Page 29 - Revista da Armada
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VIGIA DA HISTÓRIA 			                       73

ESCORBUTO

  A primeira notícia que recolhi acer-      tuindo aquilo a que, nos nossos dias, de-
ca desta doença foi no chamado Roteiro      signaríamos por “Grupos de Risco“.
da Viagem de Vasco da Gama, cujo autor
anónimo, após relatar o longo período         Após uma descrição da sintomatologia
gasto na travessia do golfão, no regresso   da doença era recomendado que os doen-
da Índia, deixou escrito o seguinte:        tes, logo que desembarcassem, fizessem
                                            exercício físico diário, vivessem em casas
  “... que três meses menos três dias gas-  limpas e perfumadas, ou seja, sem cheiros
támos nela; isto com muitas calmarias e     fétidos, bebessem água pura e bom vinho
ventos contrários, que em ela achámos,      e se alimentassem moderadamente.
de maneira que nos adoeceu toda a gen-
te, das gengivas, que lhes cresciam sobre     Já que no que se refere à alimentação
os dentes em tal maneira que não po-        aconselhava a ingestão de caldos de ani-
diam comer; e, isso mesmo, lhes incha-      mais tenros, nomeadamente vitela, fran-
vam as pernas, e grandes outros incha-      go ou cabrito, cozidos com alfaces, alhos,
ços pelo corpo, de guisa que lavravam       cebolas, hortaliça fresca e sumo de laran-
um homem até que morria sem ter outra       ja e, na falta de hortaliças e frutas, dever-
nenhuma doença“ acrescentando ainda         se-iam consumir caldos de arroz.
que era sua convicção de que se a via-
gem durasse mais quinze dias não have-        Para o tratamento das gengivas e dos
ria quem governasse os navios.              dentes, que frequentemente apodreciam,
                                            o Tratado recomendava o uso de água
  A partir deste relato poucos são aque-    com mel rosado.
les que, reportando-se às viagens efec-
tuadas pelos portugueses, não contêm          Caso a dieta e o tratamento indicados
referências à doença e às muitas baixas     não lograssem qualquer efeito haveria,
por ela provocadas. Também é constante,     então, necessidade do doente se sujeitar
nesses mesmos relatos, a indicação das      a purgas.
várias tentativas terapêuticas para debe-
lar tal flagelo, com práticas tão absurdas    Nota: É curioso que, apesar de já te-
como era o corte do inchaço das gengi-      rem sido feitas anteriormente experiên-
vas, seguido do bochechar com vinagre       cias que demonstravam que a ingestão
e até, pasme-se, com a própria urina, isto  de sumo de limão era suficiente para o
para além das habituais purgas e sangrias,  combate da doença, originada pela ca-
práticas essas claramente demonstrativas    rência da vitamina C, ainda esse facto
do desconhecimento quanto às causas         não fosse reconhecido.
da doença e do desespero e impotência
quanto ao seu tratamento.                                                             Com. E. Gomes

  A doença, passado algum tempo, co-        N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico
meçou a ser chamada, e assim era conhe-
cida, como o Mal de Luanda, cidade esta     Fonte
onde, em 1770, vivia o médico Francisco     Studia nº 20/22.
Damião de Goes que, nesse ano, publicou
um Tratado sobre o Escorbuto.

  O Tratado começava exactamente por
contestar a designação de Mal de Luanda
pois, como referia, a doença não era en-
démica e só surgia nas pessoas que chega-
vam de longas viagens pelo mar, nas que
viviam nas prisões ou também nas que le-
vavam uma vida ociosa e pouco higiénica.

  Segundo o seu parecer os mareantes
gordos ou aqueles com ventres volumosos
eram os mais propensos à doença, consti-

                                                                                                         AABBRRIILL 22001155 29

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