Page 7 - Revista da Armada
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A CIDADE DE

PÓVOA DE VARZIM

APóvoa de Varzim não tem um estuário,                                             convento uma renda, mas garantiu a sua in-    mar respeitou-o e fê-lo morrer em casa
     onde possam entrar grandes navios que                                        dependência jurídica, construindo os paços    junto dos filhos. O rei D. Luís, reconhecen-
passavam a caminho dos portos do Norte da                                         do concelho por meados desse século.          do-lhe o carácter e a coragem inusitada,
Europa ou do Mediterrâneo, de forma que a                                                                                       condecorou-o com o grau de cavaleiro da
sua relação com o mar não beneficiou das                                            A principal ocupação das gentes da Póvoa    Ordem Militar de Torre e Espada, Valor, Le-
riquezas do comércio internacional, como                                          foi sempre a pesca e outras actividades li-   aldade e Mérito.
aconteceu com Vila do Conde. A cidade que                                         gadas ao mar, havendo vários níveis sociais
hoje conhecemos assentou num vasto vale,                                          de pescadores. Os mais pobres pescavam          Nem todos foram o Cego do Maio, mas
onde corria um esteiro a desaguar na parte                                        com pequenas embarcações, ajudados por        não faltaram na Póvoa marinheiros que
norte da baía que veio a ser a praia do peixe.                                    um ou outro filho, enquanto os mais abasta-   sulcaram todos os mares do globo. Era fre-
Certamente que o esteiro se foi deixando                                          dos tinham grandes embarcações de remo        quente encontrá-los, sobretudo, na pesca
assorear até se tornar um pântano, que aca-                                       e vela que iam pescar para longe e colhiam    do alto, nos mares da Terra Nova, onde já
bou por secar, transformando-se num terre-                                        melhores resultados. A costa, contudo, foi    andavam no século XVI e ali continuavam
no agrícola, mais tarde ocupado pelo centro                                       muito madrasta para os pescadores da Pó-      no tempo dos lugres da “Faina Maior”.
urbano da cidade actual. Pouco sabemos de                                         voa. Quando hoje por ali andamos, ao lon-
qualquer povoamento remoto, para além                                             go da marginal que segue pelas Caxinas até      A pesca foi a actividade mais comum das
de um ou outro vestígio romano, adivinhan-                                        Vila do Conde, passando pelo porto de pes-    gentes da Póvoa, mas as condições orográ-
do, contudo, que se tornou ermo nos tem-                                          ca e pela marina, percebemos que, antes       ficas do litoral norte criaram um microclima
pos da guerra de reconquista. O nome de                                           da construção dos molhes, era apenas um       ameno que atraiu um turismo de veraneio
Varzim sugeriu a alguns investigadores que                                        pequeno abrigo contra as fúrias do oceano,    e lazer, que lhe trouxe prosperidade e alte-
se devia à várzea, em que se transformara                                         de algum modo devassado quando vinham         rou a sua estrutura social e urbana. Com a
o esteiro, mas o fundamento do topónimo                                           tempos de sudoeste e oeste. As embarca-       praia de banhos (a norte da baía da praia do
parece ser outro. Diz-nos uma antiga refe-                                        ções saíam e entravam na praia, vencendo      peixe), veio o casino, a praça de touros e,
rência haver ali uma vila de Euracino, mais                                       a rebentação à custa de remo, ou de astu-     sobretudo, uma vida cultural intensa, reche-
tarde designada Verazini e depois Varazim.                                        ciosa manobra da vela, e as dificuldades são  ada pelas mais brilhantes figuras das letras
Seria o nome de um senhor local?... Não                                           tanto maiores e perigosas quanto os nume-     nacionais. Camilo Castelo Branco visitava
sabemos. Mas, em 1308, D. Dinis deu-lhe                                           rosos abrolhos que se vêem ao longo da        regularmente a Póvoa e ali conviveu com o
foral para que se fundasse uma vila a que se                                      costa, para norte e para sul.                 pai de Eça de Queirós, que ali nasceu. O edi-
chamaria Póvoa, a Póvoa de Varzim. Por de-                                                                                      fício Diana Bar, construído em 1938, junto à
cisão do mesmo soberano a nova vila veio a                                          Na Póvoa nasceram e viveram grandes         praia, que é hoje uma excelente biblioteca,
pertencer a Afonso Sanches e, como acon-                                          homens que fizeram deste desafio com o        foi em tempos local de encontro de artistas
teceu com Vila do Conde, uns anos mais                                            mar a sua vida, esperando com coragem o       e escritores, frequentado por José Régio.
tarde, caiu na alçada do Convento de Santa                                        dia em que ele lhes reclamaria o seu tribu-   A Póvoa foi elegante e requintada, cresceu
Clara. A Póvoa recebeu foral manuelino de                                         to. Figuras lendárias como José Rodrigues     culturalmente, atraiu riqueza e diversificou-
leitura nova, em 1514, mas a tutela do con-                                       Maio, o “Cego do Maio”, que resgatou das      -se. Mas não perdeu o seu carácter de uma
vento só cessou em 1537, quando D. João III                                       águas dezenas e dezenas de náufragos.         vila, que se fez cidade, olhando o mar de
retirou o benefício a Santa Clara por causa                                       Quando o mar virava e andavam embarca-        frente. Lembrar-lho-á sempre a figura impo-
da dívida já referida. Continuou a pagar ao                                       ções fora, era vê-lo a olhar o horizonte. Se  nente da estátua do “Cego do Maio”.
                                                                                  alguém vinha em perigo, lá estava ele com o
                                                                                  salva-vidas na água, conduzindo-o no meio                                        J. Semedo de Matos
                                                                                  dos agueiros a resgatar vidas. Dizia muitas                                                       CFR FZ
                                                                                  vezes que, um dia, o mar o levaria, mas o
                                                                                                                                N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.

                                                Fotos SMOR L Almeida de Carvalho

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