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REVISTA DA ARMADA | 515
mente através da respetiva agência de navegação8, a prestação Finalmente, a indemnização a atribuir ao País (e lesados) é
de uma caução idónea9 para garantir o pagamento da coima que processada através da intervenção e intermediação do Minis-
vier a ser aplicada ao poluidor, podendo ainda ser determinada tério dos Negócios Estrangeiros com o Fundo em causa. Neste
a prestação de outra caução10 para fazer face ao pagamento das sentido, compete a esta tutela receber e integrar, das entidades e
despesas do combate à poluição e outras medidas preventivas a autoridades envolvidas nas ações de resgate, salvamento, de lim-
que o Estado Costeiro tenha de recorrer. Nesta fase, estas cau- peza e combate ao incidente envolvendo HNS, toda a informação
ções são suportadas pela companhia seguradora do proprietário e proceder à contabilização das despesas, danos e prejuízos so-
do navio. Tal como o são os eventuais reforços de caução e o pa- fridos com o incidente, remetendo, depois, para o Fundo, para
gamento das indemnizações aos lesados. O proprietário do navio apreciação e validação.
transfere toda a sua responsabilidade para esta entidade, sendo
sempre responsabilizado pelo sucedido, exceto quando consiga Alexandra Sousa Lima
provar que o ato em causa teve origem em ato de guerra, em fe- CTEN
nómeno da natureza imprevisível e excecional, em ato intencio-
nal de sabotagem, por negligente assinalamento marítimo, entre ASSESSORA DO GABINETE JURÍDICO DA DGAM
outras especificamente previstas no texto da Convenção.
Notas
Todavia, e como se deixou enunciado, poderão existir situa-
ções, quanto às responsabilidades decorrentes de um incidente 1 São conceitos distintos. O proprietário é a pessoa que figura no auto de registo
envolvendo o transporte marítimo de HNS, em que estas sejam como tal (owner), sendo o armador a pessoa que, podendo ser o proprietário,
assumidas por outra entidade, que não o proprietário do navio. assume o armamento do navio e respetiva exploração económica (manager).
É, precisamente, para acudir a estas ocorrências de elevadís-
sima dimensão11 que as convenções internacionais respeitan- 2 Desde que ratificadas pelo Estado do Pavilhão, sendo as mais relevantes as
tes ao transporte de produtos poluentes por mar (incluindo convenções SOLAS, MARPOL, STCW, LOAD LINES, TONNAGE.
os navios que têm poluente a bordo apenas para efeitos de
deslocação do navio) estabelecem um outro nível de atuação 3 Apenas ratificaram a Convenção HNS: Angola, Chipre, Etiópia, Hungria, Libéria,
e intervenção. É nestas situações que é acionado o Fundo Inter- Lituânia, Marrocos, Federação Russa, Serra Leoa, Eslovénia, Samoa, Saint Kitts
nacional (segundo nível de compensação indemnizatória), por- e Nevis, Tonga, e a República árabe da Síria. Portugal ainda não procedeu à
quanto o limite máximo de responsabilidade do proprietário já ratificação. Um dos maiores obstáculos à ratificação da Convenção consiste no
se encontra esgotado (ou mesmo quando é inexistente), mas facto de ter de se identificar, numa primeira fase, os recetores de HNS, até porque
também porque a dimensão do incidente é tão extraordinaria- serão estes os contribuintes do Fundo.
mente significativa, que não vale a pena acionar-se a respon-
sabilidade do proprietário. Para que haja lugar à indemnização 4 Aquando do sinistro marítimo provocado pelo navio “PRESTIGE”, em 2002.
por via do Fundo é necessário que exista uma probabilidade 5 A culpa em direito, seja criminal ou cível, é o elemento diferenciador e necessário
razoável que o dano causado provenha de um incidente envol-
vendo um ou mais navios. O Fundo vai mais longe ao garantir para efeitos de responsabilização de alguém, sendo que em direito criminal não
uma compensação inclusive quando a identificação do navio é há punição se não ficar provada a culpabilidade do arguido.
