Page 23 - Revista da Armada
P. 23

REVISTA DA ARMADA | 518


          o que, neste âmbito, deu uma nova caracterização ao direito in-  comunicação ou consentimento prévio por parte do Estado cos-
          ternacional do mar.                                 teiro (nº 3, do artigo 77º, da CNUDM).
           A  mencionada  obrigação  de  conservação  impõe  que  os  Es-  De sublinhar que ao Estado costeiro são reconhecidos os pode-
          tados  costeiros  estabeleçam  “(…)  as  capturas  permissíveis  dos   res adequados à fiscalização da sua ZEE, em conformidade com o
          recursos vivos (…)” compreendidos na ZEE correspondente, de   definido no artigo 73º da CNUDM. Nos termos do nº 1 do artigo ci-
          modo a evitar que tais recursos sejam ameaçados “(…) por um   tado, o “Estado costeiro pode, no exercício dos seus direitos de so-
          excesso de captura”, nos termos definidos nos nºs 1 e 2 do artigo   berania de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos
          61º da Convenção.                                   recursos vivos da zona económica exclusiva, tomar as medidas que
           No que concerne a utilização dos recursos, o Estado costeiro   sejam necessárias, incluído visita, inspecção, apresamento e medi-
          está obrigado a “(…) promover a utilização óptima” dos recursos si-  das judiciais, para garantir o cumprimento das leis e regulamentos
          tuados na ZEE, não obstante os condicionalismos já estabelecidos   por ele adoptados de conformidade com a presente Convenção”.
          no artigo 61º da CNUDM,  de acordo com o nº 1 do seu artigo 62º,   Alguns Estados invocam o facto dos usos militares da ZEE por Es-
          sendo o acesso a potenciais excedentes uma decisão identicamen-  tados terceiros estarem proibidos pelo conteúdo material do nº 1,
          te soberana, não obstante a redação dos artigos 69º (Direitos dos   do artigo 58º, uma vez que são incompatíveis com a reserva dos
          Estados sem litoral) e 70º (Direitos dos geograficamente desfavo-  espaços de AM para fins pacíficos ou, pelo menos, na observância
          recidos). Com efeito, embora estes artigos prevejam um “direito a   do princípio da utilização de tais espaços para os mencionados fins
          participar, numa base equitativa, no aproveitamento de uma parte   “internacionalmente lícitos”.
          apropriada dos excedentes dos recursos vivos das zonas económi-  Certamente, em tempos de tensões internacionais acrescidas
          cas exclusivas dos Estados costeiros da   Exclusive Economic Zones    (macro ou regionais), os exercícios navais
          mesma  sub-região  ou  região”,  a                                         podem  ser  caracterizados  como
          decisão  do  Estado  costeiro                                                  uma  ameaça  para  o  uso  da
          não  é  passível  de  impug-                                                    força de acordo com a Carta
          nação  jurisdicional.  Nes-                                                      das Nações Unidas (nº 4, do
          se  sentido,  a  alínea  a)                                                       artigo 29º), e no âmbito do
          do nº 3 do artigo 297º                                                            artigo  301º  da  CNUDM
          da  Convenção  prevê,                                                             (utilização  do  mar  para
          expressamente, que “o                                                             fins pacíficos), em análise
          Estado costeiro não será                                                          conjugada com o princípio
          obrigado  a  aceitar  sub-  Boundary Type                                        estabelecido no artigo 88º
                                          Disputed
          meter aos procedimentos         Median Line                                     da Convenção. Em qualquer
          de  solução  qualquer  contro-  Treaty Line             Exclusive Economic Zone (EEZ)  dos termos de análise, especia-
          vérsia  relativa  aos  seus  direitos   Source: VLIZ (2011). Maritime Boundaries Geodatabase.  Disputed EEZ  listas  de  direito  internacional  do
          soberanos  referentes  aos  recursos   Dr. Jean-Paul Rodrigue, Dept. of Global Studies & Geography, Hofstra University.  mar, e de operações navais internacio-
          vivos da sua zona económica exclusiva ou ao exercício desses di-  nais, parecem tender a considerar que este poderá ser um caso
          reitos, incluídos os seus poderes discricionários de fixar a captura   incluído na previsão do artigo 59º da Convenção. Consideramos
          permissível, a sua capacidade de captura, a atribuição de exceden-  que aquela aferição plasmada no artigo 58º, demasiado ampla dir-
          tes a outros Estados e as modalidades e condições estabelecidas   -se-á, não chega para contradizer esta conclusão.
          nas suas leis e regulamentos de conservação e gestão”.  Em relação aos usos do mar não relativos à navegação, pode di-
           No que se refere à obrigação de cooperação, esta pode assu-  zer-se que a liberdade de navegação conhece um padrão mais res-
          mir várias formas, de modo mais concreto, “(…) cooperar, quer   tritivo na ZEE, na qual é, por exemplo, concedida jurisdição exclusiva
          directamente, quer por intermédio das organizações internacio-  ao Estado costeiro para a construção de ilhas artificiais e instalações
          nais apropriadas (…)”, conforme se estatui no nº 1 do artigo 64º   e estruturas concernentes a recursos, investigação científica mari-
          da CNUDM para a conservação e utilização óptima das espécies   nha, pesquisa para fins ambientais, e instalações que possam inter-
          altamente migratórias.                              ferir com o exercício de direitos do Estado costeiro na Zona [alínea c)
           Pressupondo o regime estatuído no artigo 56º, que descreve,   do nº 1 do artigo 60º]. Contudo, tal quadro jurídico não parece proi-
          de modo genérico, os direitos, jurisdição e deveres do  Estado   bir, necessariamente, a construção de instalações ou equipamentos
          costeiro relativamente à ZEE, não se encontra uma previsão so-  militares, não relacionados com o ambiente, recursos ou pesquisas,
          bre os interesses do Estado costeiro num contexto de segurança   designadamente se atentarmos nas disposições conjugadas dos ar-
          (maritime security).                                tigos 60º, 80º, alínea d), do nº 1, do 87º, e 88º, todos da Convenção.
           Neste  enquadramento,  é  entendimento  que  os  artigos  55º,
          56º, 58º e 86º acomodam alguns desses interesses securitários                        Dr. Tiago Silva Benavente
          dos Estados costeiros na Zona, sendo que, aliás, tais preceitos               Doutorando em Direito e Segurança
          convencionais tornam clara a natureza muito especial da ZEE e           ASSESSOR DO GABINETE JURÍDICO DA DGAM
          que certas liberdades vigentes no AM quanto a exploração de   N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
          recursos não ocorrem na ZEE.
           Contudo, os artigos 58º e 86º tornam, igualmente, claro que
          todas as outras liberdades aplicáveis no AM [tal qual previstas   Notas
          nas alíneas a) a f), do nº 1, do artigo 87º], “(…) bem como de   1   HARDIN, Garret, “Science”, revista, volume 162, nº 3859, pp. 1243-1248, 13 de
                                                                Dezembro de 1968
          outros usos do mar internacionalmente lícitos “ (compreendidas
          nestas, por exemplo, actividades militares), sem necessidade de



                                                                                                     MAIO 2017  23
   18   19   20   21   22   23   24   25   26   27   28