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A ZONA ECONÓMICA EXCLUSIVA
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PARTE 1
INTRODUÇÃO, ENQUADRAMENTO E PRINCÍPIOS
s oceanos, mares e áreas costeiras ocupam cerca de então empreendidos pela sociedade internacional para gerir
O70% da superfície terrestre, constituindo, toda esta di- de modo eficiente e racional os recursos marinhos tinham
mensão geográfica, um elemento crítico de reflexão e ava- sido infrutíferos.
liação numa óptica ambiental para o ciclo hidrológico e para Aquela Conferência demonstrou a necessidade de uma
o sistema climático terrestre, tendo, igualmente, um papel nova abordagem, preferencialmente assente numa lógica
determinante para o comércio, o transporte, o turismo, sen- de responsabilidade para um uso sustentável dos oceanos,
do uma muito ampla fonte de recursos marinhos com re- em especial naquilo que obriga, em termos de direito inter-
DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
levância económica, minerais como hidrocarbonetos, bem nacional, os Estados costeiros.
como de matérias inovatórias para a indústria farmacêutica. Neste enquadramento, a ampliação da jurisdição dos Es-
Para além de ser uma fonte de recursos, o ambiente ma- tados costeiros, mudou, portanto, o sistema de gestão dos
rítimo é também um habitat essencial para inumeráveis re- oceanos então vigente, através da adição da categoria da
cursos vivos que, por sua vez, também acabam por contri- ZEE, que cobre uma considerável área situada entre as águas
buir para a segurança (humana) como alimento, emprego e territoriais e o AM – artigos 86º a 120º da Convenção das
matéria susceptível de ser comercializada. Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) –, tendo
Contudo, apesar da mencionada importância para os hu- sido definido no artigo 57º desta convenção que “(…) não se
manos, existe a comummente aceite ideia de que a acção estenderá além de 200 milhas marítimas das linhas de base
humana em tal ambiente tem tido uma crescente influência a partir das quais se mede a largura do mar territorial (…)”.
desestabilizadora em todo este delicado sistema. Como princípio, a ZEE variará entre 188 milhas náuticas
Os oceanos constituem o exemplo por excelência da teoria (quando o mar territorial tiver cerca de 12 milhas) e um
denominada como “Tragédia dos bens comuns” , um espaço máximo de 200 milhas quando a extensão daquele mar for
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onde tal situação tem ocorrido vezes sem conta, em espe- menor. No entanto, ainda que o mar territorial (MT) tenha
cial, em áreas de acesso aberto à pesca. No entanto, como 12 milhas, a ZEE será sempre inferior a 200 milhas em caso
é ilustrável pelos sucessivos instrumentos, inclusive de carác- de Estados de costas opostas pertencentes a Estados dis-
ter supranacional, a comunidade tem tido a capacidade para tintos, separados por menos de 400 milhas marinhas. Em
superar situações prejudiciais para a saudável sobrevivência tais casos, e na falta de acordo prévio (artigo 74º, nº 4, da
destes sistemas e, como tal, da própria raça humana. CNUDM), o critério não é o da linha mediana (tal como no
No caso dos oceanos, uma das actuações nucleares é o caso do MT) mas, outrossim, o da equidade, se necessário
seu enquadramento através da extensão de direitos de pro- determinado por via política ou jurisdicional (artigo 279º).
priedade na forma de zonas económicas exclusivas. A Lei nº 33/77, de 28 de Maio, criou, em Portugal, a ZEE,
As zonas económicas exclusivas (ZEE) foram instituídas além de ter estabelecido, como se viu, a largura e os limites
através de processo de negociação cuidadosamente balan- do MT. Enquanto que a Constituição de 1976 nada mencio-
ceado entre governar/administrar e preservar os recursos nava sobre a ZEE, a revisão constitucional de 1982 viria a
dos oceanos e garantir as liberdades de navegação em Alto- suprir tal ausência. Contudo, refere o Prof. Marques Gue-
-mar, inclusive para propósitos militares. No espaço da ZEE, des, que a sua colocação ao lado das águas territoriais – que
foi garantido ao Estado costeiro direito soberano sobre os é território do Estado – não é correcta, uma vez que não
recursos e jurisdição primordial sobre várias actividades, se trata, tal como a lei e a prática internacionais a definem,
incluindo-se a investigação científica. de parte do território estadual. Os direitos soberanos e os
A extensão da jurisdição do Estado costeiro, culminando de tipologia jurisdicional que o Estado exerce na ZEE têm,
com a implementação generalizada das ZEE com 200 milhas unicamente, por objecto, os recursos existentes e as activi-
náuticas, é um dos eventos institucionais mais notáveis da dades relacionadas com a sua apropriação e utilização, não
sociedade internacional do século passado. Neste contexto, incidindo sobre as águas da Zona nem sobre a camada área
vastas áreas oceânicas livremente acessíveis como partes in- que sobre elas se encontra.
tegrantes (e qualificadas) como Alto Mar (AM), foram trans- Na ZEE, ao Estado costeiro são atribuídos direitos de sobe-
formadas em activos dos Estados costeiros, permitindo-lhes rania sobre os recursos naturais “(…) para fins de exploração
um quadro soberano e jurisdicional sobre os espaços e os re- e aproveitamento, conservação e gestão, vivos ou não vivos
cursos construído sobre um regime internacional sustentado. (…)”, tal como decorre do artigo 56º da Convenção. No con-
Uma das principais justificações para este câmbio foi o cernente aos recursos naturais vivos, tais direitos conferidos
entendimento crescente manifestado aquando da III.ª Con- aos Estados costeiros foram acompanhados de obrigações
ferência das Nações Unidas sobre a Lei do Mar, que ocorreu de preservação dos recursos, de utilização e de cooperação
de 1973 a 1982, mais concretamente, que os esforços até com outros Estados para o cumprimento de tais imposições,