Page 31 - Revista da Armada
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NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA (21)
O primeiro dia… para lá da Taprobana…
A nobre ilha também de Taprobana1 tive o prazer de visitar aquando de missão Corvetas no Canal entre o Faial e o Pico.
Já pelo nome antigo tão famosa NATO – que agora me parece tão longínqua. É verdade que não viram os milhares de mati-
Quanto agora soberba e soberana Conheci a “Cafeteria Geral”, onde os preços zes que o sol toma no brilho metálico do mar
Pela cortiça cálida e cheirosa2 são iguais aos do público em geral e muito, espelhado de um tom prata, que fere o olhar. É
Dela dará tributo à Lusitana muito longe, dos quadros compostos por nós verdade, fundamentalmente, que não conhe-
Bandeira, quando, excelsa e gloriosa na torre de marinheiro, dos nossos “Bares da Canti- cem o tempo que o mar tem para histórias de
erguida, na”, com preços convencionados à bolsa dos marinheiros (…únicas de intriga e sabor), que
Em Columbo3, dos próprios tão temida… marinheiros… ao longo dos anos fui descrevendo… Não
conhecem, numa palavra, o sentir da mare-
C Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas Também na Messe dos Oficiais senti, imen- sia (que é parecido com o sentir da saudade,
hegou o dia que marca a diferença. Lá so, a falta do bacalhau à Segunda-Feira, e de da solidão e do vento em dia de tempestade),
fui, de guia em punho, para a minha algum dos marinheiros da Taifa que comigo que me marcou profundamente…
Nova Unidade. Nada menos que o embarcaram e que fui encontrando pelas vá-
HFAR, a Unidade do Lu- rias Unidades Navais por onde passei. Tive Contudo, tenho a certeza, todas as pessoas
miar, do Pólo de Lisboa, saudades das suas gentilezas, que nunca dei- têm os seus méritos, a sua cultura (também
do Centro Hospitalar de xei de retribuir, e azedei com o peixe cozido
Lisboa das Forças Arma- onde as proporções estavam invertidas; em certamente influenciada
das (…longo não é!?). Al- vez de peixe temperado com algum sal, rece- pela cultura da instituição
guém, sorrindo, reparou bi sal temperado com algum peixe… a que pertenciam). Uma
que HFAR também pode coisa é certa, pelo que
corresponder às iniciais Posso dizer que fui bem recebido, com me toca, não deixarei
de Hospital da Força Aé- muita dignidade e, ouso afirmá-lo, até com de ser quem sou… Vou
rea. Certamente a dupla alguma simpatia. Esta foi demonstrada parti- também fazer o que esti-
correspondência não terá cularmente pelos camaradas da Força Aérea, ver ao meu alcance para
sido mais que outra das especialmente da Cardiologia, que conheço fazer da “nova Unidade”
traições da Língua Portu- desde há muitos anos. De certo modo po- uma Marinha “pequeni-
guesa. É uma certamente demos dizer que já constituímos uma Task na”, no que diz respeito
justa traição, porque o Force Aero-Naval, sediada naquele porta- às relações interpessoais.
edifício principal e sede -aviões… Na verdade muitos lembram que a Tecnicamente acredito
da nova estrutura corres- Força Aérea nasceu na Marinha… (…e acreditamos muitos),
ponde ao que antes se que se deve aproveitar
designava por Hospital A verdade é que o paradigma da Saúde esta nova realidade, um
da Força Aérea. Militar mudou irreversivelmente. Dizia- Hospital maior e com
-me um outro marinheiro na mesma Uni- mais recursos, para criar
Levava alguma ansie- dade, eles não te conhecem, ó Doc… mais capacidades técni-
dade. Estou formatado É bem verdade. É verdade que muitos dos cas, só possíveis com a
pela Marinha e não só novos técnicos de saúde com que agora massa crítica que agora
pela Marinha do finado vou privar não conhecem o balanço das se antevê…Também esta
Hospital da Marinha, será na conjuntura atual a
agora encalhado num estertor agónico ali melhor maneira de servir
para os lados de Sta. Clara. O inesperado e a Marinha…
a rapidez do movimento ainda me causam Deste modo, como na estrofe introdutória
surpresa. Não fui o primeiro, nem o mais an- do Grande Camões, a Saúde Naval passou
tigo, a rumar para o Pólo do Lumiar – já tra- para lá da longínqua Taprobana cujo mito há
balham no HFAR vários outros médicos que muito se antevia. Eu, humildemente, espero
fardam do “Azul Mais Escuro” e usam óculo ter a arte para, deste novo estar, saber colher
carmim nos galões, entre eles um Almirante a canela doce, para glória desta tão maltra-
na Reserva Ativa. tada pátria Lusitana. Os meus novos cama-
radas a seu tempo saberão certamente que
Aos poucos fui percebendo que sou Co- há um médico de Marinha que escreve sem
mandante. Em tantos anos de Marinha, e mandato. Não é poeta grande como o outro
excetuando a passagem pelo Instituto de Es- Luís atrás citado. É o Doc e é marinheiro…
tudos Superiores Militares, sempre fui Dou-
tor. E lá fui andando entre Capitães que não Doc
são de mar, Majores e Coronéis, que não são
“meus”… Mas são da Força Aérea e do Exér- Notas:
cito Português… 1 Ilha de Taprobana – Ilha de Ceilão
2 Cortiça cálida, cheirosa – Casca cheirosa, a canela.
Percebi que a estrutura hospitalar era nova 3 Columbo – Capital de Ceilão.
e moderna, com um ar americano, que fazia N.R.
lembrar o Hospital Naval da Base Naval de O 1TEN MN J.R. Croca passa a ilustrar as Novas Histórias
Mayport, em Jacksonville, Florida, EUA, que da Botica.
REVISTA DA ARMADA • MARÇO 2013 31