Page 30 - Revista da Armada
P. 30
NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA (14)
A “Volvo Ocean Race”…
…e a escola da vida
A“Volvo Ocean Race” – uma competi- Viajar por mar – como o anúncio faz suben- se torna parte de nós, um pouco como o lugar
ção de vela ao mais alto nível mundial tender – é sempre diferente de viajar por terra. em que nascemos e crescemos… O lugar em
– tem sido anunciada por toda a grande Marca as pessoas de forma distinta. Traz emo- que nos tornamos melhores pessoas… Então,
comunicação social de uma forma consisten- ções diferentes. É outra poesia. É mesmo, estou na loucura contida que caracteriza estes escri-
te e rigorosa. Os anúncios, em tom sério, atri- seguro, uma escola de vida e para a vida…A na- tos, admiti que a Marinha poderia fazer, por
buem àquela competição os epítetos seguintes: vegar dependemos todos uns dos outros, perde- contraponto, os seguintes anúncios:
mos, em grande parte, o nosso conforto (a nossa
- A maior aventura à face da terra. privacidade) egoísta. Sentimos o mundo e todos - Venha para a Marinha. Faça da sua vida
- Uma viagem cheia de perigos: dia e noite os seus seres de forma diferente. Após algum uma aventura…
consecutivamente no mar… tempo, sentimos o navio como a nossa casa –
ou o lugar de emoções onde nos encontramos… - Aprenda a conviver com os perigos, dia e
- Velejar nas ondas e ventos perigosos: a noite no mar e no quotidiano da vida…
única volta ao mundo que ainda resta… Não fui o primeiro a ter estas noções. Admi-
Ao ouvir estas palavras surgiu-me na mente to que todos os que já estiveram no mar assim - Abrace no seu ser toda a globalidade do
inquieta a seguinte frase - “Olha! Estão a falar pensam de forma mais ou menos consciente… mundo. Torne a sua vida multicolor dentro da
da vida de Marinha”. Na verdade, se medi- Alguns povos de cultura anglo-saxónica chega- farda azul marinha. Sinta a poesia do mar…
tarmos, todas aquelas qualidades podem ser ram mesmo a formar navios-escola para civis,
atribuídas à comum vida de Marinha. Senão com um currículo semelhante aquele que se É claro, cada um dos pacientes leitores que
vejamos, em muitas circunstâncias é uma vida ministrava em terra. Constituíam uma espécie até aqui me toleraram pode acrescentar anún-
de aventura – ao nível pessoal muitas vezes dei de colégios internos em que o mar e a vida cios próprios, matizados pela sua experiência
conta disso nestas histórias – temperada pelo a bordo eram um componente fundamental. pessoal – pois a experiência naval é, sempre
ímpeto de bem servir. A vida do mar, mesmo e em todas as experiências, pessoal e intrans-
no mais moderno dos navios, está repleta de A Marinha é a herdeira das tradições de uma missível… E se a família acarreta algum do
perigos e alguns sofrimentos (como por exem- vida empreendedora e aventurosa de toda uma peso da vida naval, também ganha com gran-
plo a separação familiar prolongada, ou a in- gesta de portugueses, que nem o atual cinzen- de parte das experiências a que o Marinheiro
capacidade pronta de socorro em alto-mar). tismo consegue facilmente apagar. Se a Insti- anónimo está sujeito…
Finalmente, cada marinheiro da atualidade tuição tem essa herança, significa que nós, os
fez a sua própria volta ao mundo. Que pode marinheiros vivos, somos os herdeiros dessa Deixo assim este conselho: vamos ver a
ter começado em Portimão, passar por Ponta tradição. É uma tradição que se deve ostentar “Volvo Ocean Race” sem esquecer a nossa
Delgada e acabar num qualquer ponto de Áfri- com orgulho… própria “Marinha Ocean Race”. Afinal, não
ca, ou das Américas… navegamos por um troféu ou por uma marca
Na verdade, só passado alguns anos percebi automóvel, navegamos por Portugal… é uma
que, apesar de todas as dificuldades, a marinha corrida que não podemos deixar de vencer…
Doc
30 JUNHO 2012 • REVISTA DA ARMADA