Page 24 - Revista da Armada
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barra. Preso e julgado por desobediência, alguns portugueses. Mas era tarde para de “10 de Agosto, sexta-feira”, o junco
regressou a ferros ao reino, enquanto os essa decisão. Agora, Albuquerque que- chegou à ponte e a abalroou, facto que
mestres e pilotos foram enforcados e o ria a restituição de toda a mercadoria Barros diz ter ocorrido numa sexta-
comando dos navios entregue a homens desembarcada por Diogo Lopes de Se- -feira, mas no dia 8. Dia 10 de Agosto é
da confiança do governador. O incidente queira em 1509, lugar para construir dia de S. Lourenço e seria uma referên-
é deveras insólito, tanto mais que Albu- uma fortaleza que protegesse a feitoria e cia certa e inesquecível para qualquer
querque tinha recebido notícias de Ma- vassalagem ao rei de Portugal. O sultão, testemunho local, e é essa a data que
laca em Fevereiro, através de uma carta de novo, protelou decisões e o ataque foi Giovani da Empoli – um italiano que
de Rui Araújo, dando-lhe a ideia de que lançado. esteve presente na campanha e que
as condições pareciam amadurecidas Malaca está à beira um rio que a tudo observou – corrobora como tendo
para o ataque à cidade. Aparentemente, separava de outro núcleo populacio- sido a da tomada da cidade. Acontece,
o governador saiu de Goa em Março nal, havendo uma pequena ponte que no entanto, que a sexta-feira, referida
com o objectivo definido de ir ao Mar permitia a passagem e a ligação entre pelos dois cronistas, foi dia 8 e não dia
Vermelho e, muito à sua maneira, já com os dois pólos. Naturalmente que essa 10. Para além disso, a maior maré, cor-
os navios a navegar, ouviu o conselho e ponte era fundamental para a ligação respondente à Lua Cheia daquele mês
decidiu fazer o que D. Manuel ordenara entre as forças inimigas e o governador de Agosto, teve lugar no dia 9, não
a Vasconcellos e este tinha querido cum- pensou em toma-la, lançando duas va- sendo provável que o navio perma-
prir a todo o custo:
inverteu o rumo e necesse encalhado
fez-se no caminho na maior maré e
do sul, em direc- desencalhasse na
ção à cidade do seguinte. Parece-
estreito. -me lógico, portan-
Passou por Ca- to, concluir que o
nanor e Cochim, navio desencalhou
onde deixou al- na maior preia-mar
guns navios ve- ou na anterior, o
lhos, e rumou ao que ocorreu no dia
Cabo Comorin e 8 de Agosto, sexta-
a Ceilão, guinan- -feira. A referên-
do em direcção cia de Castanheda
à ponta norte de ao dia 10 resulta
Samatra, onde de uma confusão
começa o Estreito que Giovanni da
de Malaca. Leva- Empoli ajuda a
va 18 velas de di- decifrar: à derro-
versos tipos, entre cada da ponte, na
as quais a grande Malaca sexta-feira, dia 8,
“Flor do Mar” que Gaspar Corrêa - Lendas da Índia seguiram-se comba-
tes que permitiram
fora para a Índia com João da Nova, na gas de assalto (na véspera ou no dia de a consolidação da conquista no dia de
armada de D. Francisco de Almeida, que Santiago) que, desembarcadas de um e S. Lourenço, 10 de Agosto de 1511, a des-
combatera em Diu e em Goa e que agora outro lado do rio, deviam convergir no peito de terem continuado as pilhagens
era a nau capitânia. A 1 de Julho de 1511 objectivo. Os batéis chegaram pouco e escaramuças diversas. É este o dia que
(ou a 28 de Junho) fundeava em frente antes do alvorecer e uma das forças deve ser considerado como o da tomada
de Malaca, entabulando as costumadas alcançou a ponte sem problemas, mas de Malaca por Afonso de Albuquerque.
negociações para um entendimento de a outra ficou perigosamente retida Após a conquista, foi finalmente or-
paz com o sultão. Pretendia a devolução nas ruelas da cidade e foi necessário ganizada a feitoria e construída uma
dos portugueses cativos e a permissão retirar. Os relatos deste ataque estão fortaleza de pedra, junto ao rio e com
para construir uma feitoria, mas a pri- descritos com grande pormenor pelos um desenho simples, apenas com as
meira condição era primordial e deveria cronistas João de Barros, Fernão Lopes capacidades necessárias para defender
ser cumprida, antes de qualquer acordo. de Castanheda, apenas com pequenas o fundeadouro. O primeiro capitão no-
Digamos que só aceitava negociar fosse divergências que, certamente resultam meado foi Rui de Brito Patalim, a quem
o que fosse depois dos compatriotas es- de diferentes interpretações. Diz Bar- foram entregues cerca de 300 homens
tarem a bordo e em segurança. O que se ros que, depois da primeira tentativa para a defesa da praça. Rui Araújo, que
passou durante as semanas que se segui- gorada, vindo as águas vivas da Lua ali estivera cativo desde 1509 e conhecia
ram é algo que se adivinharia sem ler os Nova, o governador mandou que An- muito bem a vida comercial da cidade,
documentos: um diálogo de surdos, em tónio de Abreu subisse o rio com um foi o primeiro feitor, e Nina Chatu, o
que cada parte não arreda pé, e em que junco, para abalroar a ponte e destruí- chefe da comunidade tâmil que protege-
o sultão vai dando a impressão que cede -la. Acontece que o navio encalhou ra os portugueses, passou a ser o repre-
para regressar, de seguida, ao ponto de antes de lá chegar e ficou preso num sentante de todas as comunidades co-
partida. Enganou-se, contudo, no inter- banco de areia à mercê de todas as merciantes (Bendara) de Malaca. Aliás,
locutor para estes jogos. A primeira ac- flagelações. Assim esteve “nove dias é dele que partem várias iniciativas de
ção armada foi uma pequena flagelação contínuos com suas noites” resistindo natureza comercial, e é sob a sua orien-
na praia e um ataque aos navios mouros como pôde. Castanheda não relata este tação que se organiza a primeira viagem
que estavam no porto, sendo o suficien- episódio do junco com o mesmo por- às ilhas das especiarias, comandada por
te para fazer recuar o sultão que soltou menor, mas refere que na preia-mar António de Abreu.
24 AGOSTO 2011 • REVISTA DA ARMADA