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NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA

OS PORTUGUESES, A MULTICULTURALIDADE
E O SR. PRESIDENTE…

“Vasco Gomes trazia em regimento que em Moçambique fizesse uma torre de
dous sobrados, em que se aposentasse, e fizesse grandes casas para recolhi-
mento das fazendas que se descarregassem…”

  In Hospitais do Além Mar na Época dos Descobrimentos, citação de Gaspar
                                            Correia, Vasconcellos de Menezes, 1993

Uma das características genéticas dos                                               sentações sejam para eles enriquecedoras.
     portugueses é a multiculturalidade.                                              A nossa história (que também é deles) trouxe-os até aqui. E
Poucos povos da Europa podem dizer o
mesmo, com a mesma abrangência, com                                                 eu e, estou certo, muitos dos camaradas auditores, esperamos
a mesma intensidade. Acontece que o                                                 que algum do brilho do Portugal de antanho – tantas vezes mal
curso, que agora frequento, é bem um                                                compreendido cá e lá – ainda perpasse no ocaso de um império
exemplo deste entrecruzamento de cul-                                               que terminou, mas cuja memória não deverá nunca fenecer nas
turas a que a nossa história nos trouxe…                                            margens dos novos (por oposição ao velho Portugal) países, plan-
Neste curso temos cinco oficiais de países                                          tados no vasto Mar Oceano.
amigos (digo mesmo, no espírito da CPLP
– Comunidade de Países de Língua Portu-                                               A presença destes militares é uma marca de uma grandeza an-
guesa –, países irmãos), dois de Angola,                                            tiga, que na nossa alma coletiva não deverá ser esquecida. Por
dois do Brasil e um de Moçambique….                                                 todo esse mundo deixámos marcas, conforme a citação acima.
                                                                                    Muitas vezes entretenho-me a imaginar como seria para os por-
   Compreensivelmente, a sua presença,                                              tugueses de então a chegada a terras tão longínquas, num tempo
pela diferença de pontos de vista, enri-                                            em que o conhecimento do mundo era obscuro – de tal modo
quece a experiência dos outros, portu-                                              que quem embarcava, não saberia se regressava. Acredito que
gueses de cá, que assim trocam experi-                                              desse salto para o vazio nasceram noções poéticas que deixaram
ências, com vivências distintas, matizadas                                          marcas nas gerações vindouras, a saudade, a poesia e o fado (o
por sotaques diferentes da mesma língua, que, felizmente, não                       destino) que nos imprimiu uma matriz melancólica… ainda real,
é só nossa. De entre os militares “estrangeiros de dentro” (por-                    ainda palpável…
que não consigo vê-los como estrangeiros), como eu lhes chamo,
existe um militar que deixou uma marca particular. Trata-se do                        Desejo, deste promontório de onde tem sido minha honra
“Senhor Presidente”.                                                                olhar a vida e o mundo, ao Sr. Presidente e amigos uma excelente
                                                                                    estadia…
   Homem sem idade, este militar já é um ícone do curso. Em
primeiro lugar, e apesar das diferenças entre o seu país de ori-                                                                                                             Doc
gem e a capital lusa, está sempre bem-disposto, com uma alegria
contagiante. Por outro lado, e apesar do sorriso fácil, tem aquela
dignidade de ancião africano (reconhecida por muitos), sempre
que fala em público. Assim, mereceu largamente o título de “Sr.
Presidente”, com que um dos auditores (que deseja manter o
anonimato) o batizou.

   Ora, um dos dias mais divertidos deste curso foi precisamente
sobre a realidade do seu país. Mesmo estando eu proibido, pelas
regras de confidencialidade do curso, de revelar qual foi o tema,
fica o apontamento de que foi um tema que se adivinhava triste
(deprimente, mesmo), mas que foi apresentado de um modo na-
tural e pitoresco, que, certamente, ficará para sempre na nossa
memória.

   De toda a forma, todas as apresentações dos auditores de
países irmãos foram excelentes e abriram os nossos horizontes.
Cada um abriu a porta, profissional e também pessoal, do seu
mundo a todos nós e, acredito eu, que também as nossas apre-

28 ABRIL 2016
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