desconhecida. Por outro lado, as causas que excluem a respon- 6 No caso específico da poluição do meio marinho por hidrocarbonetos, uma
sabilidade do proprietário são, igualmente, aplicáveis à atuação alteração recente ao artigo 279.º do Código Penal (Lei n.º 81/2015, de 3 de agosto)
do Fundo de HNS. veio autonomizar a criminalização das descargas de produtos poluentes por navio
desde que ocorra degradação do meio aquático. Ora, qualquer descarga/derrame
Este Fundo Internacional encontra-se regulamentado nas Con- de tais produtos por muito pequena que seja provoca, por princípio, degradação
venções Internacionais sobre o transporte de hidrocarbonetos do meio aquático, pelo que as medidas em causa poderão vir a ser arbitradas
e outras substâncias perigosas, sendo de referir a existência de, pela autoridade judiciária que tiver a direção do inquérito criminal, o Ministério
pelo menos, dois fundos: um no âmbito dos hidrocarbonetos, a Público, nos termos dos artigos 262.º e 264.º do Código do Processo Penal.
cargo da IOPC12 FUND, e outro específico das HNS, a cargo da 7 No âmbito do ilícito de poluição do meio marinho por hidrocarbonetos e outras
HNS FUND. substâncias perigosas, a competência decisória do processo contraordenacional é
do Capitão do Porto, salvo se existir crime de poluição, que é, atualmente, a regra.
Os Fundos são geridos por uma entidade específica da OMI, e 8 Em situações de sinistros marítimos essa notificação pode ser feita diretamente
têm esse nome. No caso das HNS, o fundo tem essa denomina- aos responsáveis do navio sinistrado se comparecerem ao local do Estado
ção, HNS FUND, o qual se encontra organizado numa Assembleia, Costeiro onde ocorreu o incidente.
da qual fazem parte todos os Estados-Parte da Convenção13, e 9 Uma verba monetária que deve estar definida em legislação específica. No caso
por um Secretariado, dirigido por um Diretor, que tem poderes da poluição do meio marinho pode, no caso de pessoas coletivas, ascender a
de representação do Fundo. 2.499.897€.
10 Esta caução, ao contrário do que acontece com a anterior, não tem valores
Assim, para que exista solvabilidade e meios financeiros sufi- (mínimo e máximo) pré-definidos em diploma legal. Esta caução é calculada de
cientes para garantir o pagamento das indemnizações devidas, é acordo com aquilo que seja necessário para custear as operações de combate
necessário que todos os recetores de HNS (sejam Estados, pes- à poluição, de limpeza do local, dos estudos de impacto ambiental e outras
soas singulares, pessoas coletivas, sociedades comerciais, quem medidas específicas que sejam necessárias para repor a situação existente à data
de facto recebe HNS) contribuam monetariamente, e com uma do incidente de poluição. A título exemplificativo, no caso do sinistro marítimo
periodicidade anual14, para o Fundo. Os valores devidos a título ocorrido com o navio “CP VALOUR”, que encalhou na Fajã da Praia do Norte,
de contribuições (pelos recetores) e bem assim a sua distribui- Faial, na Horta, em Dezembro de 2005, a caução destinada às operações de
ção pelas contas (geral – carga sólida e outras HNS, e específicas combate à poluição ascendeu a 4.000.000€, não sendo superior apenas porque,
– óleos, gás natural liquefeito, gases de petróleo liquefeito) são no terreno, encontrava-se uma equipa contratada pelo proprietário que a suas
definidos pela Assembleia. expensas colaborava nas operações de combate à poluição. A não existir tal
equipa contratada pelo proprietário, o valor teria sido bem superior.
11 Como o acidente ocorrido com o navio PRESTIGE em 2002, na parte ocidental
da Europa, afetando o Reino Unido (residual), a França (grande dimensão), a
Bélgica (residual), o Reino de Espanha (enormíssimo) e Portugal (apenas a região
a norte de Aveiro, sendo a zona entre Viana do Castelo e as águas galegas a
mais fortemente atingida). Portugal já recebeu a indemnização da FUND71, do
valor peticionado, €4.291.501,70, apenas foram considerados para o cálculo
da indemnização a atribuir €1.859.200,95, tendo o Estado Português apenas
recebido €328.488,40. Este valor podia ser inferior, caso Portugal não tivesse
ratificado o Protocolo de 1992 da referida Convenção (Internacional para a
Constituição de um Fundo Internacional para Compensação pelos Prejuízos
Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos). Até há muito pouco tempo, o Reino de
Espanha ainda não havia contabilizado os prejuízos sofridos com a catástrofe do
PRESTIGE, e crê-se que o valor de indemnização a pedir ao Fundo seja muitíssimo
significativa.
12 International Oil Pollution Compensation.
13 É na Assembleia que são apreciadas as reclamações indemnizatórias.
14 Além de uma contribuição inicial.
FEVEREIRO 2017 21