Page 26 - Revista da Armada

Ao chegarem a Las Palmas tinham batido o de voo, entre mar e céu, sem ver terra e che- to, em Lisboa, um total de 60horas para toda
record da Aviação Portuguesa que eram as 530 gado aos Penedos, no meio do Atlântico Sul, a viagem.
milhas de Lisboa à Madeira e durante o voo, o com toda a precisão.
óleo da descarga do motor tinha invadido as Ambos granjearam o altíssimo galardão da Foram 60horas + 14m – em quase 4400 mi-
asas, a fuselagem e o pára-brisas – “muito óleo Grã-Cruz da Torre e Espada. Pelo navio bra- lhas tinham errado 14minutos. Sacadura Ca-
e muita porcaria” – como anotaria Gago Cou- sileiro “Bagé”, na altura em Lisboa, o Minis- bral era genial!
tinho no seu “caderno de navegação” e os flu- tro Azevedo Coutinho diligenciou o envio de
tuadores continuavam a dar problemas. outro Fairey (nº.16 – “Portugal”) para Fernan- Os povos, português e brasileiro, fizeram
O voo de Gando a São Vicente fez-se sem do Noronha, a fim de prosseguir a travessia verdadeiras apoteoses aos 2 aviadores, pois as
problemas de maior com as observações astro- aérea. No voo Fernando Noronha – Penedos, vicissitudes deste voo transatlântico a todos ti-
nómicas do Sol a confirmar o rigor da navega- este novo avião teve uma avaria no motor e nha tocado.
ção, muito embora Sacadura Cabral tivesse no- tiveram de amarar em pleno oceano, onde es-
tado – com apreensão – o consumo exagerad­ o tiveram à deriva cerca de 9horas, tendo sido Os reflexos desta viagem vieram a refletir-
do motor o que lhe acarretou perplexidades so- lançado um alerta geral à navegação pelo -se nas mais diversas áreas: científico-cultural,
bre o voo para os Penedos de S. Pedro e S. Paulo. “República”. político-económica, para não falar nas da mo-
Em S. Vicente, o Fairey numentalidade e lapidaria, toponímia, numis-
(nº. 40) por decreto de Lisboa mática e medalhística, música, filatelia, pintu-
foi baptizado “LUSITÂNIA”. ra e literatura.
Aproximava-se, contudo,
o momento crucial e decisi- As relações entre as 2 pá-
vo de toda aquela viagem: a trias que era, aliás, um dos
etapa seguinte. propósitos de Sacadura Ca-
O voo de S. Tiago (Praia) bral para a realização da
até aos Penedos era de 900 viagem, beneficiaram de um
milhas e os Penedos ocu- ambiente muitíssimo mais
pavam cerca de 200m, no amigável.
Atlântico Sul 1°, a Norte do
Equador, e neles o “Repúbli- No regresso a Lisboa fo-
ca” deveria pairar para asse- ram promovidos ao posto
gurar o apoio geral e garantir O Cruzador República junto dos Penedos de S. Pedro. imediato.

o abastecimento de gasolina e óleo. Sacadura Cabral confessou, mais tarde, que Com o decorrer dos anos
Um voo de cerca de 11 horas, sobre o ocea- o pior para ele tinha sido…ficar sem cigarros. foi-se desvanecendo, no es-
no, tendo por um único apoio à navegação, o O hidroavião acabou por se afundar, tendo- trangeiro o interesse pela via-
Sol, se fosse visível. -se conseguido retirar o motor da fuselagem, gem, e, em Portugal, pouco
Como diria, mais tarde Sacadura Cabral, no mesmo assim, numa faina que durou 15horas. talvez se tem feito para a va-
seu relatório: “foi este o bocado mais amargo Foi enviado, então, o último Fairey da Avia- lorizar devidamente no campo científico e man-
da viagem, pela incerteza de ter ou não gasoli- ção Marítima (Nº 17) a bordo do “Carvalho de ter viva a sua memória.
na para chegar aos Penedos”. Araújo” do comando do Cmte Cisneiros de Fa- A Armada e os meios aeronáuticos não des-
Esgotada que foi a gasolina dos flutuadores, a ria, do mesmo curso da Escola Naval que Sa- curaram, contudo, todo o seu real significado
existente nos tanques só dava para 10 horas de cadura Cabral e seu velho amigo. e associaram-no – e bem – à travessia noctur-
voo e o consumo do motor manteve-se acima É com este hidroavião – que no Rio de Ja- na do Atlântico Sul, pelo hidroavião bimotor
do previsto. ARGOS, realizado por Jorge Castilho e outros
Mesmo assim, embora (16/17 MAR 1927 Sarmento de Beires, Duval-
com alguma ansiedade, os le Portugal, Manuel Gouveia), com métodos e
dois oficiais decidiram pros- processos já usados anteriormente no voo Lis-
seguir, pois como Sacadura boa – Rio de Janeiro.
Cabral diz:
“…desde a partida de Lis- Ao chegarem à costa brasi-
boa tinham metido a vida leira, Castilho e os seus com-
em despesa”. panheiros tiveram um único
A navegação astronómica telegrama de felicitações – o
continuou impecável e daí de Gago Coutinho, pois Sa-
que, chegar ou não aos Pe- cadura Cabral já tinha fale-
nedos, não era uma questão cido. Do Governo – silêncio.
de Direcção, mas sim unica-
mente uma questão da gaso- Fomos nós, os portugue-
lina chegar ou não. ses, os primeiros europeus
Os Penedos foram avista- A chegada à baía de Guanabara – Rio de Janeiro 17 junho 1922. a atravessar o Atlântico Sul,
por mar, no século XVI, uti-
dos quase na proa e perto deles o “República”, neiro seria baptizado “S. Cruz” pela esposa do lizando a navegação astro-
do comando do CTEN Oliveira Muzanty. Presidente Epitácio Pessoa – que os nossos dois nómica.
Amararam a cerca de 150m do navio, que já marinheiros-aviadores, em 17 Junho de 1922,
tinha um escaler na água, pronto para a faina. às 14.32 locais, amararam na baía de Guana- Fomos também nós, os
Não haveria, no avião, mais do que 2 ou 3 bara, no Rio de Janeiro: portugueses, os primeiros a
litros de gasolina! - Sacadura Cabral, içando a bandeira bra- voar através do Atlântico Sul
A FORTUNA FAVORECE OS AUDAZES ! sileira; – de dia e de noite – com
A calema levou o flutuador de BB e o avião - Gago Coutinho, salvando com 21 tiros de novos processos astronómicos por nós criados.
afundou-se e, tudo o que pode ser salvo, passou very-lights. Os sextantes de bolha mantiveram-se em ac-
para bordo do escaler. Estava completada a travessia aérea Lisboa/ tividade durante cerca de 40 anos, mas com o
Tinham percorrido 900 milhas, em 11horas Rio de Janeiro. Sacadura Cabral tinha previs- advento da era electrónica, foram relegados para
um passado histórico.
Sacadura Cabral e o seu mecânico desa-
pareceram, sem sepultura, no Mar do Norte
(15NOV1924) quando traziam, da Holanda,
um avião Fokker para Portugal.
Sacadura Cabral tinha 43,5 anos e preparava
uma viagem aérea de circum-navegação.

26 JUNHO 2012 • REVISTA DA ARMADA