Page 30 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 503 80
VIGIA DA HISTÓRIA
ALIMENTAÇÃO NA CARREIRA
DA ÍNDIA
Muito do que se conhece da vida a bor- “… por aderências e desordens dos ofi-
do, na Carreira da Índia, resulta do que se ciais(1), contra vontade dos capitães, se
recolhe nas cartas escritas pelos jesuítas, embarcam algumas vezes mais a quarta
umas durante o decurso da viagem, apro- parte da gente do que basta a regra(2); e,
veitando o regresso ao Reino dos navios além do mantimento não ser suficiente,
que acompanhavam as naus, como é o adoecem muita gente e fica frustrado o
caso daquela de que hoje se trata, ou da- serviço de El Rei ”(3).
quelas com que se cruzavam no mar e nos
portos de escala. Continua afirmando que toda a gen-
te esperava, e não entenderia que assim
Regra geral, nessas cartas, para além do não acontecesse, que fossem os jesuítas
carácter apologético da acção desenvol- conhecedores de tal situação e não usas-
vida pelos jesuítas a bordo, são veicula- sem da sua influência para providenciar a
das informações de diversa ordem, sobre sua alteração pois, sendo confessores dos
a vida a bordo, sendo que algumas delas príncipes , os deveriam obrigar a corrigir
poderiam resultar mais do que lhes era re- tal estado de coisas.
latado ou ouviam, do que aquilo que pro-
priamente observavam, não se coibindo, a Dado que os problemas continuaram
maior parte das vezes, de apontar soluções a subsistir, quer no que se refere à qua-
para os problemas que comunicavam, in- lidade da água, quer no que se refere ao
dependentemente da sua natureza. elevado número de embarcados para cuja
totalidade eram insuficientes os manti-
A alimentação a bordo, quer no que se mentos, é de presumir que os jesuítas
refere à quantidade quer à qualidade, de- destinatários da carta não deram segui-
veria ser um dos casos em que parte do mento ao proposto ou, o que se afigura
relatado corresponderia ao que lhes era mais provável, a influência dos jesuítas
transmitido pelos outros tripulantes com não terá sido suficiente para combater os
experiência naquela viagem. avultados interesses em jogo.
O padre jesuíta Gonçalo Álvares, que se- Com. E. Gomes
guia embarcado na nau Chagas, saída de
Lisboa em 6 de Abril de 1568, em viagem Notas
para a Índia, nau esta onde igualmente (1) Oficiais, ao tempo, eram todos os que a bordo tinham
seguia embarcado o Vice- Rei D. Luís de
Ataíde, aproveitando o regresso a Lisboa ofício, como sucedia com o piloto, o mestre, o carpin-
da caravela da água que acompanhava a teiro, o calafate, o escrivão, o condestável, etc…
armada, escreveu uma carta, datada de 2 (2) Ração.
de Maio, para os seus superiores, em que (3) N o caso da nau Chagas, seguiam embarcadas, nesta
aponta alguns dos problemas relaciona- viagem, 830 pessoas.
dos com a alimentação os quais aparente-
mente terá observado. Fonte : Documenta Indica vol. VII, carta de 2 de Maio de
1568.
Refere ele, na citada carta, escrita ainda
não decorria um mês de viagem, o seguin- N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
te:
“E certifico que se tem pouco cuidado,
que muitas das pipas da água vêm peço-
nhentas, umas ainda com postas de car-
ne, outras que foram de pólvora, outras
de vinagre, sendo certo que todo este
mantimento custa a El Rei como bom“,
acrescentando ainda que:
30 JANEIRO 2016