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VIGIA DA HISTÓRIA

ALIMENTAÇÃO NA CARREIRA
DA ÍNDIA

  Muito do que se conhece da vida a bor-        “… por aderências e desordens dos ofi-
do, na Carreira da Índia, resulta do que se   ciais(1), contra vontade dos capitães, se
recolhe nas cartas escritas pelos jesuítas,   embarcam algumas vezes mais a quarta
umas durante o decurso da viagem, apro-       parte da gente do que basta a regra(2); e,
veitando o regresso ao Reino dos navios       além do mantimento não ser suficiente,
que acompanhavam as naus, como é o            adoecem muita gente e fica frustrado o
caso daquela de que hoje se trata, ou da-     serviço de El Rei ”(3).
quelas com que se cruzavam no mar e nos
portos de escala.                               Continua afirmando que toda a gen-
                                              te esperava, e não entenderia que assim
  Regra geral, nessas cartas, para além do    não acontecesse, que fossem os jesuítas
carácter apologético da acção desenvol-       conhecedores de tal situação e não usas-
vida pelos jesuítas a bordo, são veicula-     sem da sua influência para providenciar a
das informações de diversa ordem, sobre       sua alteração pois, sendo confessores dos
a vida a bordo, sendo que algumas delas       príncipes , os deveriam obrigar a corrigir
poderiam resultar mais do que lhes era re-    tal estado de coisas.
latado ou ouviam, do que aquilo que pro-
priamente observavam, não se coibindo, a        Dado que os problemas continuaram
maior parte das vezes, de apontar soluções    a subsistir, quer no que se refere à qua-
para os problemas que comunicavam, in-        lidade da água, quer no que se refere ao
dependentemente da sua natureza.              elevado número de embarcados para cuja
                                              totalidade eram insuficientes os manti-
  A alimentação a bordo, quer no que se       mentos, é de presumir que os jesuítas
refere à quantidade quer à qualidade, de-     destinatários da carta não deram segui-
veria ser um dos casos em que parte do        mento ao proposto ou, o que se afigura
relatado corresponderia ao que lhes era       mais provável, a influência dos jesuítas
transmitido pelos outros tripulantes com      não terá sido suficiente para combater os
experiência naquela viagem.                   avultados interesses em jogo.

  O padre jesuíta Gonçalo Álvares, que se-                                  Com. E. Gomes
guia embarcado na nau Chagas, saída de
Lisboa em 6 de Abril de 1568, em viagem       Notas
para a Índia, nau esta onde igualmente        (1) Oficiais, ao tempo, eram todos os que a bordo tinham
seguia embarcado o Vice- Rei D. Luís de
Ataíde, aproveitando o regresso a Lisboa         ofício, como sucedia com o piloto, o mestre, o carpin-
da caravela da água que acompanhava a            teiro, o calafate, o escrivão, o condestável, etc…
armada, escreveu uma carta, datada de 2       (2) Ração.
de Maio, para os seus superiores, em que      (3) N o caso da nau Chagas, seguiam embarcadas, nesta
aponta alguns dos problemas relaciona-           viagem, 830 pessoas.
dos com a alimentação os quais aparente-
mente terá observado.                         Fonte : Documenta Indica vol. VII, carta de 2 de Maio de
                                              1568.
  Refere ele, na citada carta, escrita ainda
não decorria um mês de viagem, o seguin-      N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
te:

  “E certifico que se tem pouco cuidado,
que muitas das pipas da água vêm peço-
nhentas, umas ainda com postas de car-
ne, outras que foram de pólvora, outras
de vinagre, sendo certo que todo este
mantimento custa a El Rei como bom“,
acrescentando ainda que:

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