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REVISTA DA ARMADA | 501
Homenzinhos verdes A guerra híbrida em ambiente marítimo
• Política: acusações de falta de legitimidade do governo ucrania- Esta aproximação aos conflitos tem também efeitos na condu-
no e promoção do separatismo; ção de operações navais, designadamente na capacidade de operar
em segurança no litoral, mesmo quando o nível de ameaça con-
• Social: acentuação das clivagens étnicas e apoio declarado à vencional percebida é baixo. Por exemplo, na Segunda Guerra do
população de etnia russa; Líbano a corveta israelita “Hanit” foi atingida por um míssil anti-
-navio, alegadamente fornecido pelo Irão ao Hezbollah. Bem mais
• Económica: chantagem com o fornecimento de gás; recentemente (em 16 de Julho deste ano), um grupo afiliado do
• Militar: fornecimento de armamento às milícias pró-russas, autodenominado Estado Islâmico reivindicou um ataque de rocket
infiltração dos célebres homenzinhos verdes (ou little green men)1 (ou míssil anti-carro) contra um navio da Guarda Costeira Egípcia,
e concentração de forças militares convencionais junto à fronteira na península do Sinai. Estes ataques expuseram muitas das vulne-
russo-ucraniana; e rabilidades das forças navais no ambiente litoral, que se acentuam
• Informacional: campanhas de propaganda, ciberataques, des- na presença de ameaças híbridas.
vio de tráfego da internet e ataques físicos a infraestruturas dos
sistemas de comunicação e informação. Isso tem obrigado a repensar alguns procedimentos operacio-
Estas ações estão ao serviço de uma estratégia ambígua, em que nais, cabendo aqui recordar que a Marinha Portuguesa esteve na
é difícil discernir quais as verdadeiras intenções. Tal ambiguidade origem da doutrina tática da NATO para lidar com este tipo de ame-
corresponde a uma prática conhecida nos meios militares russos aças (ATP-74 - Force Protection against Asymmetric Threats) e é
como maskirovka2, que pode ser definida como a arte da deceção custódia de parte dos desenvolvimentos táticos em curso nesta ma-
e do engano. téria. Além disso, Portugal, através da Marinha, tem vindo a liderar,
no seio da NATO, um projecto intitulado NATO Harbour Protection,
Algumas características da guerra que tem por objectivo desenvolver a capacidade de defesa portu-
híbrida atual ária em operações expedicionárias. Concretamente, pretendem-se
desenvolver doutrinariamente os princípios e as práticas destina-
Em todos os casos descritos se verifica o envolvimento de atores dos a incrementar a proteção de navios e de infraestruturas críticas
em ambiente marítimo-portuário, assim como as especificações
irregulares não-estatais, tais como milícias, grupos criminosos e re- técnicas e de interoperabilidade que sustentem a edificação desta
capacidade.
des terroristas, apoiados por um ou mais Estados. Nos casos apre-
Considerações finais
sentados, os atores não-estatais foram/são o Hezbollah, o autode-
Face ao exposto, conclui-se que as guerras híbridas incorporam
nominado Estado Islâmico e os separatistas ucranianos, apoiados um leque cada vez mais alargado de formas de coação, que incluem
força militar, guerrilha, sabotagem, terrorismo, criminalidade, pres-
respetivamente por Irão, alguns Estados sunitas e Rússia. são económica, guerra cibernética e propaganda. Isso dá lugar a
combinações quase infinitas, que tornam bastante difícil prever
Esta mescla entre atores convencionais e irregulares é, como já como serão as guerras híbridas do futuro. Dependendo da situação,
os atores híbridos selecionarão – como se escolhe num menu – as
foi referido, a principal característica de qualquer guerra híbrida, a formas de coação que melhor contribuam para o enfraquecimento
físico e psicológico do inimigo e para a consecução dos seus objeti-
qual – repete-se – não é uma solução estratégica nova. No entanto, vos, com os efeitos a serem potenciados pela utilização de novas tec-
nologias e pela exploração do ciberespaço e da comunicação social.
os casos mais recentes evidenciaram algumas importantes inova-
No futuro, este será o modelo de referência da maior parte das
ções na aplicação deste conceito, nomeadamente: guerras. Daí a necessidade de se conhecer e estudar esta nova for-
ma de aproximação aos conflitos, que não pode ser encarada como
• Associação ao ter- um assunto estritamente militar, pois a guerra híbrida consiste numa
estratégia de largo espectro, que visa sobretudo os líderes políticos
rorismo e a atividades e as populações em geral, procurando afetar e condicionar a sua ca-
pacidade e a sua vontade de decidir e de atuar3. Dessa forma, só
criminosas, como contra- através de estratégias holísticas e multidimensionais, que façam uso
de todos os elementos do poder nacional, se conseguirá enfrentar
bando, proliferação e tra- as guerras híbridas do futuro.
ficâncias; Sardinha Monteiro
CFR
• Grande enfoque na
Notas
dimensão informacional,
1 Soldados mascarados, envergando uniformes sem qualquer distintivo ou insígnia,
evidenciada pela utiliza- que surgiram na Crimeia e no leste da Ucrânia a partir do início de 2014.
2 Significa literalmente disfarce.
ção sofisticada do ciberes- 3 Essa é, aliás, a grande diferença entre guerras assimétricas e híbridas: é que as
primeiras visam diretamente as forças militares, enquanto as segundas visam so-
paço e da comunicação bretudo os líderes políticos e as populações civis.
Corveta “Hanit” após o ataque perpetrado pelo Hezbollah social.
NOVEMBRO 2015 5