Page 2 - Revista da Armada
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MENSAGEM DE NATAL
“EU VIM PARA QUE TENHAM VIDA... ” : JO. 10,10
Os tempos que vivemos, e com toda a certeza os que se vão seguir Inclinou-se, recolheu com as pequenas mãos três pequenas estrelas e, sempre a
a curto e médio prazo, devem ser considerados de alguma gra- correr, levou-as para a água. Depois voltou atrás e repetiu a operação.
vidade.
Sem cairmos em dramatismos, convém no entanto vermos o que está Do muro de cimento, um homem chamou-o:
à vista de todos: está aqui subjacente um desequilíbrio preocupante entre - O que é que estás a fazer, menino?
o que todos tínhamos como expectável e a realidade. A criança, sem deixar de correr, respondeu:
- Levo as estrelas-do-mar para a água.
A quadra natalícia também se caracteriza por ser um tempo em que O homem gritou:
muitos gastam bem mais do que aquilo que efectivamente precisam. -Mas são milhares de estrelas-do-mar nesta praia; certamente não as poderás
salvar a todas. E isto acontece em tantas outras praias ao longo da costa. Não podes
Resumindo: é sempre um tempo de exageros. mudar a realidade!
Não é que o Natal inspire nada disso, bem pelo contrário (no pri- A criança sorriu, inclinou-se a recolher uma outra estrela-do-mar e, atirando-a
meiro Natal não houve “sobras”), mas ao longo dos tempos fomo-nos à água, respondeu:
deixando enlear nessa teia normalmente agradável de ter o que preci- - A esta já eu mudei a realidade!
samos de verdade, o que precisamos menos ou até aquilo de que nunca O homem ficou uns momentos em silêncio.
precisaremos. Depois inclinou-se, descalçou os sapatos e as meias e desceu à praia.
E ainda mais curioso: mesmo com esta nova ordem de Começou a recolher estrelas-do-mar e a lançá-las à água.
“penúria”com que somos obrigados a confrontar-nos, sabemos todos Um instante depois desceram duas raparigas e eram já quatro a salvar
que ainda vai haver muita gente com criatividade para não consumir estrelas-do-mar.
metade daquilo que sofregamente vai armazenar.
No entanto, a quadra natalí- Alguns minutos depois, eram cin-
cia é inspiradora de muitos ou- quenta, depois cem, duzentos, milha-
tros sentimentos que caminham res de pessoas que atiravam estrelas-
na direcção oposta da constata- -do-mar para a água. Salvaram-se
ção inicial que aqui trouxemos. todas”.
De facto, este não tem de ser
um tempo só para excessos. Para que todas as estrelas-do-
Ele tem-se transformado -mar se salvassem, bastou um
igualmente numa excelente “primeiro passo”. Por acaso por
oportunidade para grandes ges- parte de quem tinha menos res-
tos que têm corporizado uma ponsabilidade para o dar. Uma
corrente solidária incrível. criança.
Olhando os números de
2010 (nas toneladas de ali- Mas foi preciso um “primeiro
mentos recolhidos e na quan- passo”.
tidade de voluntários envol-
vidos…), quando os ventos E na realidade, muitas vezes
do desconforto já nos assalta- é este primeiro passo que nin-
vam, eles são impressionan- guém dá.
tes e envolvendo gente de to-
dos os sectores e quadrantes Os “crentes” acham que a pala-
da sociedade. vra Natal também se pode tradu-
Nas palavras de Isabel Jonet, Presidente da Federação Portuguesa zir por “ generosidade de Deus”,
do Banco Alimentar contra a Fome, essa campanha de 2010 traduziu-se que exige de todos os homens de
num acréscimo de 30% em relação a outras campanhas realizadas e ficou boa vontade (crentes e não cren-
a constituir um recorde absoluto. tes) o olhar atento à sua volta.
E talvez aqui caiba este conto assinado por Bruno Ferrero: Entender o lado mágico do Natal é entender que o homem novo
“Uma tempestade terrível abateu-se sobre o mar. não existe, mas que o homem melhor é possível.
Ondas gigantescas abatiam-se na praia como golpes de martelo ou como relhas É que o Natal é o sorriso de Deus num mundo que teima em prosseguir
de aço que aravam no fundo marinho. com egoísmos aterradores.
E assim retiravam do fundo do mar os pequenos animais, os crustáceos e os Nunca estivemos sozinhos na nossa existência e não estaremos no futuro.
pequenos moluscos, que ficavam dispersos nas areias da praia. O tempo de Natal é o momento privilegiado para descobrirmos que
a vida só tem sentido se for uma festa de encontros onde se agradecem
Quando a tempestade passou, rápida como tinha chegado, a água aplacou-se os dons.
e retirou-se. Viver em grupo implica viver em verdade e intensidade, colhendo os fru-
tos da sementeira que todos realizamos e dividindo aquilo que recebemos e
Agora a praia era uma extensão de lodo onde se contorciam na agonia, milha- que na realidade muitas vezes devia ser de todos. Isso é a solidariedade.
res e milhares de estrelas-do-mar. Eram tantas, que a praia parecia cor de rosa. Os capelães da Marinha Portuguesa desejam a todos os militares, mili-
tarizados e civis da Família Naval, e também às suas queridíssimas famílias,
O fenómeno atraiu muita gente de todas as partes da costa. Chegaram tam- um Santo Natal sempre envolvidos num mar de solidariedade.
bém equipas de televisão para filmar o estranho fenómeno. Imagem cedida pelo Arqº. João Andrade
SUBTEN ESP-RN 48/74-24º CFORN 74/75
As estrelas-do-mar estavam quase imóveis, prestes a morrer.
Entre as pessoas, agarrada à mão do pai, encontrava-se também uma criança José Ilídio Fernandes da Costa
que fixava as pequenas estrelas-do-mar. CMG Capelão
Todos estavam a olhar e ninguém fazia nada.
De improviso, a criança deixou a mão do pai, descalçou os sapatos e as meias
e correu para a praia.