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REVISTA DA ARMADA | 501 16
Stratεgia
GUERRA HÍBRIDA
“Cada era teve as suas formas peculiares de guerra”, Clausewitz
“Temos um registo perfeito na previsão das guerras futuras (…) e esse registo é de 0%”, General H. R. McMaster
INTRODUÇÃO Cavalo de Tróia
No artigo anterior, foram apresentadas algumas tecnologias com em que a ação do Exército regular anglo-português se combinou
potencial para determinar os empenhamentos marítimos e com a dos movimentos de guerrilha portugueses, para expulsar as
navais do futuro. Porém, importa lembrar que o elemento funda- tropas de Napoleão de Portugal.
mental em qualquer guerra é o humano. De facto, os inimigos (do
passado, do presente e do futuro) são pessoas com capacidade de Nos últimos anos, alguns contendores têm vindo a refinar esta
escolher as linhas de ação mais adequadas aos seus propósitos. Daí forma de aproximação aos conflitos, com estratégias multidimen-
que os conflitos tenham evoluído para formas cada vez mais com- sionais bastante difíceis de contrariar.
plexas, em que os contendores selecionam as modalidades de ação
que melhor servem os seus interesses. É esta combinação de mo- O primeiro conflito recente usualmente referido como um exem-
dalidades de ação (por vezes, completamente distintas) que se tem plo de guerra híbrida foi o que opôs Israel ao Hezbollah em 2006
convencionado adjetivar com o termo híbrido/a (dando origem a (Segunda Guerra do Líbano). Nesse conflito, o Hezbollah usou um
expressões como ameaça híbrida, guerra híbrida ou estratégia hí- arsenal de armas convencionais em ações de guerrilha, além de
brida, entre outras). guerra psicológica, terrorismo e atividades criminosas. Além disso,
desenvolveu uma campanha de propaganda, que tentou criar a per-
A guerra híbrida ao longo da história ceção (errada) de que estava a vencer a guerra. Hassan Nasarallah,
líder do Hezbollah, afirmou que o seu grupo “não era um exército
O Grande Dicionário da Língua Portuguesa define híbrido como regular, mas também não era uma guerrilha, no sentido tradicional;
o “que provém de duas espécies diferentes”. Assim, no âmbito dos era algo intermédio”, acrescentando que esse era “o novo modelo”.
estudos da guerra, o termo híbrido emprega-se quando existe uma
combinação de meios convencionais e não-convencionais (ou irre- Entretanto, desde 2013 o mundo tem assistido a mais uma guer-
gulares). ra híbrida, com a ascensão do autodenominado Estado Islâmico no
Iraque e na Síria. São por demais conhecidas as técnicas empregues
A utilização deste adjetivo em matérias de segurança e defesa por esse grupo, que combinam de forma sinérgica operações mili-
popularizou-se no início dos anos 2000, muito por ação de Frank tares convencionais com terrorismo, crime organizado e utilização
Hoffman, militar e analista americano. Segundo ele, a guerra híbri- extensiva do ciberespaço (para propaganda, recrutamento e guerra
da consiste no emprego, em simultâneo e de forma adaptativa, de cibernética). O próprio presidente dos EUA, Barack Obama, reco-
uma combinação complexa de armas convencionais, guerra irregu- nheceu que o autodenominado Estado Islâmico é “uma espécie de
lar, terrorismo e criminalidade, visando atingir objetivos políticos. híbrido [entre] uma rede terrorista (…) e um exército”.
Para Hoffman, esta é uma nova forma de condução da guerra, que
vem quebrar a tradicional separação binária rígida entre guerras Todavia, foi o confronto na Ucrânia que trouxe a guerra híbrida
convencionais e irregulares. para a primeira linha do debate securitário internacional. Com efei-
to, a Rússia tem usado, neste conflito, ações nas seguintes dimen-
Contudo, a ideia de associar meios convencionais com meios ir- sões:
regulares para a prossecução de objetivos estratégicos não é nova.
Como afirmou recentemente o Secretário-Geral da NATO, Jens
Stoltenberg, a primeira guerra híbrida terá sido a de Tróia, com o
célebre Cavalo de Tróia a constituir-se como o elemento não-con-
vencional que acabaria por decidir a contenda. Ao longo da história,
várias são as guerras que se enquadram nesta caracterização. No
âmbito internacional, pode referir-se a Guerra da Independência
dos EUA (1775-83), em que além do Exército Continental, coman-
dado por George Washington, se envolveram numerosas milícias
populares, que contribuíram para a derrota das tropas britânicas.
No âmbito nacional, pode referir-se a Guerra Peninsular (1807-14),
4 NOVEMBRO 2015