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REVISTA DA ARMADA | 526
VIGIA DA HISTÓRIA 99
HÁ GENTE
PARA TUDO
urante vários séculos, nos navios portugueses que efectuavam viagens
DrelaƟ vamente longas, era obrigatória a matrícula de um capelão, não
só para o acompanhamento espiritual dos tripulantes como, no caso dos
navios envolvidos no tráfi co de escravos, para a sua doutrinação, conver-
são e bapƟ smo; como se referia num documento do Séc. XVII para que, no
caso de morrerem, as suas almas não se perderem.
É claro que, tal como acontecia para algumas outras funções a bordo, nem
sempre era fácil o recrutamento de capelães, umas vezes pela alegada exi-
guidade do pagamento, outras pelas condições de dureza e risco da viagem
e, no caso específi co do Brasil, pelo facto de não lhes ser autorizado ali o
desembarque e consequente permanência. As deserções de capelães no
Brasil, tal como aliás sucedia com a marinhagem, assumiram números de
tal forma elevados que a Coroa estabeleceu, em pleno Séc. XVIII, a obriga-
toriedade dos capelães regressarem ao Reino nos navios em que haviam
ido, cabendo aos capitães dos navios, sob o risco de prisão, a verifi cação
pelo cumprimento do estabelecido.
É exactamente em virtude da fi scalização exercida por um capitão de
navio que se teve conhecimento do episódio que seguidamente se relata.
Em 1765, a corveta S. António, de que era capitão António André de
Lemos, seguiu viagem de Lisboa para o Rio de Janeiro, levando embar-
cado, como capelão, Caetano Mendes, o qual, no Rio de Janeiro, próximo
da data de parƟ da de regresso a Lisboa, não voltou a ser encontrado, o
que levou o capitão do navio, com receio da punição, a parƟ cipar o suce-
dido às autoridades locais.
Em carta escrita para o Rei, datada de 11 de Novembro de 1765, o Vice-
-Rei do Brasil informava, sobre este assunto, que Caetano Mendes havia
sido preso, por ordem do bispo, prisão essa que ele próprio fomentara
fazendo constar que possivelmente não seria padre, e isso porque alega-
damente pretendia fi car no Brasil.
Informava igualmente o Vice-Rei que Caetano Mendes teria estado
muito pouco tempo na prisão, porquanto teriam aparecido 3 grumetes da
corveta que declararam ter ele, no decurso da viagem, celebrado várias
missas e ter assisƟ do, com muita caridade, aos doentes e aos moribundos,
o que parece ter sido sufi ciente como prova de que era padre.
O Vice-Rei terminava a carta manifestando o seu convencimento de que
Caetano Mendes não deveria ser mesmo padre pois, na verdade, nunca
apresentara a carta de ordenação, nem qualquer outro documento com-
provaƟ vo da sua alegada condição de sacerdote, acrescentando ainda que,
em sua opinião, seria muito diİ cil que tal indivíduo viesse a ser capturado,
porquanto a severidade das penas aplicáveis na eventualidade de ser preso
era muiơ ssimo dura.
Cmdt. E. Gomes
N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino doc. 6896 Rio de Janeiro
30 FEVEREIRO 2018