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          ESTÓRIAS                                                                                         39



          CICLOTURISMO




            odos os rapazes do meu tempo, e não só, sabem quem foram   nova paragem para apreciar e aplaudir uma afi nadíssima banda
         TJosé Maria Nicolau e Alfredo Trindade. De qualquer modo,   fi larmónica do Nordeste. Aí, foi-me perguntado por um músico
          sempre direi que o primeiro foi ciclista do Benfi ca e o segundo   se conhecia a estrada que ơ nhamos pela frente e se íamos descer
          do SporƟ ng. Ambos com 2 vitórias na Volta a Portugal em Bici-  a ladeira nas bicicletas, pois a descida era muito perigosa. A mãe
          cleta. Desde logo, uma rivalidade que dividia os portugueses e,   Providência estava do nosso lado. E assim acautelados, iniciou-
          como tal, o mesmo acontecia a bordo, pese embora o facto de   -se a descida para as Furnas com as bicicletas pela mão. Mas o
          em 1948, altura em que se passou a estória que irei relatar, não   “Faísca”, 1º Grumete Fogueiro, quis arriscar e, desrespeitando o
          haver “A Volta”, ora interrompida durante a segunda guerra mun-  sério aviso, avançou para muito em breve se aƟ rar para a valeta
          dial (1939/1945) e ainda por alguns anos mais.      por não se controlar. Custou-lhe umas boas esfoladelas e forte
           S. Miguel, Ponta Delgada, a bordo do NRP Lima em comissão   admoestação geral.
          nos Açores. Era Comandante o Capitão-Tenente Diogo de Melo   E, fi nalmente, a chegada às Furnas, com muita gente curiosa que
          e Alvim, tendo como Imediato o Primeiro-Tenente Gomes e   nos olhava espantada. A visita às “caldeiras” onde alguns coziam
          Trindade. Entre a guarnição estava o “Estoril”, 2º Marinheiro   ovos na lama vulcânica, em ebulição, e logo um merecido des-
          ArƟ lheiro com a sua “bicicleta de corrida” e que
          da modalidade – corridas, claro – sabia mais
          que ninguém. Após os serviços era vê-lo a sair a
          prancha e ir dar a sua volƟ nha. Corria a muralha
          de uma ponta a outra com sprints e tudo. Estas
          demonstrações despertaram na rapaziada a
          ideia, louca para alguns, de um passeio turísƟ co,
          de bicicleta, pois claro, pela ilha. Mesmo não
          sendo dos mais entusiastas, coube-me a tarefa
          de organizar tal desiderato e logo fi cou assente
          que seria às Furnas. Fui falar com o Sr. Imediato,
          que me ouviu com toda a atenção, ora olhando
          para mim ora para o mapa, cópia manual da
          carta náuƟ ca da ilha de S. Miguel, onde estavam
          marcados os locais de passagem bem como as
          horas previstas de parƟ da e chegada, e a auto-
          rização foi dada, não sem alguma relutância e
          muito espanto, pois não imaginava ter tantos
          doidos a bordo. Depois de breve explicação
          sobre a função do navio no apoio à aviação, da
          responsabilidade que ele assumia, etc., etc.,
          pediu o máximo de cautela e que comunicasse
          com o navio se necessário. Com a logísƟ ca  a
          funcionar (o aluguer das bicicletas, canƟ s com água e bolacha   canso. Tínhamos percorrido cerca de 60 Km. Fizemos um bom
          capitão e o equipamento uniforme, ou seja, calção, camisola e   repouso estendidos na relva. Nós e as bicicletas, obviamente.
          botas da ordem) tudo fi cou pronto e, às 06h00 do dia aprazado,   O regresso foi mais complicado. Passada Vila Franca do Campo,
          largámos.                                           enfrentámos a subida para o Alto da Lagoa, novamente com as
           Desde logo se reparou que a bicicleta do Flores, 2º Marinheiro   bicicletas à mão, mas agora puxando por elas. Foram uns penosos
          ArƟ lheiro, Ɵ nha pendurada no quadro uma retenida. Com Ponta   quilómetros. Depois, passada a povoação de Livramento, já com
          Delgada já deixada para trás e por alturas de S. Roque é feita   a noite a aproximar-se, ligaram-se os farolins e até Ponta Delgada
          a primeira paragem, a sinal de uma senhora que nos esperava   foi um pedalar moderado, pois as forças já escasseavam, excepto,
          especada no meio da estrada e, pasme-se, equipada a rigor e   claro, para o “rebocador Flores” e para a senhora que vinha, calma
          de bicicleta. Feita a apresentação, a dama era uma namorada   e sorridente, a reboque. A chegada ao navio fez-se já perto das
          do Flores e, então, fez-se luz. A retenida era para a rebocar e   23h00. Os cicloturistas foram dormir o sono dos justos.
          desde logo o aviso de “água aberta a bordo”. Devo adiantar que   Dois dias depois o “Açoriano Oriental” trazia em destaque:
          a presença da senhora em nada perturbou o programa previsto   “Marujos ou diabos” e salientava o feito, pois na ilha jamais
          e até serviu para conter alguma expressão naval mais cabeluda.   alguém o  fi zera. Pode-se justamente parafrasear Mark Twain:
          E toca a pedalar. Após percorridas, alegremente, duas dezenas   “Não sabendo que era impossível, foi lá e fez”.
          de quilómetros, chegámos à Ribeira Grande e, com mais umas   E, já com saudades do mar…
          pedaladas, a São Brás, onde desmontámos para um breve des-
          canso. Tudo muito agradável, paisagem lindíssima, hortênsias a                             Teodoro Ferreira
          separar terrenos, muitas estufas de ananases e boa disposição.                               1TEN SG REF
          Logo a seguir e pouco antes da descida para as Furnas, fez-se   N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co


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