Page 22 - Revista da Armada
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A ZONA ECONÓMICA EXCLUSIVA
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                 PARTE 1


                 INTRODUÇÃO, ENQUADRAMENTO E PRINCÍPIOS




                    s  oceanos,  mares  e  áreas  costeiras  ocupam  cerca  de   então empreendidos pela sociedade internacional para gerir
                 O70% da superfície terrestre, constituindo, toda esta di-  de modo eficiente e racional os recursos marinhos tinham
                 mensão geográfica, um elemento crítico de reflexão e ava-  sido infrutíferos.
                 liação numa óptica ambiental para o ciclo hidrológico e para   Aquela  Conferência  demonstrou  a  necessidade  de  uma
                 o sistema climático terrestre, tendo, igualmente, um papel   nova  abordagem,  preferencialmente  assente  numa  lógica
                 determinante para o comércio, o transporte, o turismo, sen-  de responsabilidade para um uso sustentável dos oceanos,
                 do uma muito ampla fonte de recursos marinhos com re-  em especial naquilo que obriga, em termos de direito inter-
          DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
                 levância económica, minerais como hidrocarbonetos, bem   nacional, os Estados costeiros.
                 como de matérias inovatórias para a indústria farmacêutica.   Neste enquadramento, a ampliação da jurisdição dos Es-
                   Para além de ser uma fonte de recursos, o ambiente ma-  tados costeiros, mudou, portanto, o sistema de gestão dos
                 rítimo é também um habitat essencial para inumeráveis re-  oceanos então vigente, através da adição da categoria da
                 cursos vivos que, por sua vez, também acabam por contri-  ZEE, que cobre uma considerável área situada entre as águas
                 buir para a segurança (humana) como alimento, emprego e   territoriais e o AM – artigos 86º a 120º da Convenção das
                 matéria susceptível de ser comercializada.       Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) –, tendo
                   Contudo, apesar da mencionada importância para os hu-  sido definido no artigo 57º desta convenção que “(…) não se
                 manos, existe a comummente aceite ideia de que a acção   estenderá além de 200 milhas marítimas das linhas de base
                 humana em tal ambiente tem tido uma crescente influência   a partir das quais se mede a largura do mar territorial (…)”.
                 desestabilizadora em todo este delicado sistema.  Como princípio, a ZEE variará entre 188 milhas náuticas
                   Os oceanos constituem o exemplo por excelência da teoria   (quando  o  mar  territorial  tiver  cerca  de  12  milhas)  e  um
                 denominada como “Tragédia dos bens comuns” , um espaço   máximo de 200 milhas quando a extensão daquele mar for
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                 onde tal situação tem ocorrido vezes sem conta, em espe-  menor. No entanto, ainda que o mar territorial (MT) tenha
                 cial, em áreas de acesso aberto à pesca. No entanto, como   12 milhas, a ZEE será sempre inferior a 200 milhas em caso
                 é ilustrável pelos sucessivos instrumentos, inclusive de carác-  de Estados de costas opostas pertencentes a Estados dis-
                 ter supranacional, a comunidade tem tido a capacidade para   tintos, separados por menos de 400 milhas marinhas. Em
                 superar situações prejudiciais para a saudável sobrevivência   tais casos, e na falta de acordo prévio (artigo 74º, nº 4, da
                 destes sistemas e, como tal, da própria raça humana.  CNUDM), o critério não é o da linha mediana (tal como no
                   No caso dos oceanos, uma das actuações nucleares é o   caso do MT) mas, outrossim, o da equidade, se necessário
                 seu enquadramento através da extensão de direitos de pro-  determinado por via política ou jurisdicional (artigo 279º).
                 priedade na forma de zonas económicas exclusivas.  A Lei nº 33/77, de 28 de Maio, criou, em Portugal, a ZEE,
                   As  zonas  económicas  exclusivas  (ZEE)  foram  instituídas   além de ter estabelecido, como se viu, a largura e os limites
                 através de processo de negociação cuidadosamente balan-  do MT. Enquanto que a Constituição de 1976 nada mencio-
                 ceado entre governar/administrar e preservar os recursos   nava sobre a ZEE, a revisão constitucional de 1982 viria a
                 dos oceanos e garantir as liberdades de navegação em Alto-  suprir tal ausência. Contudo, refere o Prof. Marques Gue-
                 -mar, inclusive para propósitos militares. No espaço da ZEE,   des, que a sua colocação ao lado das águas territoriais – que
                 foi garantido ao Estado costeiro direito soberano sobre os   é território do Estado – não é correcta, uma vez que não
                 recursos  e  jurisdição  primordial  sobre  várias  actividades,   se trata, tal como a lei e a prática internacionais a definem,
                 incluindo-se a investigação científica.          de parte do território estadual. Os direitos soberanos e os
                   A extensão da jurisdição do Estado costeiro, culminando   de tipologia jurisdicional que o Estado exerce na ZEE têm,
                 com a implementação generalizada das ZEE com 200 milhas   unicamente, por objecto, os recursos existentes e as activi-
                 náuticas, é um dos eventos institucionais mais notáveis da   dades relacionadas com a sua apropriação e utilização, não
                 sociedade internacional do século passado. Neste contexto,   incidindo sobre as águas da Zona nem sobre a camada área
                 vastas áreas oceânicas livremente acessíveis como partes in-  que sobre elas se encontra.
                 tegrantes (e qualificadas) como Alto Mar (AM), foram trans-  Na ZEE, ao Estado costeiro são atribuídos direitos de sobe-
                 formadas em activos dos Estados costeiros, permitindo-lhes   rania sobre os recursos naturais “(…) para fins de exploração
                 um quadro soberano e jurisdicional sobre os espaços e os re-  e aproveitamento, conservação e gestão, vivos ou não vivos
                 cursos construído sobre um regime internacional sustentado.  (…)”, tal como decorre do artigo 56º da Convenção. No con-
                   Uma  das  principais  justificações  para  este  câmbio  foi  o   cernente aos recursos naturais vivos, tais direitos conferidos
                 entendimento crescente manifestado aquando da III.ª Con-  aos Estados costeiros foram acompanhados de obrigações
                 ferência das Nações Unidas sobre a Lei do Mar, que ocorreu   de preservação dos recursos, de utilização e de cooperação
                 de 1973 a 1982, mais concretamente, que os esforços até   com outros Estados para o cumprimento de tais imposições,
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