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REVISTA DA ARMADA | 495
Nicolas Deleride − Lisboa. Museu Nacional dos Coches
muito pobre, “entalado” entre o Atlânti- europeus, estendendo-se por quase 600 Com um título desta envergadura, o
co e os reinos de Castela e Aragão. Ficou anos. De facto, pesquisas recentes têm que os portugueses mantinham sempre
claro que seria mais fácil atravessar o mar levado a sugerir que a Austrália também presentes é que o seu Rei, na verdade, era
do que a terra, para chegar a outros mer- está na lista dos descobrimentos portu- o líder de todo o então mundo conhecido.
cados de prosperidade. gueses, 250 anos antes de James Cook ter Esta consciencialização fortaleceu sobre-
anunciado a sua chegada aos antípodas. maneira a vontade nacional, de todos os
Nesta encruzilhada, tornou-se óbvio portugueses, quer vivessem na metrópo-
que o mar era o destino português. Serviu Esta enorme “área portuguesa” serviu le, quer estivessem a fazer as suas vidas
como caminho para chegar a outras pes- como um íman que uniu povos, culturas e nalguma colónia.
soas, culturas, religiões e crenças. Apren- nações. A plena compreensão do fator hu-
demos desde cedo a saber estar em casa mano presente num determinado ambien- Esta visão, quase paternal, que se ti-
de outrem, tendo cuidado em não impor te é basilar para o sucesso da aplicação do nha do Rei, era a mesma que ele tinha
a nossa vontade sobre a dos outros e, CA. O que pode ser óbvio para nós hoje, sobre o império português, o que acabou
desde cedo, a aceitar as diferenças que certamente não foi o caso há séculos atrás. por se destilar no ser e agir dos coloni-
existem e facilmente ultrapassá-las. Esta O curioso é que alguns autores defendem zadores sobre os colonizados. Embora
atitude e comportamento foram sendo que os portugueses, de alguma forma, de- os portugueses estivessem a colonizar
inegavelmente decalcados no código ge- tinham uma extraordinária capacidade, aquelas terras longínquas para cuidar
nético português ao longo dos séculos e não só para se adaptarem aos outros, mas, dos seus interesses, e não sejamos in-
hoje é bem reconhecido que todo o por- mais interessantemente, fazer com que os génuos pensando o contrário, tínhamos
tuguês se relaciona bem com qualquer outros se adaptassem aos portugueses, uma responsabilidade nacional para cui-
um que não represente uma ameaça. As oferecendo-lhes total lealdade de forma dar dos colonizados e de tratá-los como
Forças Nacionais Destacadas (FND) no absoluta e estranhamente voluntária. se dos nossos filhos se tratasse.
Afeganistão, Kosovo ou Timor, são disso
exemplos reiteradamente comprovados. D. Manuel I foi reconhecido como um Toda a ideia não era dominar vastas
Considero, pois, que esta maneira de ser, dos mais proeminentes Reis da nossa his- áreas do interior, mas manter pontos de
este comportamento humano natural, foi tória. Tendo recebido um enorme legado comércio fortes com os locais já que o co-
extremamente importante para a aplica- do Príncipe Perfeito, o seu empenho e li- mércio era obrigatório − representava a
ção dos princípios do CA. derança contribuíram para a constituição principal fonte de receita do país.
do império português, fazendo de Por-
As primeiras descobertas no Atlântico tugal um dos países mais ricos e pode- Os portugueses, de facto, tinham um
da Madeira e dos Açores lideraram os pri- rosos da Europa na época. Como então carinho especial e que hoje ainda existe,
meiros movimentos de colonização. De referido, ele foi, Pela Graça de Deus, Rei mesmo que haja muitas histórias e, obvia-
Ceuta até ao reconhecimento formal de de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e mente, muitas situações, que demonstra-
Timor-Leste como um Estado soberano d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné ram o contrário. Esta ligação especial foi
em 2002, o império português foi o mais e Conquistador da Etiópia, Arábia, Pérsia fundamental para tornar viável a condu-
longo dos modernos impérios coloniais e Índia. ção da guerra contra os insurgentes com
tanto sucesso por tanto tempo.
ABRIL 2015 19