Page 25 - Revista da Armada
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A TRAVESSIA AÉREA
Nos princípios de 1918, o Serviço de
        Aviação da Armada passou a designar-         Como Santos Dumont tivesse emitido uma        nal, o que se reflectia negativamente nas verbas
        -se “Serviço de Aeronáutica Naval” e       opinião pouco favorável sobre o projeto, os     disponíveis para a viagem.
                                                   brasileiros desinteressaram-se de participar e
nomeado seu Director o CTEN Sacadura Ca- os portugueses ficaram, assim, sozinhos peran-              Os dois oficiais da Armada completavam-se
bral, o mais antigo aviador da Armada, breve- te o desafio.                                        um ao outro, pois – as tarefas de organização
tado em França (MAR 1916), dois anos antes, Anteriormente, em 1920, a tentativa de Brito           e conduta da travessia eram da responsabili-
com a nota de “très bon pilote”.                   Pais e Sarmento Beires (18 Outubro 1920) em     dade de Sacadura Cabral enquanto que, as de
A travessia do Atlântico Norte (MAIO 1919) voar de Lisboa ao Funchal falhara, precisamente         preparação/execução da navegação cabiam a
foi tentada pela Aviação Naval Americana, com por falta de um processo exacto de navegação.        Gago Coutinho.
3 hidroaviões quadrimotores, mas só um deles O raid da nossa Aviação Naval, de Lisboa ao
(NC4) conseguiu chegar ao fim; muito embora Funchal (22 Março 1921), realizado, proposi-             Tornava-se necessário dispor, agora, de um
houvesse navegadores qua-                                                                          avião adaptado à travessia transatlântica e que
lificados em navegação ma-                                                                         desse garantias mínimas de sucesso.
rítima, nenhum processo es-
pecial de posicionamento foi,                                                                                            No planeamento da via-
contudo, utilizado.                                                                                                   gem, o troço mais difícil e
Na navegação aérea per-                                                                                               problemático era o de Cabo
sistia a falta de precisão.                                                                                           Verde ao Brasil e foi escolhi-
Há quem admita que Sa-                                                                                                da a ilha de Fernando No-
cadura Cabral, no seu voo,                                                                                            ronha para fim dessa etapa.
de hidroavião, de Calshot
para Lisboa (1920), se terá                                                                                              Contudo, não havendo
convencido da possibilida-                                                                                            nela local para pousar um
de de se voar, com precisão,                                                                                          avião, Sacadura Cabral teve
sobre o mar, usando os prin-                                                                                          de optar por um hidroavião,
cípios da navegação maríti-                                                                                           pois – dizia ele – sempre po-
ma, mas com adaptações à          Largada de Lisboa – 30 Março 1922.                                                  dia pousar no mar em caso
                                                                                                                      de avaria; acrescente-se a isto,
velocidade do avião e ao vento.                    tadamente de dia e sem alarido, por Sacadura                       que a verba governamental
Daí, ter interessado o Comandante Gago Cou- Cabral, Gago Coutinho, Ortins de Bettencourt e                            disponível só permitia a aqui-
tinho – seu antigo chefe nas missões geodésicas Roger Soubiran, num hidroavião bimotor (Short                         sição de um monomotor.
em África – a estudar o assunto, pois sabia-o um F3), provou, consistentemente, que o sistema in-    Foi escolhido um motor Rolls Royce, em virtu-
excelente observador astronómico e, além disso, tegral de navegação aérea científica era fiável e  de das boas provas já dadas noutras viagens aé-
envolvido em experiências com o horizonte arti- suficiente para, com segurança, conduzir uma       reas e, quanto ao hidroavião com flutuadores, foi
ficial de bolha de ar.                             aeronave sobre a imensidão do oceano.           seleccionada a Casa Fairey por ter apresentado
O projecto da viagem aérea Lisboa-Rio de A distância à Madeira foi voada sem qual-                 o preço mais baixo e ter experiência no assunto.
Janeiro previa a colaboração do Governo Bra- quer dificuldade e, pela primeira vez, uma ae-          30 MARÇO 1922
sileiro e foi apresentado, por                                                                       O Ministro da Marinha tinha tomado posse
Sacadura Cabral (26 MAIO                                                                           há cerca de 2 meses – o CFRAzevedo Coutinho.
1919), ao Ministro da Mari-
nha de então, Dr. Vítor Ma-                                                                                              São 06.30h da manhã
cedo Pinto.                                                                                                              Da Doca do Bom Sucesso
Sacadura Cabral, designa-                                                                                             sai o Fairey (nº. 40) e dirige-
do para estudar a ideia, come-                                                                                        -se para o espelho de água
çou a preparar a viagem, pro-                                                                                         do Tejo.
cedendo a diversos ensaios                                                                                               Sacadura Cabral diz en-
em terra e em pequenos voos                                                                                           tão: “Alea jacta est”!
com Gago Coutinho.                                                                                                       Às 07.00h descolam
Sabia bem que o sucesso                                                                                                  A bordo dois oficiais da
dependia, em grande parte,                                                                                            Armada-aviadores:
duma cuidadosa preparação                                                                                                Piloto – CTEN Sacadura
de todos os aspectos do voo.                                                                                          Cabral, 41 anos, solteiro, um
Entretanto, o Presidente                                                                                              vulcão de personalidade, au-
Português fora convidado                                                                                              tor da ideia da viagem.
pelo Presidente Eleito do                                                                                                Navegador – CMG Gago
Brasil a visitar aquele país,     Os dois heróis.                                                                     Coutinho, 53 anos, igual-
                                                                                                                      mente solteiro, mentor do
por ocasião das celebrações do 1º centenário ronave chegou àquela ilha.                                               sistema integral de navega-
da independência do Brasil (1822-1922) e Sa- Gago Coutinho preparara um algoritmo expe-                               ção aérea científica.
cadura Cabral pensava aproveitar esta circuns- dito que reduzia o tempo do cálculo e traçado         Levam o material essencial, reduzido ao mí-
tância para realizar o voo ao Rio de Janeiro, duma Recta deAltura e tivera a ideia de adaptar      nimo dos mínimos, para ser possível transportar
pois tal travessia aérea poderia contribuir para ao sextante normal um nível de bolha de ar por    o máximo de gasolina e óleo.
uma melhoria nas relações entre os dois países. si concebido, em que a altura dum astro não se       A bordo há, ainda, uma garrafa de vinho do
Em Portugal saíra, entretanto, um decreto ins- alterava com as oscilações do avião.                Porto, um exemplar dos Lusíadas, para ser ofe-
tituindo um prémio de 20 contos para a aviação A estes trabalhos juntaram-se as dificuldades       recido ao Gabinete Português de Leitura do Rio
militar – portuguesa ou brasileira – que fizesse a provenientes da instabilidade dos governos em   de Janeiro, e uma carta do Presidente Português
1ª. travessia aérea Lisboa – Rio de Janeiro.       Lisboa e da iminência de uma bancarrota nacio-  para o Presidente Brasileiro – Dr. Epitácio Pessoa.
                                                                                                     Teriam consciência que estavam a iniciar
                                                                                                   o mais notável feito português do século XX?

                                                                                                   REVISTA DA ARMADA • JUNHO 2012 25
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