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REVISTA DA ARMADA | 516
ESTÓRIAS 30
UMA MISSÃO NO LAGO NIASSA
omeço por breve descrição do “Lago”: Noroeste de Moçambi-
Cque; formato elipsoide com desenvolvimento Norte/Sul (eixo
maior 530 Km, eixo menor 120 – quase Portugal Continental);
grosso modo, margem Leste Portuguesa – margem Oeste Malawi;
água doce (recolhida na zona central, era utilizável em baterias);
temporais com vagas de 4 a 5 metros; Base Naval e do Exército na
península de Metangula.
Ano de 1967; toda a zona envolvente de Metangula e, digamos,
do distrito do Niassa era conhecida na época como o “Estado de
Minas Gerais”; a farta e profusa utilização de minas anti-pessoal
e anti-tanque, pela Guerrilha de então, justificava plenamente a
cognominação. Em consequência, e como se percebe, o abasteci-
mento de combustíveis para as Forças Navais e do Exército, feito
por terra para a Base de Metangula, era completamente desas-
troso.
Assim, foi montada para o efeito uma operação secreta, que A distância a percorrer rondava as 180 milhas no total, com
descrevo na sua essência: Uma lancha LDM pintada de verde, com navegação nocturna obrigatória e por vezes com mar de respei-
bandeirola da SONAP, tripulação fardada com fatos-macaco laranja, to. As peripécias que sempre aconteciam nestas missões davam
documentação totalmente civil, sem qualquer tipo de armamen- para fazer um livro. Desde a navegação nocturna orientada por
to, deslocava-se mais ou menos quinzenalmente ao Malawi (porto estrelas baixas no horizonte (quando as havia, sem radar e com
de Chipoka, no Sul) e aí atestava os respectivos tanques de lastro a única agulha magnética, doida por vezes, com os campos mag-
com o vital combustível para as nossas Forças. Esta lancha, com o néticos fortíssimos do fundo do Lago), ao transporte acidental
nome de “Chipa”, era capitaneada por um oficial nomeado aleato- de cabritos e galinhas, garrafão de 5 l atestado de bagaço para
riamente de entre os oficiais da Base. Coube-me a mim executar oferta à autoridade local, etc., etc.
esta missão por muitas vezes durante a minha comissão de um ano Certo dia, após largar da Base sou confrontado com a lancha
em Metangula, como Imediato da Companhia nº 8 de Fuzileiros. cheia de cães amarrados à balaustrada e no meio com algumas
A título de curiosidade descrevo a minha documentação (cé- cadelas prenhes. O Mestre informou-me ter recebido ordens
dula marítima, sempre actualizada e cheia de selos brancos e expressas do 2º Comandante da Base para durante a noite, no
carimbos), que era apresentada à chegada ao Malawi, ao “Port meio do Lago, lançá-los ao mar. Na verdade, já havia algum tem-
Master” de Chipoka: Mestre da Lancha; habilitações literárias – po que naquela Base não se conseguia dormir toda a noite, com
4ª classe; ocupação anterior – pedreiro; serviço militar obrigató- os latidos infernais daquela canzoada que parecia aumentar de
rio na Marinha de Guerra tendo atingido o posto de 1º Grumete semana para semana. Para não deixar de atingir o objectivo final
de Manobra. da missão a cumprir – eliminação dos cães da Base Naval – tomei
então a decisão de abicar a terra 50 milhas a Sul e desembarcar
DR todos os cães para o mato. Eles que se “desenrascassem”. Só
que, 5 milhas mais a Sul situava-se a fronteira, aonde estacio-
nava um contingente do Exército (Meponda), a Companhia de
Cavalaria comandada pelo então Capitão Tomé. Bem, 15 dias
depois, quando em nova viagem ao Malawi aportei a Meponda,
as queixas e desvario com os cães, aparecidos não se sabia de
onde e deliciando-se com as sobras do rancho do aquartelamen-
to, eram mais que muitas.
Até hoje, ainda não me confessei ao Capitão Tomé.
Carlos Alberto Garoupa
CTEN
(Do Livro do Curso D. João I)
N.R. O artigo não respeita o novo acordo ortográfico
28 MARÇO 2017