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REVISTA DA ARMADA | 518
o que, neste âmbito, deu uma nova caracterização ao direito in- comunicação ou consentimento prévio por parte do Estado cos-
ternacional do mar. teiro (nº 3, do artigo 77º, da CNUDM).
A mencionada obrigação de conservação impõe que os Es- De sublinhar que ao Estado costeiro são reconhecidos os pode-
tados costeiros estabeleçam “(…) as capturas permissíveis dos res adequados à fiscalização da sua ZEE, em conformidade com o
recursos vivos (…)” compreendidos na ZEE correspondente, de definido no artigo 73º da CNUDM. Nos termos do nº 1 do artigo ci-
modo a evitar que tais recursos sejam ameaçados “(…) por um tado, o “Estado costeiro pode, no exercício dos seus direitos de so-
excesso de captura”, nos termos definidos nos nºs 1 e 2 do artigo berania de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos
61º da Convenção. recursos vivos da zona económica exclusiva, tomar as medidas que
No que concerne a utilização dos recursos, o Estado costeiro sejam necessárias, incluído visita, inspecção, apresamento e medi-
está obrigado a “(…) promover a utilização óptima” dos recursos si- das judiciais, para garantir o cumprimento das leis e regulamentos
tuados na ZEE, não obstante os condicionalismos já estabelecidos por ele adoptados de conformidade com a presente Convenção”.
no artigo 61º da CNUDM, de acordo com o nº 1 do seu artigo 62º, Alguns Estados invocam o facto dos usos militares da ZEE por Es-
sendo o acesso a potenciais excedentes uma decisão identicamen- tados terceiros estarem proibidos pelo conteúdo material do nº 1,
te soberana, não obstante a redação dos artigos 69º (Direitos dos do artigo 58º, uma vez que são incompatíveis com a reserva dos
Estados sem litoral) e 70º (Direitos dos geograficamente desfavo- espaços de AM para fins pacíficos ou, pelo menos, na observância
recidos). Com efeito, embora estes artigos prevejam um “direito a do princípio da utilização de tais espaços para os mencionados fins
participar, numa base equitativa, no aproveitamento de uma parte “internacionalmente lícitos”.
apropriada dos excedentes dos recursos vivos das zonas económi- Certamente, em tempos de tensões internacionais acrescidas
cas exclusivas dos Estados costeiros da Exclusive Economic Zones (macro ou regionais), os exercícios navais
mesma sub-região ou região”, a podem ser caracterizados como
decisão do Estado costeiro uma ameaça para o uso da
não é passível de impug- força de acordo com a Carta
nação jurisdicional. Nes- das Nações Unidas (nº 4, do
se sentido, a alínea a) artigo 29º), e no âmbito do
do nº 3 do artigo 297º artigo 301º da CNUDM
da Convenção prevê, (utilização do mar para
expressamente, que “o fins pacíficos), em análise
Estado costeiro não será conjugada com o princípio
obrigado a aceitar sub- Boundary Type estabelecido no artigo 88º
Disputed
meter aos procedimentos Median Line da Convenção. Em qualquer
de solução qualquer contro- Treaty Line Exclusive Economic Zone (EEZ) dos termos de análise, especia-
vérsia relativa aos seus direitos Source: VLIZ (2011). Maritime Boundaries Geodatabase. Disputed EEZ listas de direito internacional do
soberanos referentes aos recursos Dr. Jean-Paul Rodrigue, Dept. of Global Studies & Geography, Hofstra University. mar, e de operações navais internacio-
vivos da sua zona económica exclusiva ou ao exercício desses di- nais, parecem tender a considerar que este poderá ser um caso
reitos, incluídos os seus poderes discricionários de fixar a captura incluído na previsão do artigo 59º da Convenção. Consideramos
permissível, a sua capacidade de captura, a atribuição de exceden- que aquela aferição plasmada no artigo 58º, demasiado ampla dir-
tes a outros Estados e as modalidades e condições estabelecidas -se-á, não chega para contradizer esta conclusão.
nas suas leis e regulamentos de conservação e gestão”. Em relação aos usos do mar não relativos à navegação, pode di-
No que se refere à obrigação de cooperação, esta pode assu- zer-se que a liberdade de navegação conhece um padrão mais res-
mir várias formas, de modo mais concreto, “(…) cooperar, quer tritivo na ZEE, na qual é, por exemplo, concedida jurisdição exclusiva
directamente, quer por intermédio das organizações internacio- ao Estado costeiro para a construção de ilhas artificiais e instalações
nais apropriadas (…)”, conforme se estatui no nº 1 do artigo 64º e estruturas concernentes a recursos, investigação científica mari-
da CNUDM para a conservação e utilização óptima das espécies nha, pesquisa para fins ambientais, e instalações que possam inter-
altamente migratórias. ferir com o exercício de direitos do Estado costeiro na Zona [alínea c)
Pressupondo o regime estatuído no artigo 56º, que descreve, do nº 1 do artigo 60º]. Contudo, tal quadro jurídico não parece proi-
de modo genérico, os direitos, jurisdição e deveres do Estado bir, necessariamente, a construção de instalações ou equipamentos
costeiro relativamente à ZEE, não se encontra uma previsão so- militares, não relacionados com o ambiente, recursos ou pesquisas,
bre os interesses do Estado costeiro num contexto de segurança designadamente se atentarmos nas disposições conjugadas dos ar-
(maritime security). tigos 60º, 80º, alínea d), do nº 1, do 87º, e 88º, todos da Convenção.
Neste enquadramento, é entendimento que os artigos 55º,
56º, 58º e 86º acomodam alguns desses interesses securitários Dr. Tiago Silva Benavente
dos Estados costeiros na Zona, sendo que, aliás, tais preceitos Doutorando em Direito e Segurança
convencionais tornam clara a natureza muito especial da ZEE e ASSESSOR DO GABINETE JURÍDICO DA DGAM
que certas liberdades vigentes no AM quanto a exploração de N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
recursos não ocorrem na ZEE.
Contudo, os artigos 58º e 86º tornam, igualmente, claro que
todas as outras liberdades aplicáveis no AM [tal qual previstas Notas
nas alíneas a) a f), do nº 1, do artigo 87º], “(…) bem como de 1 HARDIN, Garret, “Science”, revista, volume 162, nº 3859, pp. 1243-1248, 13 de
Dezembro de 1968
outros usos do mar internacionalmente lícitos “ (compreendidas
nestas, por exemplo, actividades militares), sem necessidade de
MAIO 2017 23