etário e há
queno nas análises e nas associações, parece-me   que ainda se mantinha toda uma actividade                  muito na reforma, explicava a cada
sempre uma metáfora que Deus arranjou para        naval – à qual, por herança histórica, temos               visitante os pormenores técnicos in-
igualizar ricos e pobres. Uma forma de mostrar    tanto ou mais direito que os suecos. Sonhei,               teressantes deste ou daquele navio –
aos ricos que a abundância tem custos…            imagine só o leitor amigo e paciente, que       uma vez que nele tinha servido…Havia filas
                                                  Lisboa ainda se mantinha como o centro de       e um outro marinheiro, um jovem de 20 anos,
   Contudo, não foi o conhecimento daquela        pesca local e longínqua que em tempos ocu-      sentado no banco ao lado do meu dizia á sua
entidade médica que mais me impressionou,         pou. Acreditei, ainda, que Lisboa ainda era     namorada, eu também estou na Marinha…
nem que trago hoje aqui. O que me impres-         um importante pólo de Marinha Mercante,            Abri os olhos, ia chover e corri para abrigo.
sionou profundamente é que Gotemburgo é           construção naval e um centro de transportes     Ainda bem dirão muitos, foi tudo um sonho
uma cidade voltada para o Mar. Trata-se de        navais (mistos) que permitiam levar pessoas     louco…Contudo, sabem alguns, Portugal
uma cidade que ainda hoje é o porto sueco         e os seus veículos para as ilhas da Madeira     foi, e sempre será no mar que se encontrou
mais importante e desempenhou esse papel                                                          e não se definirá nunca sem o mar. Defender
ao longo da história daquele país nórdico. Foi                                                    Portugal deveria ser defender o mar. Talvez
daquele porto que partiram ao longo do tem-                                                       por termos esquecido desta verdade, que nos
po as terríveis hordas de “Homens do Norte”,                                                      estará escrita nos genes, nos encontremos no
que antes dos portugueses atravessavam o                                                          lugar frio e ventoso em que agora surgimos,
Atlântico Norte, invadindo as ilhas britâni-                                                      perdidos e aguardando um D. Sebastião que
cas, e atingindo sítios tão longínquos como a                                                     tarde em definir-se por entre a neblina… .
Islândia, a Groenlândia e até – sabe-se hoje – a                                                     Quanto a mim, não se preocupem os
América do Norte.                                                                                 leitores, voltei a Lisboa. Bastarão dois dias
                                                                                                  de comentários políticos, para me curarem
   A alma da cidade – e note o leitor que se                                                      deste “bafo delirante”, que subitamente me
trata de uma cidade bem mais pequena do                                                           acometeu. Perdoem, ainda, ter-lhes falado de
que Lisboa – está dedicada ao mar. Esta ati-                                                      forma tão aberta deste sonho, tenho sempre
tude reflecte-se nos nomes das ruas, que ce-                                                      esperança que outros me compreendam e,
lebram Deuses da Mitologia Viking, estátuas                                                       de voz em voz, o sonho se torne realidade…
de nobres que foram construtores navais e até                                                     Seria bonito de se ver. Seria também honroso.
uma estátua imponente de Poseidon – o Deus                                                        Principalmente, seria português...

                                                                                                                                                  Doc.

                                                                                                      29REVISTA DA ARMADA • AGOSTO 2011
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