Page 31 - Revista da Armada
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NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA (29)
De manhã cedo… uma história
de encantar para marinheiros…
Tentamos então imaginar, o inimaginável… tem uma propensão natural para se colo- opinião, está na essência daquilo que
Oliver Ikor, In “O Século de Ouro dos car em sarilhos, quando imperativos da somos. É a chama mais profunda da vida
Navegadores Portugueses”, 2011. alma (incompreensíveis para muitos) lhe naval, aquilo que nos distinguiu de mui-
impunham temas que outros esqueciam. tos outros ao longo da História e aquilo
Avida é feita de encruzilhadas. Mais ainda, alguns desses escritos reve- que nos continuará a distinguir…
Cruzamentos em que voltar à lavam uma “vontade de querer mudar o
esquerda pode ser um mau ca- mundo”, que alguns teriam calado… Ora hoje, com a história em atraso, o
minho e voltar à direita se afigura cheio médico em questão levantou-se de ma-
de surpresas inesperadas… Há muitos Assim, esse médico, que conheço bem, nhãzinha para produzir estas letras, esta
anos, um médico jovem que salvo imperativos institucionais compre- história de encantar. É verdadeiramente
gostava de ler e rabiscava pa- ensíveis na RA, pode sempre dar largas uma história de encantar proporciona-
péis no silêncio, a que ele à sua “liberdade criativa”, de uma forma da pelas voltas da vida, pois quem diria
próprio não atribuía qualquer rara, quer nos meios militares, quer fora
valor, recebeu um convite para deles… Essa liberdade define a Marinha, que duas pessoas separadas
escrever um artigo na Revista a Marinha intelectual, a Marinha dos por posto, função e idade,
da Armada (RA). Esse artigo, navios, a Marinha das repartições… a iriam ter uma tão longa ca-
que falava de factos da alma, noção de que qualquer homem pode ter minhada… Só na Marinha,
pouco importantes para a ideias, pode ser livre dentro de si próprio pensará o leitor a este tem-
maioria, foi valorizado… e que isso não implica o não cumpri- po. Sim, só entre marinhei-
mento da sua missão militar. Esse lega- ros, diz daqui o médico em
Assim, ousadamente, algum do foi sempre defendido pelo Almirante questão, pois para os dois
tempo depois esse mesmo mé- descrito nesta história e, salvo melhor heróis desta viagem (…e
dico, primeiro-tenente, propôs para alguns outros de que
a um determinado Almirante outras histórias já falaram e
a eventual publicação de uma de que muitas falarão ain-
história especial. Essa história, da), foi uma viagem épica,
que tinha um título infantil, que nunca vai acabar – pois
ingénuo mesmo, chamou-se a gratidão não tem prazo de
“A estrelinha do Céu“. A his- validade e a memória escri-
tória saiu e também foi valori- ta fica para sempre. Esta é a
zada, de um modo que muito força da palavra.
espantou o autor…
Como em todas as histó-
Desde então e após essa en- rias, ficará sempre algo por
cruzilhada, o médico nunca dizer, que as palavras não
mais perdeu o caminho da es- definem. Essa sensação ín-
crita e o Almirante nunca dei- tima que a escrita é capaz
xou de o apoiar, na escrita e na de fazer sentir dentro de
vida… Pois a vida tem tempes- cada um de nós. Da relação
tades que só na escrita são ca- profunda entre o médico e
pazmente refletidas. E este mé- o Almirante, ficarão muitos
dico sentiu – talvez pela escrita episódios por contar. Esses
– o isolamento a que alguns o entrarão para a categoria de
quereriam votar, sentiu a do- “mito naval”, ou serão alvo
ença grave de um filho, sentiu de outros escritos. Porque
a descrença no caminho e por a viagem não acabou nem
algumas vezes esteve prestes a para o Almirante, nem para
desistir da escrita na RA. o médico… nem mesmo
para a RA…
Por vezes o Almirante era duro para
o médico. Duro particularmente com Um grande abraço para o
os prazos da escrita, raramente com os Almirante na sua nova via-
temas, pois ao contrário do que muitos gem. Sem ele teria sido muito mais difí-
imaginarão, ao longo dos anos poucas cil imaginar o inimaginável: que a vida
ocasiões houve em que esse médico e a escrita iam acontecer…
sentiu qualquer tipo de pressão ou cen-
sura, mesmo quando os temas eram po- Doc
lémicos… Ora os escritos foram polémi- REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2013 31
cos vezes sem conta, pois esse médico